São Paulo, Sexta-feira, 26 de Março de 1999
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ÍNTEGRA DO DISCURSO DE ACM

Leia, a seguir, a íntegra do discurso feito por Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) no Senado:

Pronunciamento do presidente do Senado, senador Antonio Carlos Magalhães, justificando o requerimento de criação da CPI do Judiciário.
Brasília DF, 25 de março de 1999.
As Constituições democráticas rezam que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
Na Carta do Brasil, garantem-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade.
Vou deter-me nos Direitos e Garantias Fundamentais, e, neles insisto, na garantia constitucional de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, para declarar, sem medo de errar, que essa imposição fundamental, base da democracia, ainda está longe de acontecer em nosso país.
Isto em grande parte porque setores do Judiciário, pelas mais variadas razões, não estão funcionando como deveriam e seria sua obrigação funcionar.
Quero construir e não destruir.
Grande parte dos integrantes da magistratura é composta de homens cultos, sérios, dignos e incorruptíveis, pensa como eu e os senhores senadores, no sentido de encontrar saídas para as mazelas denunciadas por todos aqueles que têm parcela de responsabilidade na condução do Brasil.
Poder Judiciário forte é pilar da democracia. E queremos torná-lo mais forte ainda, através do seu trabalho, da sua agilidade. O nosso objetivo e fim é que haja justiça, porque da justiça é que nasce a confiança.
Não há sacrifício a poupar para que a justiça se faça e esteja sempre limpa e presente.
O que não queremos é que se adquiram ou construam prédios irregulares, como o Fórum Trabalhista de São Paulo, inacabado, que já custou R$ 230 milhões.
Um escândalo. Estive em São Paulo, ao pé do prédio, que longe está de ser concluído.
Visitei-o para vê-lo de olhos vistos e dar um testemunho veraz a este plenário.
Fiquei chocado. É uma vergonha!
O que não desejamos é um Judiciário corruptível, sujo, ou que não trabalha, conforme as provas que tenho em mãos.
O que não queremos é a lentidão da justiça, e é por isso que viemos a esta tribuna, não para desmoralizar, achincalhar, mas para enaltecer o Judiciário, porque grande parte dele prima pela seriedade, mas que se apequena quando maculado pelos que não são sérios.
O caso do processo 300-99, do Tribunal do Trabalho de São Paulo é chocante.
Iniciado há poucos dias, teve sua audiência de instrução marcada -sabem os senhores senadores para quando?- para 19 de novembro de 2001.
Ou seja: para daqui a dois anos e nove meses.
A exemplo do que tem ocorrido na Justiça trabalhista, podemos deduzir que esse processo só estará concluído quando o novo século estiver bem adiantado, mais velho.
Em 1990 -este é outro caso incrível-, um juiz apresentou em Santos denúncia de correição em caso de corrupção, com formação de quadrilha e usurpação de poder federal.
Fato gravíssimo!
Pois bem, essa denúncia só foi encaminhada neste mês, passados nove anos.
Cabe perguntar: terá sido essa providência decorrente desta campanha encetada por nós e que se anuncia como uma borrasca a desabar sobre alguns ombros togados?
Agora, em Minas Gerais, temos o caso antiquíssimo de um inventário de quase 25 anos, enterrado nas gavetas e porões dos tribunais, que se encontra pousado há 21 anos nas mãos imóveis, petrificadas por uma estranha artrite de omissão, de um desembargador.
A Justiça não pode estar nas mãos dos indignos de praticar o Direito, dos esquecidos do seu dever singelo e nobre, que deve estar confiado a mãos ilibadas, incumbidas senão de abrir o livro da Lei, e aplicá-la.
Numa época de entronização muito justa dos direitos humanos nas sociedades modernas, choca ver atos de insensibilidade e até de desumanidade de juízes.
É o caso ocorrido na comarca de Salvador, o processo movido por um cidadão que perdeu a filha em um acidente de trânsito provocado por um ônibus de um amigo íntimo do juiz. Este, em lugar de condenar o culpado, infringiu ao pai da falecida a obrigação de indenizar os irrelevantes danos ao veículo.
