São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 2005

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GOVERNO SOB PRESSÃO

Procurador-geral diz que atuação integrada do Ministério Público com o Executivo cortou "aquele pus que estava represado" havia décadas

Fonteles vê corrupção institucionalizada

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A 35 dias de deixar o cargo de procurador-geral da República, Claudio Fonteles, 58, compara o atual momento político do país, com várias suspeitas de corrupção no meio político, à ruptura de um tecido cheio de pus em decorrência de uma infecção crônica.
Em entrevista à Folha, na última sexta-feira, ele disse que a corrupção não aumentou no Brasil: apenas está mais evidente, em razão da eficiência de investigações, que trazem os casos a público.
Para ele, há corrupção institucionalizada no país desde o regime militar, mas ela começa a ser controlada pela primeira vez com a atuação integrada do Ministério Público Federal com órgãos do Executivo, como a Polícia Federal, a Receita Federal e o INSS.
 

Folha - O Ministério Público já foi acusado de praticar abusos. Hoje é uma instituição mais madura?
Claudio Fonteles -
Como nós, seres humanos, as instituições também têm os seus movimentos. Nestes dois anos, iniciou-se um novo ciclo, que eu chamo de amadurecimento institucional. A sociedade passou a conhecer a instituição "Ministério Público", não os personagens dela.

Folha - O sr. sofreu críticas ao pedir a abertura de inquérito contra o presidente do BC, Henrique Meirelles, e o ministro da Previdência, Romero Jucá. O poder espera alguém menos "independente"?
Fonteles -
Com toda a lealdade, digo que, em nenhum momento, quer o presidente da República quer o ministro da Justiça me insinuou qualquer coisa. Não houve nenhum laivo de pressão. Eu disse ao presidente Lula, por mais de duas vezes, que essa atitude do Ministério Público, de independência com maturidade e consciência, é muito importante para a democracia brasileira, e posso dizer que ele concordou com isso.

Folha - Thomaz Bastos falou que o pedido de inquérito contra Meirelles era inconsistente.
Fonteles -
Ele tem o direito de contestar. Ele age na defesa de um membro do governo. Isso faz parte da democracia. Não vejo nada de mais nisso aí. Agora, mantenho a minha opinião. Tanto não é inconsistente que o ministro Marco Aurélio atendeu as minhas solicitações [abrindo o inquérito], e o próprio presidente do BC poderia ter tentado trancar o inquérito com um habeas corpus, mas nem se habilitou a isso.

Folha - Ontem [quinta-feira], o sr. esteve com o presidente Lula. Conversaram sobre a sua sucessão?
Fonteles
- Sim. Eu entreguei a lista tríplice, da classe, com os três nomes: Antônio Fernando, Wagner Gonçalves e Ela Wiecko.

Folha - Há pressões de alguns partidos, PMDB e PFL, para a escolha de outro nome, o de Eitel Santiago. O que o sr. acha disso?
Fonteles -
Não sei se há pressão, mas acho que a classe deu um recado muito claro. Ela apontou três pessoas da minha equipe na lista: o vice-procurador-geral da República, o corregedor-geral e a procuradora de Direitos do Cidadão. As outras duas pessoas não lograram ascender à lista [Eitel Santiago e Helenita Acioli].

Folha - O sr. pediu a abertura de inquéritos contra Meirelles e Jucá. O Senado pode instalar a CPI dos Bingos se o STF derrubar o ato que arquivou essa investigação. O Congresso também discute a CPI dos Correios. Recentemente surgiu um vídeo com deputados de Rondônia pedindo propina ao governador. A corrupção é maior atualmente?
Fonteles -
O que aconteceu é que hoje em dia se rompeu, vou usar uma imagem clínica, um tecido cheio de pus de muitos anos. Esse é outro ponto positivo. Pela primeira vez, as instâncias de investigação do governo -a PF, a Receita Federal, o Banco Central, a Previdência e a Controladoria Geral da União- se articulam com o Ministério Público. Louve-se isso ao ministro Márcio Thomaz Bastos. No Brasil todo, estamos hoje operando diuturnamente equipes da PF, auditores da Receita e procuradores no combate à fraude. Nós cortamos aquele pus que estava represado, tomando o corpo social brasileiro. É uma corrupção de décadas, que cortamos com uma gilete, pela primeira vez, e o pus apareceu. A corrupção vai existir sempre. O mal do país é que ela estava institucionalizada havia décadas. Agora nós estamos começando a combatê-la eficazmente.

Folha - Vivemos uma situação de caos por causa da desarticulação das forças políticas no Congresso. Há risco de crise institucional?
Fonteles -
Não posso avaliar. Essa avaliação é mais da área política. Posso dizer que temos de exercitar a prática do diálogo. É fundamental que as pessoas mantenham as divergências políticas, mas tenham a sabedoria de perceber quando devem baixar a temperatura. Não podemos deixar que o termômetro estoure, porque, aí, vem o ditador.

Folha - Como cidadão, o que o sr. acha do governo Lula?
Fonteles -
Acho extremamente positivo. O presidente é efetivamente um democrata. Eu vejo nele um idealista. Ele tem equívocos, como nós todos. Mas para mim o saldo é positivo por fatos concretos: aceitar o Ministério Público como ele é e propiciar o combate à criminalidade. Fico à vontade para dizer isso porque não quero nada do governo. Volto a ser um cidadão [ao deixar o cargo].


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