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Crise do mensalão não inibiu clientelismo no Congresso, afirma cientista político
ANA PAULA BONI
DA REDAÇÃO
Os efeitos que o escândalo do
mensalão produziu no sistema
político brasileiro foram negativos. Diante da complacência
da sociedade, parte dos investigados na crise foram "absolvidos" na eleição de 2006. Por
sua vez, o Congresso seguiu com as mesmas práticas clientelistas em relação ao governo.
A análise é de Sérgio Abranches, 57, doutor em ciência política pela Universidade de Cornell (Nova York), que diz que, "se o mensalão tivesse produzido algum efeito pedagógico, teria limitado as escolhas na formulação da coalizão".
FOLHA - Quais conseqüências o escândalo trouxe para a política?
SÉRGIO ABRANCHES - No final de
2005, havia alguma evidência
de que o escândalo tinha calado
fundo na opinião pública, tinha
fortalecido os setores do Congresso interessados em fazer
mudanças mais significativas.
Ao longo de 2006, foi ficando
claro que esse processo da extraordinária complacência da
sociedade também se aplicou
ao caso do mensalão. As reações às absolvições na Câmara
foram praticamente nenhuma.
Por outro lado, muitos dos
parlamentares envolvidos se
reelegeram e isso fez com que
se criasse a teoria de que a eleição absolve. É um absurdo do
ponto de vista democrático.
O que parecia que teria conseqüências positivas para o sistema político trouxe conseqüências muito negativas. O processo de chantagem clientelista no Congresso atual é igual
ao do Congresso do mensalão.
A certeza da impunidade aumentou a desfaçatez com que
certos políticos se comportam.
O que o mensalão significa é
que se pode fazer qualquer tipo
de falcatrua que você se dá bem.
FOLHA - Como fazer uma reforma
política com interesses tão diversos?
ABRANCHES - Essas coisas só
surgem quando há uma manifestação nítida de que a sociedade não tolera mais que as
eleições se dêem como se dão.
O problema crucial é que temos
um presidente que é dependente de um Congresso clientelista, e o é porque ele construiu
os mecanismos de chantagem,
através de um sistema orçamentário irresponsável.
O governo retém dinheiro
que os congressistas colocaram
no orçamento através das
emendas para distribuir como
pagamento de lealdade em troca da desobstrução da pauta.
FOLHA - E por que, após o mensalão, o governo manteve na coalizão
partidos que o tornam refém?
ABRANCHES - Se o mensalão tivesse produzido algum efeito
pedagógico, ele teria limitado
as escolhas na formulação da
coalizão. Teria obrigado o PT e
o governo a negociarem um
acordo pela governabilidade no
qual talvez até contasse com a
boa vontade da oposição.
Mas exatamente porque o
governo acha que consegue
manipular esse centrão clientelista e porque ele não quer
negociar com a oposição, ele
acaba prisioneiro. A coalizão
em si é uma determinação.
FOLHA - O mensalão facilitou a
montagem da nova coalizão?
ABRANCHES - Nem facilitou nem
dificultou. Não forçou uma
reestruturação nem da coalizão
nem redefinição dos termos de
convivência com a oposição.
FOLHA - Qual foi o papel do PSDB?
ABRANCHES - O PSDB foi protagonista do processo de instalação da complacência. No momento em que seu presidente
[Eduardo Azeredo] foi acusado
[de caixa dois] e não foi removido do cargo, o PSDB se tornou
cúmplice do abafamento.
FOLHA - E qual papel o PT teve na
oposição no governo FHC?
ABRANCHES - O PT foi uma boa
oposição porque tinha idéias,
obrigava o governo a se defender melhor. O PSDB não faz
oposição porque não tem idéias
e tem uma banda clientelista.
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