Francamente, é demais!
Senhoras e senhores senadores,
O poder da justiça, seu império, encontra-se na sua imparcialidade, pois nenhum arbítrio a ela assiste para subtraí-la à declaração e ao clamor do direito.
Nenhum outro poder mais alto se alevanta para inibi-la, coartá-la.
Mas o que está havendo é que ela vem sendo agredida dentro de sua própria casa.
"Não há tribunais que bastem para abrigar o Direito quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados."
Este pensamento de Rui Barbosa ilustra bem, e fortemente, a agressão que a justiça vem sofrendo entre as paredes de seu templo sagrado.
Mas, para isso, em todas as pregas e dobras do manto da deusa do Direito, no fiel de sua balança incorruptível, na ponta e no gume de sua espada implacável, ao Judiciário impõe-se estar sustentado por magistrados da melhor cepa, punho forte e firme, caráter ilibado e ação pronta e limpa.
Não se deixem os juízes assaltar pelos fumos da vaidade que os levam a julgar que o poder de que dispõem seja intocável.
Não deslizem nesse erro.
Não escorreguem nesse desvão.
Não se confundam e não se percam os maus juízes, julgando-se acima do Bem e do Mal.
Não se arroguem de intangibilidade e onipotência de deuses que sobrepairam por sobre os cidadãos, e passem a julgar em causas impróprias.
Não percam a consciência de seus deveres.
O Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba, de tão notórias irregularidades, sofreu intervenção do Tribunal Superior do Trabalho.
Pensam que as coisas melhoraram?
Pois continuam na mesma.
Nem sequer foram apurados os fatos que levaram à intervenção.
Um caso cínico de nepotismo foi denunciado pela Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União, tudo documentado, com relação de nomes de pessoas ligadas a desembargadores e juízes.
Pois nada aconteceu.
Também da Paraíba nos chega a nomeação de um juiz do TRT que à época era réu em ação penal e processado disciplinarmente junto à OAB.
Isso é ilegalidade. É crime.
Para não ficar arrolado apenas em casos de nepotismo e concussão administrativa, o TRT paraibano esmerou-se em práticas de superfaturamento de compra de imóveis, como o de Mamanguape.
Desprezou o TRT a doação de um prédio pela prefeitura municipal, e comprou um imóvel residencial por duas vezes o valor avaliado pelo leiloeiro oficial do Estado.
A lista é interminável, e seria cansativo prosseguir.
A continuar nesse descalabro, logo chegaremos à catástrofe, e destas, "as mais atrozes, as mais sinistras, as mais desesperadas são as que entorpecem o caráter das nações, e, depois de as afundar no coma da indiferença, as sepultam no sono do aniquilamento".
Será acaso isso, senhoras e senhores senadores, que aspiramos aconteça ao Brasil? Pois ameaçados disso é que estamos.
E a isso chegaremos se permitirmos continue a avançar a degradação dos usos e costumes em certos escaninhos da Justiça.
Dissolução instilada pela peçonha do mau vezo da prática da corrupção, do nepotismo, da ausência de ética, da incorreção, do estelionato da dignidade de que se impõe livrar a Justiça com urgência.
Mas não irei longe. Fico na minha Bahia.
Há um caso digno da execração pública.
Uma empresa, que devia ao Banco do Brasil R$ 1 bilhão, conseguiu de uma juíza uma sentença, por alegados danos morais e psicológicos, condenando o credor a se responsabilizar pelo pagamento ao devedor de R$ 3,9 bilhões.
Vejam bem: R$ 3,9 bilhões!
Ora, caros senadores, isso é inconcebível. É demais. Assim como os casos de indenizações multimilionárias conseguidas nos tribunais do trabalho.
Em Vitória da Conquista, o Banco do Brasil viu-se condenado a pagar uma indenização trabalhista milionária de mais de R$ 15 milhões, quando cálculos criteriosos apontavam para um montante de R$ 272 mil.
Esse valor exorbitante era 56 vezes maior do que o que seria justo.
