São Paulo, sábado, 26 de agosto de 2006

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Marcelo Coelho

Favas contadas

A CAMPANHA de Geraldo Alckmin começou com sérios problemas, entrou em estado crítico e agora, quando parece que não pode piorar, piora mais ainda.
O que aconteceu no Ceará diz tudo sobre a situação. Candidato à reeleição pelo PSDB, o governador Lúcio Alcântara foge de qualquer vinculação com "Geraldo", e tenta associar-se ao nome de Lula.
Imagens de Alckmin não aparecem na propaganda do PSDB cearense. O que aparece são fotos de Lula ao lado do governador.
Um pronunciamento de Lula, com elogios ao tucano, também é divulgado. Ou era, porque a Justiça eleitoral achou demais.
Um tucano querendo se aninhar a Lula? Algo na lei sobre as coligações haverá que impeça tal manobra. Lúcio Alcântara se debate, chama seus advogados, grasna um argumento: a propaganda mostraria apenas sua capacidade de firmar parcerias com a administração federal.
Claro que com isso o eleitor sai confuso, e Alckmin sem saber aonde ir. Mas a lógica política do governador cearense vai além da prestidigitação desesperada. Trata-se, afinal, de dar como certa a vitória de Lula; que cada aspirante a governador, assim, cuide de pensar no próprio futuro.
Em Minas e São Paulo, a situação é ainda mais clara. A julgar pelas pesquisas, dois tucanos assumirão o governo. Qual seria, a esta altura, a vantagem de radicalizar o discurso de oposição a Lula?
A violência verbal contra "o governo mais corrupto que já houve na história" fica então a cargo da periferia extremista do PFL e do PSDB: zona de desespero em que temos o desprazer de encontrar, ao lado de Bornhausen e ACM, a figura de Fernando Henrique Cardoso.
O discurso "light" que Alckmin adotou até agora tem muito a ver, naturalmente, com a própria personalidade do candidato. Acaba sendo conveniente, numa reviravolta irônica, aos setores mais pragmáticos do PSDB. Os governadores terão de conviver quatro anos com Lula.
E Lula, cabe não esquecer, terá de conviver com um Congresso em que o número de parlamentares petistas corre o risco de ser menor do que é agora. Sua proposta de um grande entendimento nacional, que o ajudaria, quem sabe, a se livrar das pressões mais imediatas do baixo clero do Congresso, vai nesse sentido.
O antigo, utópico projeto de convergência entre PT e PSDB não tem garantia de prosperar quando se pensa nas eleições de 2010. A fraqueza de Lula no Congresso, e a força dos tucanos no plano estadual, podem entretanto apontar para uma repartição negociada entre as diferentes esferas de poder. A atitude de Lúcio Alcântara, desse ponto de vista, pode significar mais que o oportunismo a que se resume de fato; talvez indique uma disposição pragmática que, apesar do ridículo das circunstâncias, acaba surgindo como visão de longo alcance.


MARCELO COELHO é colunista da Folha

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