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ENTREVISTA DA 2ª
JANE FONDA
Aos 68, "Hanói Jane" abraça o feminismo
Atriz norte-americana, que causou polêmica há 40 anos por sua militância contra a Guerra do Vietnã, lança autobiografia no Brasil e diz que se livrou da "doença de agradar" aos homens
NO MEIO do ano passado, Jane Fonda, 68,
anunciou que iria fazer um périplo pelos
Estados Unidos contra a invasão do Iraque. Seria uma volta em grande estilo, 40
anos depois ao ativismo político que um dia valeu à
atriz norte-americana o apelido de "Hanói Jane", por
sua visita à capital do então Vietnã do Norte no auge
do conflito contra os EUA.
Pois "Bagdá Jane" desistiu.
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
"Percebi que atrapalharia
meus outros projetos", disse
ela à Folha, indagada sobre sua
mudança de planos, durante
uma das palestras que deu em
Washington.
E quais são esses planos? Divulgar sua autobiografia e se
dedicar cada vez mais ao ativismo feminista que voltou a
abraçar. Um deles tem a ver
com a vagina. Explica-se. "Para
falar a verdade, até a adolescência eu pensava: "Quando eu
vou ter uma?'", brinca a atriz
para risadas gerais. Mas o projeto é sério. Junto da atriz Selma Hayek e da dramaturga Eve
Ensler, fez uma leitura da peça
"Monólogos da Vagina", que foi
apresentada em pequenas cidades mexicanas, com histórico de alto índice de violência
contra as mulheres.
Em Washington, Jane Fonda
lançava a versão capa mole de
sua autobiografia, "Minha Vida
Até Agora", que chega às livrarias do Brasil pela editora Record no dia 4 de julho. No livro,
faz um balanço de sua vida, que
começa como filha de um ícone
do cinema (Henry Fonda), passa por símbolo sexual ("Barbarella"), ativista política, inventora do "vídeo de malhação",
mulher de um grande empresário das comunicações (Ted
Turner, criador da CNN) e termina como uma senhora que
não tem papas na língua para
falar dos assuntos mais polêmicos. A seguir leia os principais
tópicos da sabatina da qual a
Folha participou e da conversa
posterior com o repórter.
"Hanói Jane"
Eu recebo cartas e e-mails
ofensivos até hoje, 40 anos depois, pela foto que fiz no Vietnã
do Norte sentada naquela bateria antiaérea. Eu me arrependo
da foto, acho que foi um erro de
julgamento terrível, mas não
me arrependo de meu ativismo
antiguerra. Fui levada pelo
meu marido Tom Hayden, que
era muito envolvido em ativismo político de esquerda, a Hanói. Não digo que não sabia o
que eu estava fazendo, mas estava cansada, com o pé quebrado, tínhamos acabado de tentar
cantar uma música vietnamita... Quando vi estava lá.
Quando voltamos, a foto nem
foi notícia imediata. Virou depois, nas mãos da direita mais
perigosa deste país, que inclusive inventou frases a meu respeito, frases que eu nunca disse. Nunca chamei nossos soldados de "assassinos mercenários", mas há sites na Internet
até hoje que afirmam isso. Nos
anos 70, abri um escritório que
batizei de "GI Jane", em que eu
recebia o apoio de veteranos
que eram contrários à guerra.
De certa forma, aquilo me fez
fazer as pazes com o episódio.
Sofro por causa da foto até
hoje. Moro na Geórgia, e acaba
de passar uma lei que protege
as adolescentes que têm gravidez precoce, uma das causas de
uma das entidades que criei.
Pois alguns políticos que lutaram no Vietnã se colocaram
contra, citando o episódio.
"Bagdá Jane"
Desisti da marcha anti-Guerra do Iraque por dois motivos.
Primeiro, não quero que isso
interfira nos meus outros planos. Segundo, não quero que o
fato de eu fazer parte da campanha contra uma guerra que a
maioria do país também é contra seja uma distração, uma
desculpa para que a extrema direita vença esse debate. Então
resolvi não participar ativamente, embora dê minha opinião sempre que indagada. De
qualquer maneira, a campanha
está bem encaminhada, com o
comando de Cindy Sheehan
[ativista política que é mãe de
um soldado morto no Iraque].
Ativismo feminista
Comando uma organização
chamada Georgia Campaign
for Adolescent Pregnancy Prevention e o Jane Fonda Center
na Emory University School of
Medicine. Trabalhamos com os
adolescentes, mas também
com os pais, especialmente as
mães, já há uma década. Temos
também um centro para mulheres, chamado Women's Media Center, que fica no Empire
State, em Nova York. Nós treinamos mulheres para falar em
rádio e TV sobre questões importantes, como a guerra, o sistema de saúde, coisas que nos
afetam de uma maneira diferente que afetam os homens.
Diálogos da vagina
Para falar a verdade, até a
adolescência eu pensava:
"Quando eu vou ter uma?" (risos) Mas o trabalho que a Eve
Enlser [autora da peça] faz é incrível. Nós não vamos deixar as
autoridades mexicanas em paz,
mas também aqui nos EUA temos de fazer muita coisa. As
corporações norte-americanas
que compram produtos mexicanos por conta da mão-de-obra barata têm parte da culpa
por as mulheres não terem segurança nas ruas.