Em Salvador, indenização calculada em 10.800 salários mínimos (R$ 1,404 milhão) ressarciria, segundo sentença do juiz do trabalho, danos morais causados pela devolução de um cheque de R$ 2.130 sob alegação de falta de fundos.
Isso é uma vergonha: 659 vezes maior que o valor do cheque sem fundos em questão.
Senhoras e senhores senadores,
Insisto nos Direitos e Garantias Fundamentais porque milhões de pessoas, principalmente as mais pobres e mais carentes, em todos os recantos, estão em busca da igualdade perante a lei.
Mas ao contrário, a lentidão dos processos, a omissão, o descaso e a corrupção de alguns magistrados estão lhes dizendo, sim, que existem distinções de toda ordem, bem ao revés dos mandamentos maiores do Direito e da Justiça.
Isso não está certo. Isso não é correto.
Cabe aqui voltar ao mestre civilista, guia neste caminho em direção ao direito, sobre a importância da justiça para o cidadão comum, do direito para todos, sem manipulação de privilégios em causa própria:
"A Justiça não conhece precipícios nem alturas, não varia dos palácios às choupanas, dos tronos às enxovias."
Mas, infelizmente, não é o culto a esta santidade do Direito que praticam certos setores da magistratura.
E essa situação, senhores senadores, não duvidamos, constitui uma das fontes da corrupção, da violência e da desesperança que as pesquisas de opinião pública revelam abrigar-se perigosamente no sentimento de nossos concidadãos.
Quero mencionar constatações e números relevantes de uma pesquisa publicada hoje (ontem) no jornal "O Estado de S.Paulo", sobre como o homem comum vê a Justiça.
Por esses números, observa-se que 92% dos brasileiros consideram a justiça lenta e que só privilegia os ricos.
Para 52% das pessoas, as sentenças judiciais são justas, e para metade delas, cumprir a lei não traz nenhuma vantagem.
Mais adiante, no que pode ser estranho, mas não é, ao mesmo tempo em que diz não acreditar no cumprimento das leis, o brasileiro garante que as cumpre.
E 85% dos entrevistados disseram que elas devem ser obedecidas.
Quanto aos advogados, 56% dos entrevistados acham que são desonestos.
A pesquisa é que fala, não eu.
Hoje, divididos e estratificados estão, de um lado, os homens de primeira classe, os ricos, e, de outro, aqueles de segunda categoria, os pobres, porque o braço da lei chega mais rápido e fácil aos que podem contratar advogados caros e famosos, enquanto os do outro lado são milhares que lutam por conseguir mesmo um defensor público.
Marginalizados estão os mais pobres pela exigência constitucional, corporativa, de só se poder recorrer à Justiça por intermédio de advogado.
Senhoras e senhores senadores,
Quero ir às raízes da crise do Judiciário, sim, preferindo enfrentar o mundo servindo à minha consciência a enfrentar a consciência servindo ao mundo, como bem disse Humberto de Campos.
Concordo com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, doutor Reginaldo de Castro: "O Judiciário é, dos três Poderes, aquele que mais depende da credibilidade para exercer sua missão".
Estou trazendo a debate um tema que sempre foi um tabu.
Faço-o na convicção de que me manifesto em nome de milhares de pessoas que não podem fazê-lo de viva voz, mas que se têm manifestado através de centenas de denúncias, vítimas do marasmo dos processos, casos gritantes de injustiça, de favoritismo e de corrupção.
Falo em nome de pessoas que não aceitam mais o nepotismo, essa praga que contamina juizados e tribunais em todo o país.
E essa é uma das contribuições que a CPI, cujo requerimento de constituição estamos encaminhando, pretende dar ao Judiciário.
Devolver-lhe a confiabilidade inquestionável de que sempre deve desfrutar, mas que hoje se encontra muito abalada.
Falo, também é verdade, com a voz da emoção, da indignação que sei também é dos senhores, com a ira santa de todos os habitantes deste país que não se conformam com o desrespeito acintoso, não apenas aos direitos e garantias fundamentais, como também aos mais elementares direitos do ser humano que se vem praticando em certos setores da Justiça brasileira.
