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ANÁLISE
Números selecionados ajudam discurso
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Em seu discurso na ONU, o
presidente Lula apresentou-se
mais como um mascate dos
biocombustíveis -álcool combustível à frente- do que como
estadista da onda verde global.
Bom vendedor, usou números
corretos, mas selecionados, e
lhes deu a interpretação mais
favorável ao produto nacional.
Primeiro, a Amazônia. Lula
destacou, como não poderia
deixar de fazer, a redução do
desmatamento em 50% durante seu primeiro mandato. É um
feito e tanto, para ambientalista inglês nenhum deixar de ver.
Só que essa desaceleração toma por base a área desmatada
recordista de 2004, 27 mil km˛,
a segunda maior já registrada
(em 1995, havia sido de 29 mil
km˛). Baixar a um patamar de
10 mil km˛ constitui boa notícia, mas isso ainda é meio Sergipe -num único ano.
O presidente defende que
países mais ricos compensem
financeiramente o Brasil e outras nações que consigam reduzir o desmatamento. Parece
oportuno, tendo em vista que
essa fonte responde por cerca
de três quartos das emissões
nacionais de gases do efeito estufa causado pelo homem. Na
conta planetária, por quase um
quinto do aquecimento global.
Sem um mecanismo de mercado, porém, é improvável que
países desenvolvidos ponham a
mão no bolso. Só o farão se ganharem com isso créditos de
carbono, ou seja, abatimentos
nas reduções de emissões que
se obrigaram a fazer por força
do Protocolo de Kyoto (e outras que venham por aí, para o
segundo período do tratado,
depois de 2012). O Brasil resiste. Prefere um edificante fundo
voluntário. Lula promove os
biocombustíveis, mas não quer
ser acusado de "vender" a
Amazônia -daí sua referência
a não abdicar da soberania brasileira sobre a região.
Seu item principal de venda,
o álcool, enfrenta objeções ético-ambientais similares. Críticos como o mui companheiro
Fidel Castro acusam o biocombustível de cana de tomar terras da produção de alimentos.
Há temor de que os preços internacionais de grãos fiquem
altos por muitos anos, piorando a vida dos pobres do mundo.
Receia-se ainda que a expansão da cana destrua habitats
naturais. Lula descartou a objeção afirmando que "a experiência brasileira de três décadas mostra que a produção de
biocombustíveis não afeta a segurança alimentar". Assegurou
que "cana-de-açúcar ocupa
apenas 1% de nossas terras
agricultáveis".
Não está errado, mas é impreciso: a cana para produção
de álcool toma 1% da área, segundo a Única (União da Indústria de Cana-de-Açúcar). Se
for incluída aquela destinada
ao açúcar, dobra.
Isso, claro, se for aceita a premissa de que no Brasil há 340
milhões de hectares de terras
agricultáveis. Dá 40% do território nacional, o que soa exagerado. Considerada só a área de
fato cultivada, a cana provavelmente já ultrapassa 10% e vai
continuar crescendo.
Lula caprichou também no
benefício ambiental do álcool:
o biocombustível teria evitado
em três décadas a emissão de
644 milhões de toneladas de
CO˛ (principal gás do efeito estufa). É um número razoável.
Mas só a redução do desmatamento, em um décimo do tempo, economizou mais do que isso, uns 800 milhões de toneladas de CO˛.
Mesmo que a cana venha a
ocupar apenas pastagens, como alegam canavieiros, os bois
terão de comer capim em algum lugar. É na Amazônia que
mais cresce a pecuária bovina
nacional.
Lula acenou com um "completo zoneamento agroecológico" para afastar esse cenário,
mas precisa se apressar. Caso
contrário, o desmatamento
voltará a subir. Aí seu produto
dirá adeus ao "selo que garanta
suas qualidades sociolaborais e
ambientais" -se este não se revelar só mais uma promessa de
vendedor.
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