São Paulo, segunda-feira, 26 de junho de 2006

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ENTREVISTA DA 2ª

JANE FONDA

Aos 68, "Hanói Jane" abraça o feminismo

Atriz norte-americana, que causou polêmica há 40 anos por sua militância contra a Guerra do Vietnã, lança autobiografia no Brasil e diz que se livrou da "doença de agradar" aos homens

NO MEIO do ano passado, Jane Fonda, 68, anunciou que iria fazer um périplo pelos Estados Unidos contra a invasão do Iraque. Seria uma volta em grande estilo, 40 anos depois ao ativismo político que um dia valeu à atriz norte-americana o apelido de "Hanói Jane", por sua visita à capital do então Vietnã do Norte no auge do conflito contra os EUA.
Pois "Bagdá Jane" desistiu.

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

"Percebi que atrapalharia meus outros projetos", disse ela à Folha, indagada sobre sua mudança de planos, durante uma das palestras que deu em Washington.
E quais são esses planos? Divulgar sua autobiografia e se dedicar cada vez mais ao ativismo feminista que voltou a abraçar. Um deles tem a ver com a vagina. Explica-se. "Para falar a verdade, até a adolescência eu pensava: "Quando eu vou ter uma?'", brinca a atriz para risadas gerais. Mas o projeto é sério. Junto da atriz Selma Hayek e da dramaturga Eve Ensler, fez uma leitura da peça "Monólogos da Vagina", que foi apresentada em pequenas cidades mexicanas, com histórico de alto índice de violência contra as mulheres.
Em Washington, Jane Fonda lançava a versão capa mole de sua autobiografia, "Minha Vida Até Agora", que chega às livrarias do Brasil pela editora Record no dia 4 de julho. No livro, faz um balanço de sua vida, que começa como filha de um ícone do cinema (Henry Fonda), passa por símbolo sexual ("Barbarella"), ativista política, inventora do "vídeo de malhação", mulher de um grande empresário das comunicações (Ted Turner, criador da CNN) e termina como uma senhora que não tem papas na língua para falar dos assuntos mais polêmicos. A seguir leia os principais tópicos da sabatina da qual a Folha participou e da conversa posterior com o repórter.

 

"Hanói Jane"
Eu recebo cartas e e-mails ofensivos até hoje, 40 anos depois, pela foto que fiz no Vietnã do Norte sentada naquela bateria antiaérea. Eu me arrependo da foto, acho que foi um erro de julgamento terrível, mas não me arrependo de meu ativismo antiguerra. Fui levada pelo meu marido Tom Hayden, que era muito envolvido em ativismo político de esquerda, a Hanói. Não digo que não sabia o que eu estava fazendo, mas estava cansada, com o pé quebrado, tínhamos acabado de tentar cantar uma música vietnamita... Quando vi estava lá.
Quando voltamos, a foto nem foi notícia imediata. Virou depois, nas mãos da direita mais perigosa deste país, que inclusive inventou frases a meu respeito, frases que eu nunca disse. Nunca chamei nossos soldados de "assassinos mercenários", mas há sites na Internet até hoje que afirmam isso. Nos anos 70, abri um escritório que batizei de "GI Jane", em que eu recebia o apoio de veteranos que eram contrários à guerra. De certa forma, aquilo me fez fazer as pazes com o episódio.
Sofro por causa da foto até hoje. Moro na Geórgia, e acaba de passar uma lei que protege as adolescentes que têm gravidez precoce, uma das causas de uma das entidades que criei. Pois alguns políticos que lutaram no Vietnã se colocaram contra, citando o episódio.

"Bagdá Jane"
Desisti da marcha anti-Guerra do Iraque por dois motivos. Primeiro, não quero que isso interfira nos meus outros planos. Segundo, não quero que o fato de eu fazer parte da campanha contra uma guerra que a maioria do país também é contra seja uma distração, uma desculpa para que a extrema direita vença esse debate. Então resolvi não participar ativamente, embora dê minha opinião sempre que indagada. De qualquer maneira, a campanha está bem encaminhada, com o comando de Cindy Sheehan [ativista política que é mãe de um soldado morto no Iraque].

Ativismo feminista
Comando uma organização chamada Georgia Campaign for Adolescent Pregnancy Prevention e o Jane Fonda Center na Emory University School of Medicine. Trabalhamos com os adolescentes, mas também com os pais, especialmente as mães, já há uma década. Temos também um centro para mulheres, chamado Women's Media Center, que fica no Empire State, em Nova York. Nós treinamos mulheres para falar em rádio e TV sobre questões importantes, como a guerra, o sistema de saúde, coisas que nos afetam de uma maneira diferente que afetam os homens.

Diálogos da vagina
Para falar a verdade, até a adolescência eu pensava: "Quando eu vou ter uma?" (risos) Mas o trabalho que a Eve Enlser [autora da peça] faz é incrível. Nós não vamos deixar as autoridades mexicanas em paz, mas também aqui nos EUA temos de fazer muita coisa. As corporações norte-americanas que compram produtos mexicanos por conta da mão-de-obra barata têm parte da culpa por as mulheres não terem segurança nas ruas.