Não são impulsos que me movem nesta cruzada.
Repito. Quero construir. O que combato é o sistema. Dispenso as individualidades.
Até porque um depoimento sério não pode e não deve abrigar figuras embuçadas na sombra de uma magistratura.
Desejo que a crise do Judiciário seja enfrentada sem delongas, sem receios de retaliações, tudo às claras, para que privilégios não continuem sendo confundidos com prerrogativas e predicamentos.
"Todos os problemas se tornarão menores quando, em vez de fugir deles, os encaramos de frente. Toque um cardo com timidez e espetará as mãos; agarre-o com força e os espinhos se dobrarão."
Para que a corrupção seja combatida com firmeza e isenção a partir, e por iniciativa dos diversos órgãos e escalões do Judiciário, sem o escudo inaceitável do chamado "segredo de justiça".
O sigilo, ou segredo de justiça, não é prerrogativa institucional criada em favor do magistrado, e sim do jurisdicionado, para que alcance uma decisão imparcial, rápida e justa.
Nem juiz nem ninguém pode alegar e abrigar-se sob segredo de justiça em inquéritos e processos de corrupção, desídia, nepotismo, etc...
Esses processos devem correr às claras, porque a publicidade é a regra que permite o controle dos atos dos poderes públicos: a luz espanta o crime.
Esconder-se sob o manto da impunidade durante os processos torna certos magistrados desiguais perante a lei.
Por que numa democracia existe alguém desigual perante a lei?
Contraria-se, aí, a própria Constituição, que impõe, no Capítulo 3º, do Poder Judiciário, Disposições Gerais, inciso 9º, que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as suas decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes".
Por que todos os cidadãos estão sujeitos a julgamento público, e os juízes não estão?
Deputados e senadores, detentores de mandato popular, algumas vezes vítimas de denúncias falsas, de caráter político, são levados à execração pública.
São investigados sob a luz de refletores, discussão e julgamento abertos à opinião pública, com a inegável carga de preconceitos em relação ao Legislativo e à classe política.
Mas juízes não o são! Por quê?
É necessário e urge repensar essa interpretação, de que se beneficiam autoridades.
No Congresso Nacional estamos empenhados em acabar com a impunidade parlamentar.
Estamos votando projeto de emenda constitucional que assegurará a imunidade apenas por opinião, expressão de pensamento e voto.
Com isso os processos contra parlamentares terão andamento rápido no Supremo Tribunal Federal, limitada a interferência das Casas do Congresso no sentido de obstá-los.
Senhoras e senhores senadores, volto à Justiça do Trabalho, que é um caso à parte. Um lamentável caso à parte.
"A Justiça do Trabalho é lenta, conservadora, tem grande dose de vaidade e precisa compreender que não resolverá os problemas do país."
Quem afirma isso, pasmem os senhores senadores, não sou eu.
É um ministro do próprio Tribunal Superior do Trabalho.
Não é outro senão Almir Pazzianoto, que apontou, em várias oportunidades, segundo notícias divulgadas pelos jornais, outros defeitos na estrutura e no funcionamento do TST e seus tribunais regionais.
Para se ter uma idéia da lentidão a que se refere o ministro, um processo protocolado no TST pode levar um ano ou mais para ser distribuído a um relator.
Repito: ser distribuído e não julgado.
Outra vez repito: essa lentidão ocorre em doses mais elevadas com os casos dos despossuídos e das pessoas de menores recursos, que não têm a quem pedir socorro, nem grandes causídicos a que recorrer.
Volto a repetir: evidentemente que não é por falta de verba que isso ocorre.
O custo do Poder Judiciário da União monta a R$ 7,2 bilhões. Pois, pasmem os senhores senadores, somente a Justiça do Trabalho consome praticamente a metade desse montante: R$ 3,5 bilhões.
Outro dado chocante:
As despesas com pessoal da União, de 1987 a 1999 -doze anos- cresceram no Poder Executivo 224%; no Legislativo, 295%.