Terceiro ato
Quando fiz 60 anos, há oito
anos, percebi que estava entrando no terceiro ato de minha vida e que tinha de ser mais
verdadeira. Por isso falo sem
problemas da reposição de quadril que tive de fazer por conta
de uma doença. Ou dos dois implantes que tinha para aumentar os seios e que tirei. Quis banhá-los em bronze e guardar as
peças como lembrança, ao lado
dos meus Oscar, mas os médicos disseram que é proibido;
por conta do material de que
são feitos os implantes, constituem ameaça à natureza...
Henry Fonda
Se eu não fosse filha dele, não
teria sido atriz. Como fui demitida como secretária, fui fazer o
curso no Actor's Studio, com
Lee Strasberg. Era uma menina, e sentava ao lado de Marilyn
Monroe. Ela já era uma estrela,
e chegava, com um lenço amarrado na cabeça, e não dizia nada. Mas prestava muita atenção. Meu pai nunca encorajou
nem a mim nem a meu irmão
(Peter Fonda) a sermos atores.
Recebo cartas ofensivas até hoje pela
foto que fiz no Vietnã sentada
naquela bateria antiaérea
Passei a vida tentando agradar aos homens,
primeiro meu pai, depois meus namorados e
maridos. É o que chamo de "doença de agradar'
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Tinha medo de que nós fôssemos medíocres [ironicamente,
Jane Fonda ganhou dois Oscar
antes que o pai ganhasse seu
primeiro]. Se tivesse de defini-lo numa palavra, diria "frio".
Mas houve um momento em
que acho que o emocionei de
verdade. Na cena de "Num Lago Dourado" [1981], em que estamos conversando, eu adicionei um "caco". Disse: "Eu quero
ser sua amiga" e o toquei. Sabia
que isso o deixaria furioso como ator, pois ele gostava de tudo ensaiado e não tolerava improvisos. A reação foi microscópica, mas eu vi as lágrimas
vindo aos olhos dele. Para mim,
foi um dos momentos mais importantes de nossa relação.
O suicídio da mãe
Minha mãe se matou quando
eu tinha 12 anos. Ela sofria de
Transtorno Bipolar Severo.
Quando comecei a escrever a
biografia, fui atrás dos registros
médicos e descobri que ela tinha sofrido abuso sexual quando pequena. Nunca soube disso. Alias, só descobri que ela tinha se matado quando, adolescente, vi uma revista de cinema
na minha escola que dizia que
ela tinha cortado a garganta.
Mas quando descobri seus registros médicos, na pesquisa
que fiz recentemente, eu já estudava os efeitos de abusos sexuais em crianças havia dez
anos, um assunto para o qual
fui atraída sem nunca saber o
motivo. [Numa entrevista posterior a atriz diria que também
ela foi abusada sexualmente, ou
pelo menos achava que foi, embora não tenha dito por quem.]
Os homens
Passei minha vida tentando
agradar aos homens, primeiro
meu pai, depois meus namorados, por fim meus amantes e
três maridos. É o que chamo de
"disease to please" (doença de
agradar). Hoje em dia, finalmente, me livrei. Também, eu
vivo sozinha, com um cachorro,
então é muito mais fácil.
Ménage à trois
Faz parte da doença de que
falei. Quando era casada com [o
cineasta] Roger Vadim, participei de um, dois ou três ménage
à trois a pedido dele. Tinha medo de desagradá-lo e perdê-lo.
Bulimia e anorexia
Tive essas doenças dos 15
anos aos 40 anos. Quando as tive, ainda não existiam esses nomes. Tudo fazia parte de minha
ânsia de agradar, de ser perfeita. E, quando você é jovem,
principalmente adolescente,
ser perfeita quer dizer ter um
corpo considerado perfeito pelos padrões da sociedade -ou
seja, esquelético. Meu pai me
dizia que eu era gorda. Bem,
não na minha frente, mas mandava recados pelas mulheres
dele, que me sugeriam não usar
maiô ou trocar de vestido.
Ted Turner
Quando me separei de meu
segundo marido, Tom Hayden,
recebi um telefonema. O sotaque era inconfundível, sulista
forte. "É verdade que você se
separou?", perguntou a voz.
"Sim", eu disse. "Você quer sair
comigo?" Claro que eu disse
não. Era Ted Turner. Ele disse:
"Eu sei como você se sente, acabei de me separar de minha
amante, pela qual eu havia acabado um casamento de 24
anos.". Eu ri. Como alguém tenta conquistar uma mulher com
essa frase? Seis meses depois,
ele me levou para jantar.
No carro, sua primeira frase
foi "Tenho amigos comunistas.
Fidel Castro e Mikhail Gorbachev." Acho que ele estava tentando me agradar por conta de
meu passado como ativista política. Ele disse também que tinha ido à CNN e lido tudo sobre
mim nos arquivos. Durou dez
anos. Depois ele diria que a
gente se separou porque eu virei muito religiosa. Realmente,
me converti, sou o que chamo
de "cristã feminista". O verdadeiro motivo, porém, é que ele
me traiu. Mas somos bons amigos, Ted é meu ex-marido favorito.
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