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ELIO GASPARI
A casa de Mãe Joana virou
Mãe Joana's House
Começa a ficar feia a coisa. A
assessoria de imprensa da
embaixada americana informou que os governos do Brasil e
dos Estados Unidos negociaram
a abertura de um escritório do
seu serviço secreto em São Paulo. Ele teria dois agentes e um
auxiliar administrativo.
Trata-se de uma impertinência associada a uma capitulação. A embaixada americana
esclarece que esse escritório nada tem a ver com a Central Intelligence Agency, que pouco ou
nada tem a ver com o serviço secreto.
Operações semelhantes funcionam em Paris, Londres, Moscou e Hong Kong. Ele se destina
a aprofundar a colaboração entre os dois países para reprimir a
lavagem de dinheiro e, se for o
caso, trocar informações sobre
movimentos terroristas. O que
se pretende é terceirizar, por
meio de concessão a uma nação
estrangeira, parte das tarefas de
busca de informações em território nacional.
Já funcionam no Brasil um escritório da DEA, destinada a
combater o tráfico de drogas, e
do FBI, a polícia federal americana. A CIA, por sua vez, sempre teve escritórios em São Paulo, Brasília e no Rio de Janeiro.
No Rio, os seus funcionários trabalhavam no 9º andar do prédio do consulado. Houve época
em que o efetivo da Companhia
no Brasil chegou a 60 funcionários. Nos arquivos de Washington, por certo haverá uma cópia
de um documento de duas folhas, sem timbre nem assinatura, intitulado "Sugestões para
um Entendimento Oral", tratando das relações entre a comunidade de informações americana e a brasileira. Já houve
chefe de escritório da CIA no
Brasil que escreveu memórias, e
outro que se preocupou com a
desativação dos grampos do
SNI. Em benefício dessa turma,
reconheça-se que a análise que
faziam da situação brasileira
sempre foi mais competente que
a de seus similares nacionais.
Na hora em que a embaixada
americana informa que está negociando com o governo brasileiro a abertura de mais um escritório da sua comunidade de
informações em São Paulo, expande-se a capacidade do governo dos Estados Unidos de
agir dentro do território brasileiro por meio de relações diretas com órgãos da administração nacional. Desta vez, a colaboração se expandiria junto ao
Banco Central.
O escritório do serviço secreto,
como todos os pagos pelo contribuinte americano, destina-se a
defender os interesses americanos. Nada mais justo, desde que
isso seja feito por meio do canal
apropriado, que é o ministério
das Relações Exteriores.
Por pura fraqueza, o governo
brasileiro está admitindo uma
cessão de soberania. Não há
(nem pode haver) garantia de
que esses senhores se instalarão
ostensivamente uma sucursal
de seu serviço secreto no Brasil
para colaborar com a lei e a ordem. Já houve caso em que o
adido militar americano combinou com o presidente brasileiro
a libertação de dois contrabandistas encarcerados pela Polícia
Federal. Fez isso, constrangido,
porque um influente e honrado
senador americano tinha interesse na malfeitoria.
A guerra contra o terrorismo,
liderada pelo Estados Unidos,
merece a mais ampla colaboração, desde que cada país preserve sua soberania. Em vez de negociar a abertura de mais um
escritório da administração
americana no Brasil, FFHH deveria criar uma subsecretaria
no Ministério das Relações Exteriores, encarregando-a de negociar com a embaixada americana toda e qualquer questão
relacionada com a segurança
internacional. Ou o Itamaraty
existe para coordenar as relações com os outros países, ou seria melhor terceirizá-lo, transformando-o num bufê de garçons poliglotas.
Atualmente, o encarregado do
combate ao tráfico de drogas
conversa direto com a Polícia
Federal e sabe-se que isso não se
dá sem encrencas. Um representante da secretaria do Tesouro
já se reuniu com empresários do
setor energético para discutir tarifas na sede do consulado em
São Paulo. Está-se criando a
Mãe Joana's House.
Segundo informa a embaixada americana, o escritório do
serviço secreto compartilhará
com a Polícia Federal e o Banco
Central informações sobre terrorismo e lavagem de dinheiro.
Pode-se admitir, por puro exercício do raciocínio, que o serviço
secreto seja mais rigoroso que a
PF e o BC. Mesmo assim, soberania é soberania. Que o governo americano denuncie publicamente os policiais e os burocratas do BC que não cumprem
com suas obrigações. Eles sabem
muito bem onde estão os ninhos
das roubalheiras. No caso das
propinas do Sivam, fizeram isso
por baixo do pano.
Além do caminho velho e sofrido da ação oficial e pública,
nada há a fazer. Até porque, para ativar a memória dos americanos, pode-se lembrar que um
presidente dos Estados Unidos
(Richard Nixon) já tentou usar
a CIA para falsificar uma operação de lavagem de dinheiro
no México para encobrir as maracutaias que praticava em
Washington. É verdade que não
conseguiu e a companhia ficou
devendo isso ao seu vice-diretor,
o general Vernon Walters, que
vem a ser o adido que soltou os
contrabandistas.
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