Sabe a nação que no Judiciário o crescimento chegou à casa espantosa dos 760%?
Farei agora um comparativo. O custo de um processo trabalhista estima-se em cerca de R$ 1.600, que significam mais de 12 salários mínimos. Ou seja: mais de um ano de salário de um trabalhador.
Senhoras e senhores senadores,
Nos últimos anos, multiplicaram-se, em escala sem precedentes, os atos de gestão irregular nos Tribunais Regionais do Trabalho.
Muitos deles, tomados isoladamente, parecem pecados veniais.
Porém, qualquer infração à lei, quando cometida por um magistrado, assume sempre gravidade muito maior do que a praticada por cidadão comum.
Ao magistrado cabe interpretar e aplicar a lei.
Mais do que ninguém ele está obrigado a cumpri-la de forma cabal.
Tem o magistrado obrigação de dar o exemplo.
Ele deve ser o paradigma da sociedade em matéria de obediência à lei.
Uma simples pesquisa nos relatórios trimestrais do Tribunal de Contas da União, enviados ao Congresso Nacional, e que estão igualmente publicados no "Diário Oficial da União", à disposição de quem quiser ler, evidencia os incontáveis processos em que o TCU nos últimos anos flagrou e condenou presidentes e juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho pela prática de atos administrativos ilegais:
- compra de automóveis de luxo para uso dos juízes, contrariando proibição expressa da Lei de Diretrizes Orçamentárias;
- realização ilegal de despesas vultosas sem crédito orçamentário para construção de novas sedes de juntas;
- contratação de obras para sedes suntuosas a preços superfaturados;
- prática reiterada e generalizada do nepotismo, com a designação de parentes e pessoas estranhas ao quadro de pessoal, para ocupar cargos em comissão e funções gratificadas;
- burla do concurso público mediante recurso à chamada "ascensão funcional", manobra torpe que consiste em a pessoa prestar concurso para um cargo de menor importância, e depois, por meio de ato administrativo interno, ser alçada para cargo de nível superior, ou então simplesmente ser designada para função de confiança, com polpudas gratificações.
Em conseqüência de desmandos de toda natureza, numerosos presidentes desses tribunais já tiveram suas contas julgadas irregulares pelo TCU, e foram multados por isso.
E eu pergunto: pode-se admitir que o presidente de um tribunal tenha suas contas julgadas irregulares, seja multado pelo TCU, e continue a exercer o seu cargo, com autoridade?
Não exige a Constituição que o magistrado tenha reputação ilibada?
Ilibada, diz o Aurélio, significa "sem mancha".
Não estará sua reputação manchada, diante da condenação e da multa impostas pelo TCU em casos graves?
Onde se acha a Corregedoria da Justiça do Trabalho, que não toma providências diante de tais situações?
Os processos do TCU dão conta ainda, senhor presidente, senhores senadores, de que a mesma prática da criação irregular de funções de confiança por ato administrativo interno, acontece não só nos Tribunais Regionais do Trabalho, mas também nos Regionais Federais.
Prego, para a Justiça do Trabalho, uma reforma que não implica deixar as demandas trabalhistas desamparadas da proteção judicial.
As situações de conflitos de interesse que se configuram nas relações entre empregadores e empregados muitas vezes só podem efetivamente encontrar solução adequada no foro judicial, mediante o contraditório formal e a sentença de cumprimento compulsório -exarada por magistrado.
A rigor, a Justiça do Trabalho constitui uma excrescência do estado fascista.
Um anacronismo que só sobrevive por força da inércia do aparelho estatal, e da resistência de quem não quer a modernização da estrutura institucional das organizações públicas do país.
Quanto às Juntas de Conciliação e o caso dos juízes classistas, julgo devem ser extintos.
O cargo de juiz classista, o chamado vogal, deve ser suprimido, por sua absoluta inutilidade.
E duvido que alguém, em sã consciência, não pense assim.
Os juízes trabalhistas concursados e togados, que hoje presidem as juntas, devem ser integrados à Justiça Federal, perdendo seu caráter de juízes especializados em causas laborais.
