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GOVERNO SOB PRESSÃO
Procurador-geral diz que atuação integrada do Ministério Público com o Executivo cortou "aquele pus que estava represado" havia décadas
Fonteles vê corrupção institucionalizada
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A 35 dias de deixar o cargo de
procurador-geral da República,
Claudio Fonteles, 58, compara o
atual momento político do país,
com várias suspeitas de corrupção no meio político, à ruptura de
um tecido cheio de pus em decorrência de uma infecção crônica.
Em entrevista à Folha, na última sexta-feira, ele disse que a corrupção não aumentou no Brasil:
apenas está mais evidente, em razão da eficiência de investigações,
que trazem os casos a público.
Para ele, há corrupção institucionalizada no país desde o regime militar, mas ela começa a ser
controlada pela primeira vez com
a atuação integrada do Ministério
Público Federal com órgãos do
Executivo, como a Polícia Federal,
a Receita Federal e o INSS.
Folha - O Ministério Público já foi
acusado de praticar abusos. Hoje é
uma instituição mais madura?
Claudio Fonteles - Como nós, seres humanos, as instituições também têm os seus movimentos.
Nestes dois anos, iniciou-se um
novo ciclo, que eu chamo de amadurecimento institucional. A sociedade passou a conhecer a instituição "Ministério Público", não
os personagens dela.
Folha - O sr. sofreu críticas ao pedir a abertura de inquérito contra o
presidente do BC, Henrique Meirelles, e o ministro da Previdência,
Romero Jucá. O poder espera alguém menos "independente"?
Fonteles - Com toda a lealdade,
digo que, em nenhum momento,
quer o presidente da República
quer o ministro da Justiça me insinuou qualquer coisa. Não houve
nenhum laivo de pressão. Eu disse ao presidente Lula, por mais de
duas vezes, que essa atitude do
Ministério Público, de independência com maturidade e consciência, é muito importante para
a democracia brasileira, e posso
dizer que ele concordou com isso.
Folha - Thomaz Bastos falou que
o pedido de inquérito contra Meirelles era inconsistente.
Fonteles - Ele tem o direito de
contestar. Ele age na defesa de um
membro do governo. Isso faz parte da democracia. Não vejo nada
de mais nisso aí. Agora, mantenho a minha opinião. Tanto não é
inconsistente que o ministro Marco Aurélio atendeu as minhas solicitações [abrindo o inquérito], e
o próprio presidente do BC poderia ter tentado trancar o inquérito
com um habeas corpus, mas nem
se habilitou a isso.
Folha - Ontem [quinta-feira], o sr.
esteve com o presidente Lula. Conversaram sobre a sua sucessão?
Fonteles - Sim. Eu entreguei a
lista tríplice, da classe, com os três
nomes: Antônio Fernando, Wagner Gonçalves e Ela Wiecko.
Folha - Há pressões de alguns
partidos, PMDB e PFL, para a escolha de outro nome, o de Eitel Santiago. O que o sr. acha disso?
Fonteles - Não sei se há pressão,
mas acho que a classe deu um recado muito claro. Ela apontou
três pessoas da minha equipe na
lista: o vice-procurador-geral da
República, o corregedor-geral e a
procuradora de Direitos do Cidadão. As outras duas pessoas não
lograram ascender à lista [Eitel
Santiago e Helenita Acioli].
Folha - O sr. pediu a abertura de
inquéritos contra Meirelles e Jucá.
O Senado pode instalar a CPI dos
Bingos se o STF derrubar o ato que
arquivou essa investigação. O Congresso também discute a CPI dos
Correios. Recentemente surgiu um
vídeo com deputados de Rondônia
pedindo propina ao governador. A
corrupção é maior atualmente?
Fonteles - O que aconteceu é que
hoje em dia se rompeu, vou usar
uma imagem clínica, um tecido
cheio de pus de muitos anos. Esse
é outro ponto positivo. Pela primeira vez, as instâncias de investigação do governo -a PF, a Receita Federal, o Banco Central, a Previdência e a Controladoria Geral
da União- se articulam com o
Ministério Público. Louve-se isso
ao ministro Márcio Thomaz Bastos. No Brasil todo, estamos hoje
operando diuturnamente equipes
da PF, auditores da Receita e procuradores no combate à fraude.
Nós cortamos aquele pus que estava represado, tomando o corpo
social brasileiro. É uma corrupção
de décadas, que cortamos com
uma gilete, pela primeira vez, e o
pus apareceu. A corrupção vai
existir sempre. O mal do país é
que ela estava institucionalizada
havia décadas. Agora nós estamos
começando a combatê-la eficazmente.
Folha - Vivemos uma situação de
caos por causa da desarticulação
das forças políticas no Congresso.
Há risco de crise institucional?
Fonteles - Não posso avaliar. Essa avaliação é mais da área política. Posso dizer que temos de exercitar a prática do diálogo. É fundamental que as pessoas mantenham as divergências políticas,
mas tenham a sabedoria de perceber quando devem baixar a temperatura. Não podemos deixar
que o termômetro estoure, porque, aí, vem o ditador.
Folha - Como cidadão, o que o sr.
acha do governo Lula?
Fonteles - Acho extremamente
positivo. O presidente é efetivamente um democrata. Eu vejo nele um idealista. Ele tem equívocos,
como nós todos. Mas para mim o
saldo é positivo por fatos concretos: aceitar o Ministério Público
como ele é e propiciar o combate
à criminalidade. Fico à vontade
para dizer isso porque não quero
nada do governo. Volto a ser um
cidadão [ao deixar o cargo].
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