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ENTREVISTA
Para especialista do BID, Chile é país latino mais avançado no setor, com tentativa de inserção das famílias no mercado
Programas de transferência estão "no limite"
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
Para Wanda Engel, 61, chefe da
divisão de Desenvolvimento Social do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e ex-secretária de Assistência Social no
governo FHC, os programas de
transferência de renda na América Latina estão chegando a um limite de expansão.
No BID desde janeiro de 2003,
ela identifica no Chile o surgimento de uma terceira e quarta
gerações desses programas.
A primeira se limitava a dar dinheiro aos pobres. A segunda, iniciada no Brasil, cobrava também
freqüência à escola. A terceira já
percebe que é preciso capacitar a
família para que ela deixe de precisar da ajuda do Estado.
A quarta, ainda embrionária no
Chile, tenta, em conjunto com as
outras três, desenvolver a economia para ajudar a inserir essas famílias no mercado de trabalho.
Veja trechos da entrevista à Folha
por telefone, de Washington:
Folha - O IBGE mostrou nesta semana que metade das famílias na
faixa de renda mais pobre no Brasil
ainda não estava incluída em 2004
em programas de transferência de
renda. Por que parece tão difícil
chegar a essas famílias?
Wanda Engel - Quando começamos a unificar o cadastro dos programas sociais [na gestão FHC],
tínhamos duas opções: fazer um
censo para achar os mais pobres
ou chamar os pobres para se cadastrarem e ir aperfeiçoando a focalização com o tempo. Optamos
pela segunda opção porque era
extremamente mais barata.
Tínhamos a experiência da Colômbia, que optou por fazer um
censo e, mesmo assim, não conseguiu fazer uma focalização perfeita, porque muitas famílias que tinham interesse em ser cadastradas omitiam informações.
Nossa opção então foi fazer a divulgação e trabalhar para que a
informação chegasse ao mais pobre. Acontece que o mais pobre é
pobre também de informação. Ele
não sabe como ter acesso e não
acha que tem direito. Era gente
também que não tinha sequer documentação dos pais ou das
crianças. Tivemos que fazer um
mutirão com juízes, tabeliões e
ONGs para regularizar a situação
de 2 milhões de famílias que estavam de fora por essa razão.
Hoje, acho que é possível fazer
um censo específico em áreas onde se sabe que há uma grande
proporção de mais pobres de fora
e melhorar a focalização.
Folha - Como outros países enfrentaram esse problema?
Engel - Quase todos os países da
América Latina chegaram a um limite de expansão. Podemos identificar na região quatro gerações
desses programas. A primeira delas é a que transfere dinheiro para
a família e pronto. O objetivo é
apenas garantir a sobrevivência.
A segunda, que começou no Brasil com o Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e
com o Bolsa-Escola, faz transferência condicionada. Além de
manter aquela família viva, o objetivo é quebrar o ciclo da pobreza
colocando as crianças na escola.
Mas isso leva muito tempo para
dar resultados.
Surgiu então uma terceira geração no Chile. Além da transferência condicionada, o programa estabelece um prazo para que a família saia daquela condição e faz
uma análise detalhada das necessidades de cada uma. Essa família
passa também a ter prioridade no
acesso a qualquer serviço do Estado. O Ministério da Educação,
por exemplo, ganha uma verba
para criar mais uma vaga para
uma criança dessa família numa
creche, sem excluir as demais.
No entanto, o Chile percebeu
que era preciso criar um programa de desenvolvimento da economia local. É algo altamente embrionário e ainda não há resultados, mas a idéia é que essa família
só terá sustentabilidade se conseguir uma forma de inserção na
economia. Essa seria a quarta, e
mais nova, geração.
Folha - Em que fase estariam os
programas brasileiros?
Engel - Acho que estamos numa
fase de transição da segunda para
a terceira geração.
Folha - Quando o BID e o Banco
Mundial defendem esses programas, eles não estão desviando o foco da discussão principal, que é a
necessidade de a economia crescer
e gerar empregos?
Engel - Durante muito tempo
acreditou-se que bastava crescer
para resolver o problema da pobreza e da desigualdade. Essa era
a receita dos organismos internacionais. Hoje, o que se defende é
que, além do crescimento, haja
um novo sistema distributivo.
Acontece que os excluídos não
têm a oportunidade de desenvolver plenamente suas potencialidades. Eles se inserem num mercado informal que lhes nega qualquer possibilidade de proteção
social. Na América Latina, na década passada, de cada dez empregos criados, sete eram informais.
Esses programas de transferência
representam a oferta de alguma
proteção social a esse grupo.
Há um estudo da Comissão
Econômica para a América Latina
que mostra que países que têm rede de proteção social são inelásticos aos choques porque mantêm
um nível mínimo de consumo e
produção de sua população mais
pobre, mas são elásticos ao crescimento, porque, assim que ele
acontece, as famílias mais pobres
rapidamente se recuperam. Os
países sem rede de proteção são
elásticos ao choque, com perda de
capital humano, e inelásticos ao
crescimento, porque essas famílias demoram a se recuperar.
É por isso que a rede de proteção social tem também uma função econômica. Da mesma forma
que, se eu mexer no econômico,
afeto o social, se eu mexer no social, interfiro também na economia. Além de mudanças no modelo econômico, acho que existem coisas que podem ser feitas
do ponto de vista microeconômico que ajudam essas pessoas a gerar riquezas e contribuir para o
crescimento econômico do país.
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