Devem passar a constituir vara de justiça comum, decidindo sobre todo tipo de ação, como as demais varas federais, inclusive trabalhistas.
Uma estrutura simplificada, econômica e ágil para a Justiça Trabalhista é a sugestão do professor Antônio Álvares da Silva, da Universidade de Minas Gerais.
Ele propõe uma comissão, ou conselho, depois juizado, e finalmente um tribunal, composto de juízes do próprio primeiro grau.
Julgo que o Ministério Público do Trabalho deva ser incorporado ao Ministério Público Federal.
Quem ignora, senhoras e senhores senadores, que muitos escritórios de advocacia no país, hoje, principalmente os mais importantes, estão associados com, ou contam em seus quadros com os serviços de filhos e/ou parentes de juízes, desembargadores e ministros, quando não são os próprios juízes e ministros aposentados?
Um procurador e professor de direito da Universidade de Pernambuco fez chegar às minhas mãos denúncia de "verdadeiro conluio que se instaura entre grandes escritórios de advocacia de muitos magistrados que se sujeitam a favores de todo tipo e de toda ordem, e que sempre decidem contra o interesse público e o erário, ainda que contrariando expressa disposição de lei e ignorando os princípios fundamentais da Constituição".
Será isso ético e moral?
Esses e tenho aqui vários casos são os beneficiados, são os que conseguem acelerar processos, ou mesmo sustá-los, de acordo com o interesse da parte que representam.
Por tais caminhos, somente os ricos que são os que têm recursos para bancar esses escritórios é que desfrutam de melhor, mais rápido e mais suave acesso à Justiça. Por isso é que muitos desses advogados reclamam contra o que estou apontando.
É defesa em causa própria.
Os magistrados dignos constituem a maioria, não usam esses métodos. Mas, infelizmente, a moeda vil, vírus insidioso, contamina a pureza de toda a substância.
Esta cruzada pela ética absoluta no Judiciário deve ser de todos e não patrocínios exclusivos, como se constituíssem reservas de mercado de alguma instituição ou corporação.
Deve-se agir para que isso aconteça e também impedir que juízes que se aposentam passem logo a advogar nos tribunais a que pertenceram, sem nem mesmo serem inibidos por uma quarentena, vocábulo em moda nesta Casa.
Não existe neste país, na União e nos Estados, quem não conheça casos que envolvem escritórios de ex-ministros, ex-desembargadores e ex-juízes.
Se não podemos impedir, diretamente, essa prática, que a Justiça o faça, pois ela tem poder para tanto.
A Bahia mesmo sofreu essa agressão.
Um ex-ministro do Supremo, ex-procurador da República, advogado de grande monta, não permitiu fosse julgado caso que atentou diretamente contra o erário do meu Estado.
Senhoras e senhores senadores,
É a necessidade de agilização da Justiça o tema mais comum e corriqueiro no meio dos advogados e juízes sérios, os que se dedicam integralmente ao seu trabalho, sem prestar assessorias externas.
Sua grande preocupação é essa, pois são vítimas da morosidade e desinteresse dos outros, porque a Justiça é criticada como um todo, não sendo poupados os juízes dignos e eficientes.
Em vez de greve, os juízes deveriam estar é empreendendo uma mobilização nacional em favor da eficiência no trabalho, e pelo expurgo dos desonestos e incompetentes.
Porém, senhores, além do anacronismo da Justiça do Trabalho, o que mais choca são os casos estarrecedores de nepotismo e corrupção, práticas perversas do uso do poder em benefício e causa próprios, ou de parentes em cargos públicos sob o controle de integrantes de cortes trabalhistas em boa parte dos Estados.
O uso da máquina -quem não se lembra do caso do Carandiru, desculpem, da praia de Camboriú, em Santa Catarina, quando um magistrado substituiu a placa oficial do seu carro de ministro ou juiz, para gozar as delícias da praia como se fosse um simples mortal e não um fraudador de bem público?
