São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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PALANQUE LIVRE

Longe da fiscalização, programas abrem espaço para campanha explícita e mais agressiva que a da TV

Candidatos exploram vale-tudo do rádio

LAURA MATTOS
CLÁUDIA CROITOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Sob aparência de jornalismo político, programas de rádio de grande audiência transformaram-se em um dos principais palanques para os pré-candidatos mesmo antes do início oficial da campanha, em julho.
Mais velado na televisão, o palanque costuma ser explícito em FMs e AMs, principalmente pela manhã, horário em que o rádio atrai mais público que a TV.
No comando do debate mais disputado por políticos em São Paulo, na Capital AM (1040 kHz), o líder de audiência Paulo Lopes (160 mil ouvintes por minuto) faz questão de deixar suas preferência claras para o ouvinte.
Costuma levantar a bola para os pré-candidatos discursarem. E não poupa elogio aos convidados. "Garotinho, parece que você tem solução para tudo no Brasil. Penso: "Se esse homem entra lá, estamos com todos os problemas resolvidos". É um pouco isso ou é interpretação minha?", perguntou ao pré-candidato do PSB à Presidência da República.
O malufismo que Hebe Camargo manifesta em seu programa no SBT não é nada perto do que a apresentadora soltou, há duas semanas, na atração que comanda na Nativa FM (95,3 MHz), de SP.
Hebe acusou Marta Suplicy (PT-SP) de apresentar projeto de lei liberando a contratação de estrangeiros pela prefeitura apenas para dar emprego ao namorado, o franco-argentino Luís Favre. "Administrar a cidade que é bom... Marta quer é festa. Êta beleza! E esse Luís Favre já atua faz muito tempo. Isso aí é um perigo, ainda mais mulher apaixonada..."
Praticamente sem fiscalização do Ministério Público e dos partidos -que não têm como controlar o que é dito nas mais de 3.000 estações de rádio espalhadas pelo país-, os programas abrem espaço para pré-candidatos e aliados dispararem ataques nos quais o outro lado quase nunca é ouvido. Acusações graves acabam ficando sem resposta no ar.
O presidente do PSDB, José Aníbal, assíduo frequentador dos debates eletrônicos, é um dos que aproveitam o rádio para fazer críticas em tom acima do que usa na TV e nos jornais. "Duda Mendonça [marqueteiro de Luiz Inácio Lula da Silva, presidenciável do PT] é muito arrogante, é um mercenário mesmo", disse, no "Programa Paulo Barboza" -o segundo palanque de maior audiência, com 54 mil ouvintes por minuto, na Record AM (1000 kHz).
Além do "bate-boca" sem limite, os políticos usam o rádio para promessas e já se apresentam como candidatos de fato, o que, antes de julho, pode ser considerado crime eleitoral, segundo especialistas consultados pela Folha.
Mesmo em São Paulo, onde os programas são mais fiscalizados e chegam a ser gravados pelos partidos, a irregularidade rola solta.
No "Show do Paulo Lopes" (quatro horas de duração, de segunda a sexta) e no "Programa Paulo Barboza" (três horas, nos mesmos dias), ouvem-se frases do tipo: "Como presidente, vou criar o Ministério da Casa Própria" (Anthony Garotinho, pré-candidato do PSB à Presidência); "Como deputado federal eu defendo a municipalização da polícia" (Celso Pitta, que deve concorrer à Câmara pelo PSL).
Esse "vale-tudo eletrônico" traz resultados concretos nas pesquisas.
A liderança do pré-candidato do PPB, Paulo Maluf, na disputa pelo governo paulista é parcialmente atribuída por sua equipe à sistemática participação em atrações populares do rádio.
Neste ano, a estratégia de campanha de Maluf no dial foi definitivamente profissionalizada: ele contratou uma empresa para mapear as emissoras do interior e agendar entrevistas. Com essa assessoria, sabe que estações são simpáticas a que partido ou político e escolhe os programas ideais para suas aparições.
A empresa contratada por Maluf tem focalizado principalmente programas policiais, para que o pepebista fale de segurança pública, campo em que avalia estar o ponto fraco do governador Geraldo Alckmin (PSDB), até aqui seu principal adversário.
Se determinada cidade tem uma reivindicação não atendida pelo governo, assessores de Maluf agendam a participação numa atração de grande audiência da região. E pautam os locutores para perguntar a ele exatamente sobre aquelas demandas. Por semana, Maluf conversa com ao menos 40 rádios. Chega a falar com mais de dez cidades num dia.
Parece mirabolante, mas não está muito longe da estratégia da maior parte dos candidatos. A maioria costuma reservar pelo menos uma hora todas as manhãs para dar entrevistas, já desde o início do ano de eleição.

