São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

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Crise do mensalão não inibiu clientelismo no Congresso, afirma cientista político

ANA PAULA BONI
DA REDAÇÃO

Os efeitos que o escândalo do mensalão produziu no sistema político brasileiro foram negativos. Diante da complacência da sociedade, parte dos investigados na crise foram "absolvidos" na eleição de 2006. Por sua vez, o Congresso seguiu com as mesmas práticas clientelistas em relação ao governo.
A análise é de Sérgio Abranches, 57, doutor em ciência política pela Universidade de Cornell (Nova York), que diz que, "se o mensalão tivesse produzido algum efeito pedagógico, teria limitado as escolhas na formulação da coalizão".  

FOLHA - Quais conseqüências o escândalo trouxe para a política?
SÉRGIO ABRANCHES
- No final de 2005, havia alguma evidência de que o escândalo tinha calado fundo na opinião pública, tinha fortalecido os setores do Congresso interessados em fazer mudanças mais significativas.
Ao longo de 2006, foi ficando claro que esse processo da extraordinária complacência da sociedade também se aplicou ao caso do mensalão. As reações às absolvições na Câmara foram praticamente nenhuma.
Por outro lado, muitos dos parlamentares envolvidos se reelegeram e isso fez com que se criasse a teoria de que a eleição absolve. É um absurdo do ponto de vista democrático.
O que parecia que teria conseqüências positivas para o sistema político trouxe conseqüências muito negativas. O processo de chantagem clientelista no Congresso atual é igual ao do Congresso do mensalão. A certeza da impunidade aumentou a desfaçatez com que certos políticos se comportam.
O que o mensalão significa é que se pode fazer qualquer tipo de falcatrua que você se dá bem.

FOLHA - Como fazer uma reforma política com interesses tão diversos?
ABRANCHES
- Essas coisas só surgem quando há uma manifestação nítida de que a sociedade não tolera mais que as eleições se dêem como se dão.
O problema crucial é que temos um presidente que é dependente de um Congresso clientelista, e o é porque ele construiu os mecanismos de chantagem, através de um sistema orçamentário irresponsável.
O governo retém dinheiro que os congressistas colocaram no orçamento através das emendas para distribuir como pagamento de lealdade em troca da desobstrução da pauta.

FOLHA - E por que, após o mensalão, o governo manteve na coalizão partidos que o tornam refém?
ABRANCHES
- Se o mensalão tivesse produzido algum efeito pedagógico, ele teria limitado as escolhas na formulação da coalizão. Teria obrigado o PT e o governo a negociarem um acordo pela governabilidade no qual talvez até contasse com a boa vontade da oposição.
Mas exatamente porque o governo acha que consegue manipular esse centrão clientelista e porque ele não quer negociar com a oposição, ele acaba prisioneiro. A coalizão em si é uma determinação.

FOLHA - O mensalão facilitou a montagem da nova coalizão?
ABRANCHES
- Nem facilitou nem dificultou. Não forçou uma reestruturação nem da coalizão nem redefinição dos termos de convivência com a oposição.

FOLHA - Qual foi o papel do PSDB?
ABRANCHES
- O PSDB foi protagonista do processo de instalação da complacência. No momento em que seu presidente [Eduardo Azeredo] foi acusado [de caixa dois] e não foi removido do cargo, o PSDB se tornou cúmplice do abafamento.

FOLHA - E qual papel o PT teve na oposição no governo FHC?
ABRANCHES
- O PT foi uma boa oposição porque tinha idéias, obrigava o governo a se defender melhor. O PSDB não faz oposição porque não tem idéias e tem uma banda clientelista.


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