A rigor, esse magistrado bem que poderia ser qualificado de "juiz placa fria".
Como os senhores senadores devem ter notado, selecionei apenas casos necessários ao cumprimento da formalidade do fato determinado, e a maioria deles se refere à justiça trabalhista, conforme se observa da leitura do requerimento que venho apresentar.
Anexo, coloco à disposição de todos a lista de denúncias recebidas, selecionadas dentre centenas de outras que necessitam de uma análise mais profunda.
São casos escabrosos.
Senhor presidente, senhores senadores,
Está aberto o debate. Estou satisfeito com o contraditório estabelecido e mais ainda com o fato de pessoas íntegras e com responsabilidade no encaminhamento de soluções para esta crise do Judiciário, terem compreendido os meus objetivos de avançar na busca de soluções.
Cito, em primeiro lugar, numa homenagem ao Supremo Tribunal Federal, o ministro-presidente da Corte, Celso de Melo, com quem me congratulo por sua declaração, segundo a qual "o Judiciário só pode enfraquecer se seus membros falharem gravemente no desempenho de suas funções". Também o ministro Antônio Pádua Ribeiro, presidente do Superior Tribunal de Justiça, para quem a CPI não enfrenta óbices constitucionais.
Reporto-me também aos editoriais dos mais importantes órgãos da imprensa do Brasil, que apoiaram integralmente a formação da CPI que estamos propondo.
Fiquemos com o juiz federal que se manifesta favorável a uma CPI para apurar "a corrupção e outros problemas do Judiciário", a qual "teria apoio dos próprios juízes".
"O Judiciário é hoje o mais fechado dos Poderes da República, e esse hermetismo não atende a nenhum interesse público. Ao contrário, serviu apenas para criar uma pequena casta de privilegiados, que ocupam os mais altos cargos dos tribunais, enquanto a grande maioria dos juízes de primeira instância trabalha em condições precárias."
Não podemos deixar de lembrar os "ralos de desperdício, sem qualquer controle da sociedade" no Judiciário.
Por isso, considero a CPI "um passo importante para tornar públicos problemas que hoje são de conhecimento restrito, mas muita coisa pode ser feita desde já, sem aguardar-se o resultado de qualquer investigação".
Quem diz isso é um juiz federal que deseja a apuração.
Senhor presidente, senhores senadores,
Reafirmo que as manifestações que tenho recebido, e que aqui estão à mostra e à disposição dos senhores parlamentares, são demonstração inequívoca de que já estou contribuindo, e mesmo cumprindo com o meu dever de alertar, para um ponto que atinge diretamente todo o povo brasileiro.
Enganam-se os juízes que pensam que o Congresso Nacional está desatento a seus deslizes.
A cegueira da Justiça é uma metáfora, senhores.
Na verdade, ela está é somente de olhos vendados.
Mas está alerta o sentimento de Justiça, que não é uma coisa virtual e está bem presente no espírito do homem, que não aceita esses atos vergonhosos, praticados ao arrepio da Lei e do Direito.
Conclamo a todos a que nos unamos nesta tarefa.
Não compactuemos com esses erros, esses crimes que enxovalham setores do Poder Judiciário.
Honremos nosso mandato.
O importante é que a bandeira de moralidade seja de todos.
Que venham juntar-se a nós, ou então me juntarei eu a eles, contanto que não percamos a oportunidade, até mesmo através do contraditório, que nos possibilita indicar os caminhos para melhor Justiça no Brasil.
O que não poderei -diria melhor, não poderemos jamais- é silenciar em relação ao povo sofrido que clama por encontrar no Congresso Nacional uma, dez, cem vozes defendendo os seus direitos.
Cobram-me fatos determinados.
Muitos deles foram aqui apresentados, ainda que poucos em relação ao que me chegou às mãos.
Mas eu não poderia deixar de lado pelo menos dois deles, de extraordinária gravidade, que representam uma agressão ao país.
São impressionantes.
No Amazonas, uma empresa madeireira e o Banco da Amazônia começaram em 1968 uma querela que envolvia valores iniciais da ordem de 14 milhões l45 mil cruzeiros.
