São Paulo, terça-feira, 26 de junho de 2007

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Juízes se dividem sobre operações da PF

Lima Chaves, do Ceará, defende proposta que disciplina interceptações telefônicas; Jorge Costa, de Minas, critica restrições

Costa sustenta que PF age dentro da lei e vê avanços no combate ao crime; Chaves aponta excessos e condena o cerceamento da defesa

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

As críticas a abusos nas operações da Polícia Federal têm gerado avaliações distintas no Judiciário. "Começa a infundir-se um sentimento de que qualquer cidadão pode ser colocado, desproporcionalmente, numa irreparável situação", diz Augustino Lima Chaves, 42, juiz federal do Ceará.
"O saldo é positivo, pois demonstra a ação efetiva do Estado contra a criminalidade organizada", diz Jorge Gustavo Costa, 34, juiz federal de Minas. Ambos têm opiniões divergentes sobre as propostas para disciplinar as interceptações telefônicas. Um "retrocesso", diz Costa; um "importantíssimo ponto", diz Chaves.  

FOLHA - Como o sr. avalia as críticas apontadas por advogados a excessos nas operações da PF?
AUGUSTINO LIMA CHAVES
- Os excessos existem. De onde se originam? Ora da natureza delicada da atividade, ora de uma visão de mundo ansiosa por respostas que atendem à sua subjetividade. Acreditam no direito penal como solução. Não acreditam na política. A história condenou essas soluções de força, à primeira vista fáceis.
JORGE GUSTAVO COSTA - Excessos podem existir, mas são exceção e devem ser coibidos. Mas as ações, em geral, sofrem rígido controle de legalidade pelo Judiciário e, de igual modo, pelo Ministério Público Federal.

FOLHA - Advogados criticam a demora para ter acesso às decisões.
CHAVES
- O encarceramento é algo terrível. O preso tem direito de saber, desde logo, o conteúdo da acusação, de ser assistido por um advogado que tenha acesso aos autos. É bom lembrar que a história do direito penal é recheada de erros.
COSTA - O advogado tem o direito de conhecer a decisão: constitui direito de defesa assegurado pela Constituição. O que ocorre, em geral, é que o acesso aos autos do inquérito pode ser retardado pela necessidade da conclusão de diligências, muitas vezes complexas, o que não impede seu exame.

FOLHA - Os advogados criticam a forma "açodada e descriteriosa" com que o Judiciário tem deferido diligências e prisões. O sr. concorda?
CHAVES
- A busca e apreensão é medida importante, porém extrema, porque irreparável no plano emocional e no plano profissional-financeiro.
COSTA - Discordo totalmente. Se há discordância contra o teor da decisão, existe instrumento jurídico para tentar revertê-la. O certo é que as decisões são fundamentadas de forma criteriosa e a partir de elementos concretos de prova indiciária que justificam a adoção de medidas invasivas, respeitando-se, invariavelmente, o devido processo legal.

FOLHA - Os advogados alegam que muitas operações são baseadas apenas em interceptação telefônica e no subjetivismo de relatórios da PF.
CHAVES
- Receio que a interceptação telefônica descambe para o assalto à privacidade. O interessado que ouve [a interceptação] busca conclusão. A pessoa ouvida, sem saber, tem direito a voz, antes da publicação do texto. Ao leitor escapa o contexto, o tom de voz.
COSTA - A interceptação é um meio de prova válido, legítimo e com disciplina legal. Deve ser autorizada de forma criteriosa. E, a partir dela, é possível a obtenção de outras provas que possam indicar a prática do delito, legitimando a operação.

FOLHA - Como o sr. vê a proposta para disciplinar as interceptações?
CHAVES
- Importantíssimo ponto. O operador jurídico há de ter como regra separar os casos mais relevantes.
COSTA - Um retrocesso. Já existe lei disciplinando o uso da interceptação como meio de prova. Deve-se exigir critério e fundamentação para sua autorização, não restringi-la.

FOLHA - Juízes sob suspeita merecem tratamento diferenciado?
CHAVES
- Não. O tratamento deve ser único. O que não pode medrar é o sentimento de vingança como projeto social.
COSTA - Não vejo razão para tratamento diferenciado. Se a investigação tem como alvo magistrado, certamente a medida foi determinada por órgão judicial competente, devendo-se observar na sua execução o critério da legalidade, mas não tratamento diferenciado.

FOLHA - Como o sr. analisa os vazamentos sobre essas operações?
CHAVES
- O vazamento é a substituição, ao arrepio da lei, do papel de quem determinou o sigilo. É a informação precipitada, porque incompleta. O profissional que optou pelo vazamento cede a caminhos ilegais, no desânimo das vias institucionais, da lida das construções, na maturidade do jogo.
COSTA - O vazamento deve ser coibido, haja vista o risco de se expor o investigado antes da conclusão das investigações. Coibir o vazamento não implica o impedimento de que a imprensa dê notícia do fato, cumprindo seu dever de informar.

FOLHA - Qual a sua avaliação do saldo das operações da PF?
CHAVES
- A PF já fez excelentes trabalhos. O excesso é nocivo. Começa a infundir-se um sentimento de que qualquer cidadão pode ser colocado, desproporcionalmente, numa irreparável situação. Por outro lado, a instituição policial precisa se comunicar. O saldo positivo é o debate sobre esse equilíbrio.
COSTA - O saldo é positivo, pois demonstra a ação efetiva do Estado contra a criminalidade organizada. A operação policial só é possível porque, antes de iniciada, submete-se ao crivo de rigoroso controle do judiciário que, efetivamente, é quem a autoriza. Avançamos muito no combate ao crime organizado.


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