Terceiro ato
Quando fiz 60 anos, há oito anos, percebi que estava entrando no terceiro ato de minha vida e que tinha de ser mais verdadeira. Por isso falo sem problemas da reposição de quadril que tive de fazer por conta de uma doença. Ou dos dois implantes que tinha para aumentar os seios e que tirei. Quis banhá-los em bronze e guardar as peças como lembrança, ao lado dos meus Oscar, mas os médicos disseram que é proibido; por conta do material de que são feitos os implantes, constituem ameaça à natureza...

Henry Fonda
Se eu não fosse filha dele, não teria sido atriz. Como fui demitida como secretária, fui fazer o curso no Actor's Studio, com Lee Strasberg. Era uma menina, e sentava ao lado de Marilyn Monroe. Ela já era uma estrela, e chegava, com um lenço amarrado na cabeça, e não dizia nada. Mas prestava muita atenção. Meu pai nunca encorajou nem a mim nem a meu irmão (Peter Fonda) a sermos atores.


Recebo cartas ofensivas até hoje pela foto que fiz no Vietnã sentada naquela bateria antiaérea
Passei a vida tentando agradar aos homens, primeiro meu pai, depois meus namorados e maridos. É o que chamo de "doença de agradar'


Tinha medo de que nós fôssemos medíocres [ironicamente, Jane Fonda ganhou dois Oscar antes que o pai ganhasse seu primeiro]. Se tivesse de defini-lo numa palavra, diria "frio".
Mas houve um momento em que acho que o emocionei de verdade. Na cena de "Num Lago Dourado" [1981], em que estamos conversando, eu adicionei um "caco". Disse: "Eu quero ser sua amiga" e o toquei. Sabia que isso o deixaria furioso como ator, pois ele gostava de tudo ensaiado e não tolerava improvisos. A reação foi microscópica, mas eu vi as lágrimas vindo aos olhos dele. Para mim, foi um dos momentos mais importantes de nossa relação.

O suicídio da mãe
Minha mãe se matou quando eu tinha 12 anos. Ela sofria de Transtorno Bipolar Severo. Quando comecei a escrever a biografia, fui atrás dos registros médicos e descobri que ela tinha sofrido abuso sexual quando pequena. Nunca soube disso. Alias, só descobri que ela tinha se matado quando, adolescente, vi uma revista de cinema na minha escola que dizia que ela tinha cortado a garganta. Mas quando descobri seus registros médicos, na pesquisa que fiz recentemente, eu já estudava os efeitos de abusos sexuais em crianças havia dez anos, um assunto para o qual fui atraída sem nunca saber o motivo. [Numa entrevista posterior a atriz diria que também ela foi abusada sexualmente, ou pelo menos achava que foi, embora não tenha dito por quem.]

Os homens
Passei minha vida tentando agradar aos homens, primeiro meu pai, depois meus namorados, por fim meus amantes e três maridos. É o que chamo de "disease to please" (doença de agradar). Hoje em dia, finalmente, me livrei. Também, eu vivo sozinha, com um cachorro, então é muito mais fácil.

Ménage à trois
Faz parte da doença de que falei. Quando era casada com [o cineasta] Roger Vadim, participei de um, dois ou três ménage à trois a pedido dele. Tinha medo de desagradá-lo e perdê-lo.

Bulimia e anorexia
Tive essas doenças dos 15 anos aos 40 anos. Quando as tive, ainda não existiam esses nomes. Tudo fazia parte de minha ânsia de agradar, de ser perfeita. E, quando você é jovem, principalmente adolescente, ser perfeita quer dizer ter um corpo considerado perfeito pelos padrões da sociedade -ou seja, esquelético. Meu pai me dizia que eu era gorda. Bem, não na minha frente, mas mandava recados pelas mulheres dele, que me sugeriam não usar maiô ou trocar de vestido.

Ted Turner
Quando me separei de meu segundo marido, Tom Hayden, recebi um telefonema. O sotaque era inconfundível, sulista forte. "É verdade que você se separou?", perguntou a voz. "Sim", eu disse. "Você quer sair comigo?" Claro que eu disse não. Era Ted Turner. Ele disse: "Eu sei como você se sente, acabei de me separar de minha amante, pela qual eu havia acabado um casamento de 24 anos.". Eu ri. Como alguém tenta conquistar uma mulher com essa frase? Seis meses depois, ele me levou para jantar.
No carro, sua primeira frase foi "Tenho amigos comunistas. Fidel Castro e Mikhail Gorbachev." Acho que ele estava tentando me agradar por conta de meu passado como ativista política. Ele disse também que tinha ido à CNN e lido tudo sobre mim nos arquivos. Durou dez anos. Depois ele diria que a gente se separou porque eu virei muito religiosa. Realmente, me converti, sou o que chamo de "cristã feminista". O verdadeiro motivo, porém, é que ele me traiu. Mas somos bons amigos, Ted é meu ex-marido favorito.


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