Hoje, pelas estimativas técnicas, segundo os parâmetros da sentença judicial, o valor da condenação chega à casa dos R$ 81 bilhões -sim, senhores senadores, bilhões de reais!
Quem acha que uma dívida dessa monta poderá ser paga um dia?
Mas observemos isto:
- o Orçamento nacional para 1999 é de R$ 545,903 bilhões. Pois o valor da condenação representa 15% do Orçamento;
- o Brasil perdeu de suas reservas, na crise de janeiro, cerca de R$ 40 bilhões. Pois o valor da condenação é simplesmente o dobro disso;
- a arrecadação dos impostos da União alcançará neste ano cerca de R$ 65 bilhões. Ou seja: menos R$ 15 bilhões do valor da condenação.
Uma coisa dessas é absurda, inconcebível.
A CPI é uma oportunidade de abrir-se a caixa-preta desse sistema de cálculos de indenizações.
Em Rondônia, uma certidão do TRT dá fé de que a diferença de honorários advocatícios de uma causa na área da Educação ultrapassaria a casa dos R$ 138 milhões.
Francamente, é muito forte arbitrar um valor dessa ordem, que representa mais de um terço do valor da causa.
Tem de se pôr um cobro nessas avaliações aberrantes.
Senhor presidente, senhores senadores,
Só quero, agora, repetir para os maledicentes que não é de hoje que defendo esta causa, mas desde o primeiro dia em que cheguei ao Senado Federal.
Argumentam uns que o próprio Poder Judiciário tem competência e poderes para seu autodisciplinamento, seu controle interno, pode investigar e punir os seus membros porventura em desacordo com a ética, a lei e as normas.
Admite-se agora, leio nos jornais, o controle externo do Judiciário, para evitar-se a instalação da CPI.
Ótimo! Vejo que avançamos. Congratulo-me com os que o admitem.
Desfaz-se um mito. O mito do Judiciário sem controle.
Ponderam outros que uma Comissão Especial do Congresso, da Câmara ou do Senado, levaria aos mesmos resultados pretendidos pela CPI, sem o vezo da investigação lastreada no Código de Processo Penal.
Entre os críticos contrários à constituição da CPI há pessoas cultas, personagens importantes da vida pública, no passado ou no presente.
Há quem veja risco institucional na abertura da CPI, ou campanhas insólitas durante o seu encaminhamento.
Tais pretensos defensores do Judiciário, que o integram ou dele participaram, não me consta tenham feito alguma coisa, praticaram alguma ação eficaz para acabar com a lentidão dos processos e com a corrupção.
Indago:
Quantos casos de corrupção puniram?
Quantas vezes levantaram a mesma tonitruante voz que agora elevam, para condenar os excessos de sentenças milionárias, depois revogadas por instâncias superiores?
Sentenças que revelam visíveis desvios éticos e que não são sequer criticadas por aqueles que deveriam revogá-las e chamar à responsabilidade quem as exarou?
Por que tanta resistência e receio a uma CPI para examinar denúncias graves, para apurar fatos determinados e aprofundar estudos e providências que possam fazer reverter expectativas pessimistas da população brasileira?
Por que se aferram tanto ao formalismo do fato determinado e à possibilidade de conflito de poderes quando o que está em jogo é muito mais grave?
Direi então ao finalizar, lembrando o imortal patrono desta Casa, o civilista e constitucionalista baiano:
"O tempo dará depois a sua sentença.
"Mas, qualquer que ela seja, terei feito o meu dever, dizendo o que sinto, sem ódio, sem interesse.
"Não sei outra maneira de executar o meu mandato, de servir um governo honesto, de honrar a minha cadeira de senador.
"Quando, para me sentar nela, se me exigir que deixe a consciência à porta da rua, ou me dissimule a voz sob um falsete, ninguém me verá mais neste lugar, de onde hei de sair honrado, como entrei.
"Assim Deus me ajude."
Senador Antonio Carlos Magalhães.
E ao Brasil também, eu acrescento.


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