Conselho prático
"Aconselho meus candidatos a montar um sistema pelo qual, todo dia antes de sair de casa, falem por uma hora para quatro ou cinco emissoras. O resultado é surpreendente", escreveu Duda Mendonça em seu livro "Casos e Coisas", sobre marketing político.
Para conseguir espaço em rádios é preciso ter um bom relacionamento com os locutores. Assessores de políticos ouvidos pela Folha afirmam que alguns cobram para entrevistar os candidatos, o que é negado por Paulo Barboza e Paulo Lopes.
Mas Lopes diz que a boa relação com o político é determinante e concorda com sua marca de malufista. "Sou muito amigo do Maluf mesmo." Mas, no "coração" desse radialista, parece sempre caber mais um político. "Sou muito amigo do [José] Serra [presidenciável do PSDB] também. Gosto do Garotinho, do [Aloizio] Mercadante... [que deve concorrer ao Senado pelo PT]".
E Lopes faz questão de deixar suas "amizades" claras para o público. "Muitas pessoas me dão bronca porque fico chamando o Serra de amigo. Dizem que isso pode influenciar o meu ouvinte, que gosta de mim. Não vou negar. O Serra é meu amigo há muitos anos", disse na semana retrasada, após entrevistar o tucano.
O deputado José Anibal, que também participava do debate nesse dia, brincou: "Paulo, também sou seu amigo, heim!".
Se em um programa o radialista levanta a bola para os ataques de Garotinho a Fernando Henrique Cardoso, em outro, aplaude o governo ao entrevistar Serra. Também pode ajudar o ex-prefeito Celso Pitta a atacar o PT e entrevistar Marta Suplicy no dia seguinte, elogiando um projeto seu. "Sou apartidário".
Não é só nas entrevistas e debates que políticos levam vantagem. Em 24 de abril, o radialista realizou enquete com o propósito anunciado de apurar a preferência dos ouvintes na eleição para o governo paulista. Os dez entrevistados por telefone escolheram Paulo Maluf.
A sondagem fez com que o PSDB entrasse com representação no Tribunal Regional Eleitoral, acusando Lopes e Maluf de fazer pesquisa eleitoral irregular e propaganda eleitoral antecipada.
Para o PSDB, as declarações dos entrevistados eram "verdadeiros slogans": "Para dar um jeito neste país, só Maluf", "O único para resolver os problemas de segurança em São Paulo é Maluf" ou "É o melhor, foi o melhor governador que tivemos".

Fora do ar
Situações como essa já fizeram Paulo Barboza ficar por mais de um mês fora do ar, por determinação da Justiça, nas eleições de 1990. Ele foi acusado de fazer campanha irregular para Maluf.
"Fui mal interpretado", diz. Na época, ele chegou a apresentar shows em comícios do então candidato ao governo de São Paulo. "Mas era apenas um trabalho."
Hoje, Barboza diz que não manifesta apoio a ninguém. Mesmo assim, como Lopes, dá a deixa para seus convidados se autopromoverem e atacarem adversários. Como há duas semanas, quando Garotinho, em amistosa conversa com Maluf, pôde falar sobre suas realizações no Rio e fazer promessas para a Presidência.
Ao comentar a redução dos sequestros no Estado em sua gestão, Barboza não perdeu a deixa. "E por que SP tem mais sequestro que o Rio?", levantou a bola para Maluf, que cortou: "É que os governadores eram diferentes. Lá tinha Garotinho; aqui tem tucano".


Colaborou ROGÉRIO GENTILE, editor do Painel

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