São Paulo, domingo, 26 de março de 2006

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ENTREVISTA

Para especialista do BID, Chile é país latino mais avançado no setor, com tentativa de inserção das famílias no mercado

Programas de transferência estão "no limite"

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Para Wanda Engel, 61, chefe da divisão de Desenvolvimento Social do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e ex-secretária de Assistência Social no governo FHC, os programas de transferência de renda na América Latina estão chegando a um limite de expansão.
No BID desde janeiro de 2003, ela identifica no Chile o surgimento de uma terceira e quarta gerações desses programas.
A primeira se limitava a dar dinheiro aos pobres. A segunda, iniciada no Brasil, cobrava também freqüência à escola. A terceira já percebe que é preciso capacitar a família para que ela deixe de precisar da ajuda do Estado.
A quarta, ainda embrionária no Chile, tenta, em conjunto com as outras três, desenvolver a economia para ajudar a inserir essas famílias no mercado de trabalho. Veja trechos da entrevista à Folha por telefone, de Washington:

Folha - O IBGE mostrou nesta semana que metade das famílias na faixa de renda mais pobre no Brasil ainda não estava incluída em 2004 em programas de transferência de renda. Por que parece tão difícil chegar a essas famílias?
Wanda Engel -
Quando começamos a unificar o cadastro dos programas sociais [na gestão FHC], tínhamos duas opções: fazer um censo para achar os mais pobres ou chamar os pobres para se cadastrarem e ir aperfeiçoando a focalização com o tempo. Optamos pela segunda opção porque era extremamente mais barata.
Tínhamos a experiência da Colômbia, que optou por fazer um censo e, mesmo assim, não conseguiu fazer uma focalização perfeita, porque muitas famílias que tinham interesse em ser cadastradas omitiam informações.
Nossa opção então foi fazer a divulgação e trabalhar para que a informação chegasse ao mais pobre. Acontece que o mais pobre é pobre também de informação. Ele não sabe como ter acesso e não acha que tem direito. Era gente também que não tinha sequer documentação dos pais ou das crianças. Tivemos que fazer um mutirão com juízes, tabeliões e ONGs para regularizar a situação de 2 milhões de famílias que estavam de fora por essa razão.
Hoje, acho que é possível fazer um censo específico em áreas onde se sabe que há uma grande proporção de mais pobres de fora e melhorar a focalização.

Folha - Como outros países enfrentaram esse problema?
Engel -
Quase todos os países da América Latina chegaram a um limite de expansão. Podemos identificar na região quatro gerações desses programas. A primeira delas é a que transfere dinheiro para a família e pronto. O objetivo é apenas garantir a sobrevivência. A segunda, que começou no Brasil com o Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e com o Bolsa-Escola, faz transferência condicionada. Além de manter aquela família viva, o objetivo é quebrar o ciclo da pobreza colocando as crianças na escola. Mas isso leva muito tempo para dar resultados.
Surgiu então uma terceira geração no Chile. Além da transferência condicionada, o programa estabelece um prazo para que a família saia daquela condição e faz uma análise detalhada das necessidades de cada uma. Essa família passa também a ter prioridade no acesso a qualquer serviço do Estado. O Ministério da Educação, por exemplo, ganha uma verba para criar mais uma vaga para uma criança dessa família numa creche, sem excluir as demais.
No entanto, o Chile percebeu que era preciso criar um programa de desenvolvimento da economia local. É algo altamente embrionário e ainda não há resultados, mas a idéia é que essa família só terá sustentabilidade se conseguir uma forma de inserção na economia. Essa seria a quarta, e mais nova, geração.

Folha - Em que fase estariam os programas brasileiros?
Engel -
Acho que estamos numa fase de transição da segunda para a terceira geração.

Folha - Quando o BID e o Banco Mundial defendem esses programas, eles não estão desviando o foco da discussão principal, que é a necessidade de a economia crescer e gerar empregos?
Engel -
Durante muito tempo acreditou-se que bastava crescer para resolver o problema da pobreza e da desigualdade. Essa era a receita dos organismos internacionais. Hoje, o que se defende é que, além do crescimento, haja um novo sistema distributivo. Acontece que os excluídos não têm a oportunidade de desenvolver plenamente suas potencialidades. Eles se inserem num mercado informal que lhes nega qualquer possibilidade de proteção social. Na América Latina, na década passada, de cada dez empregos criados, sete eram informais. Esses programas de transferência representam a oferta de alguma proteção social a esse grupo.
Há um estudo da Comissão Econômica para a América Latina que mostra que países que têm rede de proteção social são inelásticos aos choques porque mantêm um nível mínimo de consumo e produção de sua população mais pobre, mas são elásticos ao crescimento, porque, assim que ele acontece, as famílias mais pobres rapidamente se recuperam. Os países sem rede de proteção são elásticos ao choque, com perda de capital humano, e inelásticos ao crescimento, porque essas famílias demoram a se recuperar.
É por isso que a rede de proteção social tem também uma função econômica. Da mesma forma que, se eu mexer no econômico, afeto o social, se eu mexer no social, interfiro também na economia. Além de mudanças no modelo econômico, acho que existem coisas que podem ser feitas do ponto de vista microeconômico que ajudam essas pessoas a gerar riquezas e contribuir para o crescimento econômico do país.


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