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Abandonado, arquivo secreto da ditadura é achado em Santos
Documentos estão armazenados fora de ordem, infestados por cupins, traças e poeira, em cerca de 600 pastas e caixas
Ato descumpre resolução que determinava que papéis fossem abertos a consulta; delegado diz que dossiês irão para o Arquivo do Estado
MARIO CESAR CARVALHO
ENVIADO ESPECIAL A SANTOS (SP)
Espiões nazistas podem entrar disfarçados de latino-americanos no porto de Santos,
alertava a polícia em 1943. Romeu Tuma, então chefe da polícia política, é informado sobre
um show de Chico Buarque em
1972. Relatos de dois pescadores e de um funcionário público
dão conta de que Carlos Marighella, líder guerrilheiro da
ALN (Ação Libertadora Nacional), prepara uma ação no litoral paulista em 1969.
Essas histórias estão guardadas num arquivo secreto do
Deops-SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), abandonado pela Polícia
Civil em Santos e que nunca havia sido aberto a consultas.
A reportagem da Folha entrou pela primeira vez no arquivo. Numa sala com cerca de
18 m2, trancada com cadeado,
duas estantes de madeira guardam cerca de 600 pastas e caixas, que abrigam entre dez e 15
dossiês cada uma, tudo infestado por cupins, traças e poeira.
A sala fica no segundo andar do
Palácio da Polícia, atrás de dois
elevadores.
Numa estimativa grosseira, o
arquivo teria de 6.000 a 9.000
dossiês. O Deops foi a polícia
política no Estado à época da
ditadura militar (1964-1985).
Os investigados são sindicalistas, comunistas, guerrilheiros, políticos, padres e líderes
estudantis. Não há ordem alfabética ou cronológica no armazenamento. As pastas são organizadas por temas -sindicato
dos estivadores, movimento
estudantil, Marighella, Jânio
Quadros, e assim por diante.
O documento mais antigo
encontrado pela Folha é de
1943, sobre os riscos de infiltração nazista no porto; o mais
recente, de 1982, sobre lideranças estudantis.
O Deops foi extinto em 1983
e sua documentação deveria
ter sido entregue ao Arquivo do
Estado a partir de 1994, segundo uma resolução do então secretário da Cultura do governo
paulista, Ricardo Ohtake, que
criou as normas de consulta a
esses papéis. Essa resolução
determinava que os arquivos
do Deops fossem abertos a consulta pública e que ficariam sob
a guarda do Arquivo do Estado.
Santos
O historiador Rodrigo Rodrigues Tavares, autor de dois livros sobre a história política de
Santos contada a partir de documentos do Deops, diz que a
polícia da cidade sempre negou
que tivesse esse arquivo: "Pedi
umas quatro ou cinco vezes para consultar essa documentação e a polícia dizia que não tinha mais nada".
Os livros escritos pelo historiador ("O Porto Vermelho" e
"A Moscouzinha Brasileira")
foram pesquisados na documentação que a polícia de Santos enviava para São Paulo e está guardada no Arquivo do Estado. Nesse arquivo, há cerca de
50 pastas sobre Santos, segundo ele, menos de 10% do que está abandonado nas 600 pastas
que estão naquela cidade.
As 50 pastas existentes em
São Paulo não traduziam a importância política que Santos
teve no país, na avaliação dele.
A cidade era um dos principais polos dos anarquistas no
país e uma bases históricas do
Partido Comunista Brasileiro.
Tão importante que o escritor
Jorge Amado dedicou um dos
livros da trilogia "Os Caminhos
da Liberdade" a Santos -o volume intitulado "A Agonia da
Noite". "Os velhos comunistas
diziam que deveria haver muito
mais material do Deops do que
aquele que eu achei em São
Paulo", relata o historiador.
Um desses velhos comunistas, Anibal Ortega, 64, militante do PCB desde 1961, diz que o
arquivo encontrado agora estava escondido porque os policiais temiam retaliações após a
redemocratização do país.
"Muitos comunistas de Santos foram procurar dossiês em
arquivos para entrar com pedidos de indenização e não acharam nada", conta Ortega. A possibilidade de presos políticos
serem indenizados foi instituída em 1995 pelo governo federal e, seis anos depois, pelo governo paulista.
Apuração
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) vai pedir que o
Ministério Público apure as razões pelas quais os dossiês não
foram entregues ao Arquivo do
Estado em 1994. O conselheiro
Arley Rodrigues diz que a Secretaria de Segurança violou
uma norma do próprio Estado.
"Se descobrirmos que houve
ação ou omissão de algum delegado, ele pode ser punido", diz.
Rodrigues foi informado da
existência do arquivo pelo radialista João Carlos Alckmin.
O delegado responsável por
Santos, Waldomiro Bueno Filho, diz que não sabia da existência do arquivo, mas que vai
transferir a documentação para o Arquivo do Estado. Bueno
Filho foi acusado de ter participado de sessões de tortura do
jornalista Vladimir Herzog
(1937-1975), o que ele nega.
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