São Paulo, quarta-feira, 26 de setembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

A casa de Mãe Joana virou Mãe Joana's House

Começa a ficar feia a coisa. A assessoria de imprensa da embaixada americana informou que os governos do Brasil e dos Estados Unidos negociaram a abertura de um escritório do seu serviço secreto em São Paulo. Ele teria dois agentes e um auxiliar administrativo.
Trata-se de uma impertinência associada a uma capitulação. A embaixada americana esclarece que esse escritório nada tem a ver com a Central Intelligence Agency, que pouco ou nada tem a ver com o serviço secreto.
Operações semelhantes funcionam em Paris, Londres, Moscou e Hong Kong. Ele se destina a aprofundar a colaboração entre os dois países para reprimir a lavagem de dinheiro e, se for o caso, trocar informações sobre movimentos terroristas. O que se pretende é terceirizar, por meio de concessão a uma nação estrangeira, parte das tarefas de busca de informações em território nacional.
Já funcionam no Brasil um escritório da DEA, destinada a combater o tráfico de drogas, e do FBI, a polícia federal americana. A CIA, por sua vez, sempre teve escritórios em São Paulo, Brasília e no Rio de Janeiro. No Rio, os seus funcionários trabalhavam no 9º andar do prédio do consulado. Houve época em que o efetivo da Companhia no Brasil chegou a 60 funcionários. Nos arquivos de Washington, por certo haverá uma cópia de um documento de duas folhas, sem timbre nem assinatura, intitulado "Sugestões para um Entendimento Oral", tratando das relações entre a comunidade de informações americana e a brasileira. Já houve chefe de escritório da CIA no Brasil que escreveu memórias, e outro que se preocupou com a desativação dos grampos do SNI. Em benefício dessa turma, reconheça-se que a análise que faziam da situação brasileira sempre foi mais competente que a de seus similares nacionais.
Na hora em que a embaixada americana informa que está negociando com o governo brasileiro a abertura de mais um escritório da sua comunidade de informações em São Paulo, expande-se a capacidade do governo dos Estados Unidos de agir dentro do território brasileiro por meio de relações diretas com órgãos da administração nacional. Desta vez, a colaboração se expandiria junto ao Banco Central.
O escritório do serviço secreto, como todos os pagos pelo contribuinte americano, destina-se a defender os interesses americanos. Nada mais justo, desde que isso seja feito por meio do canal apropriado, que é o ministério das Relações Exteriores.
Por pura fraqueza, o governo brasileiro está admitindo uma cessão de soberania. Não há (nem pode haver) garantia de que esses senhores se instalarão ostensivamente uma sucursal de seu serviço secreto no Brasil para colaborar com a lei e a ordem. Já houve caso em que o adido militar americano combinou com o presidente brasileiro a libertação de dois contrabandistas encarcerados pela Polícia Federal. Fez isso, constrangido, porque um influente e honrado senador americano tinha interesse na malfeitoria.
A guerra contra o terrorismo, liderada pelo Estados Unidos, merece a mais ampla colaboração, desde que cada país preserve sua soberania. Em vez de negociar a abertura de mais um escritório da administração americana no Brasil, FFHH deveria criar uma subsecretaria no Ministério das Relações Exteriores, encarregando-a de negociar com a embaixada americana toda e qualquer questão relacionada com a segurança internacional. Ou o Itamaraty existe para coordenar as relações com os outros países, ou seria melhor terceirizá-lo, transformando-o num bufê de garçons poliglotas.
Atualmente, o encarregado do combate ao tráfico de drogas conversa direto com a Polícia Federal e sabe-se que isso não se dá sem encrencas. Um representante da secretaria do Tesouro já se reuniu com empresários do setor energético para discutir tarifas na sede do consulado em São Paulo. Está-se criando a Mãe Joana's House.
Segundo informa a embaixada americana, o escritório do serviço secreto compartilhará com a Polícia Federal e o Banco Central informações sobre terrorismo e lavagem de dinheiro. Pode-se admitir, por puro exercício do raciocínio, que o serviço secreto seja mais rigoroso que a PF e o BC. Mesmo assim, soberania é soberania. Que o governo americano denuncie publicamente os policiais e os burocratas do BC que não cumprem com suas obrigações. Eles sabem muito bem onde estão os ninhos das roubalheiras. No caso das propinas do Sivam, fizeram isso por baixo do pano.
Além do caminho velho e sofrido da ação oficial e pública, nada há a fazer. Até porque, para ativar a memória dos americanos, pode-se lembrar que um presidente dos Estados Unidos (Richard Nixon) já tentou usar a CIA para falsificar uma operação de lavagem de dinheiro no México para encobrir as maracutaias que praticava em Washington. É verdade que não conseguiu e a companhia ficou devendo isso ao seu vice-diretor, o general Vernon Walters, que vem a ser o adido que soltou os contrabandistas.


Texto Anterior: Investigação: STJ vai decidir quem deve julgar Maluf no caso Jersey
Próximo Texto: No Ar - Nelson de Sá: Palavras, palavras, palavras
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.