São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NO PLANALTO

Medida provisória do Prouni cria o "promamata"

JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA

Grandes advogados farejam saídas para clientes em apuros em cada linha da lei. Advogados geniais enxergam soluções também nas entrelinhas.
Bancas a serviço de universidades "filantrópicas" percorrem há 15 dias as linhas e as entrelinhas do texto da medida provisória que instituiu o Prouni (Programa Universidade para Todos). Vislumbram um manancial de oportunidades.
"Filantrópicas", como se sabe, gozam de isenção tributária. Em troca, deveriam conceder bolsas de estudo a brasileiros miseráveis. Deveriam, mas...
Aqui mesmo, neste canto de página, foram desnudadas várias casas de comércio de diplomas que, travestidas de "filantrópicas", escarnecem da lei. Há malfeitorias de todo tipo -da compra de aviões e carrões ao custeio de instituições religiosas. Tudo, obviamente, às expensas do erário.
O Prouni veio supostamente para pôr ordem na esbórnia. O programa tem a pretensão de comprometer as universidades privadas, "filantrópicas" ou não, com uma política de concessão de bolsas de estudo à súcia. Bolsas integrais e parciais (50%).
Foi boa a receptividade da medida provisória do Prouni. Tão boa que o repórter decidiu discar para um advogado paulista conceituado no ramo "filantrópico". Topou falar desde que seu nome e os logotipos de sua clientela fossem preservados.
Defende duas universidades que, viradas do avesso por auditores do INSS e da Receita, convivem com a ameaça de cassação de seus certificados de filantropia. O que as obrigaria a pagar impostos. Inclusive atrasados dos últimos cinco anos. Coisa próxima de R$ 3 milhões.
O advogado achou linda a medida provisória do Prouni. Gostou especialmente dos contornos do parágrafo 2º do artigo número 11. Diz que, aderindo ao Prouni, "filantrópicas" cassadas nos últimos seis anos poderão "solicitar ao ministro da Previdência o reexame de seus processos, com eventual restauração do certificado de entidade beneficente de assistência Social e restabelecimento da isenção de contribuições sociais [...]".
Fixaram-se três precondições para que a "filantrópica" possa pedir a reabertura de processos. Ela terá de provar que: 1) não remunera os diretores; 2) reaplica os lucros na própria entidade; 3) realiza algum tipo de benemerência.
São exigências triviais. Constam dos estatutos e dos balanços de todas as "filantrópicas". Distribuição de lucros e desvio$ de finalidade não passeiam pelo mundo dos papéis oficiais. Trafegam pelo caixa dois.
Na grossa maioria dos infortúnios, as pseudofilantrópicas caem nas garras da fiscalização porque não conseguem comprovar a aplicação de 20% de seu faturamento em benemerência. Curiosamente, a regra dos 20% não foi incluída no rol de pré-requisitos para a reanálise de processos.
Munido da opinião dos advogados, o repórter foi ouvir a opinião de técnicos previdenciários. Falam horrores da medida provisória do Prouni. Falam e escrevem. Documento produzido no Ministério da Previdência anota que o parágrafo 2º do artigo 11, aquele trecho festejado pelo advogado, "introduz anistia geral e irrestrita" às filantrópicas bichadas.
"De fato", diz o texto técnico, "a revisão autorizada [...] equivale à verdadeira remissão dos últimos seis, ou talvez nove anos, na medida em que quase todos os pedidos que foram indeferidos o foram por descumprimento da exigência de 20% de aplicação em gratuidade." Ou seja, vão ao lixo autos de infração milionários.
Coube a Fernando Haddad, secretário-executivo do Ministério da Educação, a coordenação do trabalho que resultou no texto do Prouni. Ouvido, ele disse que, ao fixar precondições para o reexame de processos de "filantrópicas" cassadas, a medida provisória do Prouni não pretendeu obrigar a Previdência a fechar os olhos para a regra dos 20%.
No início da noite de quinta-feira, depois de conversar com o repórter, Haddad decidiu incluir no texto de uma portaria que regulamentará o funcionamento do Prouni regras que "eliminem eventuais dúvidas". Vale lembrar que uma portaria não terá o condão de se sobrepor à medida provisória, que tem peso de lei.
Na tarde de sexta-feira, Haddad reuniu-se com dois funcionários graduados da Previdência. Debateu com eles a hipótese de alterar a própria medida provisória. Seria republicada no "Diário Oficial". A providência depende, porém, da concordância do Gabinete Civil.
Para complicar, os técnicos da Previdência criticam outros pontos da lei. Entre eles o trecho (artigo 11, parágrafo 1º) que estabelece que, sob o guarda-chuva do Prouni, as "filantrópicas" estarão sujeitas "exclusivamente à fiscalização do Ministério da Educação [...]."
"O INSS", diz o documento dos técnicos, "terá apenas que acatar as decisões proferidas pelo Ministério da Educação. Os auditores da Previdência perdem a competência para fiscalizar as entidades [...]."
Submetidas à fiscalização da Receita e do INSS, as "filantrópicas" fazem gato e sapato do Estado. Imagine-se o que não farão doravante se a checagem de seus livros contábeis for mesmo de responsabilidade "exclusiva" da pasta da Educação, incapaz de zelar até pela qualidade pedagógica dos cursos universitários.


Texto Anterior: Agenda oficial: Na Bienal, Lula diz que ditadores sempre afastaram artistas e povo
Próximo Texto: Brasil profundo: PF realiza 14 mandados de busca em MG
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.