São Paulo, sábado, 26 de outubro de 2002

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CIÊNCIAS SOCIAIS

Para intelectuais, pressões exigirão mudança paulatina na economia

PT terá de romper ortodoxia, afirmam cientistas políticos

SYLVIA COLOMBO
RAFAEL CARIELLO
ENVIADOS ESPECIAIS A CAXAMBU

Pressionado tanto pelas demandas sociais quanto pelo mercado financeiro, o rumo de um eventual governo do PT será o da saída paulatina da ortodoxia econômica, avalia o cientista político Carlos Ranulfo, professor titular da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Ele participou nos últimos quatro dias do 26º Encontro Nacional da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), encerrado ontem, em Caxambu (MG).
"O PT tem um rumo geral: trabalha para fazer mudanças paulatinas na relação com essa ortodoxia. Como é que vai ser a saída dessa rigidez com a ortodoxia, com o caminho do FMI? Isso também vai ter que ser conversado, mas vai ter que sair", disse.
Para o professor mineiro, o possível governo de Luiz Inácio Lula da Silva vai se ver cercado "por dois fogos": o do movimento social e o do mercado financeiro.
Se quiser garantir a governabilidade, diz Ranulfo, o PT terá que lidar com mais ênfase com o problema social e, para isso, abrir mão da ortodoxia econômica.
"Se tiver que pôr na balança a ortodoxia monetária e fiscal, de um lado, e a segurança, de outro, qual pesa mais? O que contribui mais para a ingovernabilidade? São os 3,75% [de superávit primário] que o FMI diz para fazer ou as pessoas parando o comércio na Baixada [Fluminense]?"
"O Brasil está ingovernável, não porque o mercado acha isso ou aquilo, mas porque está crescendo brutalmente a violência."
Uma das consequências da eleição de Lula, diz o cientista político Renato Lessa, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro), "é tornar inevitável" um reequilíbrio entre a manutenção "de certos parâmetros de responsabilidade fiscal" e a agenda social. "O peso ponderado dessas coisas vai mudar", afirma.
Uma das promessas de campanha do PT, na tentativa de ganhar a credibilidade do mercado financeiro, foi o compromisso de Lula com regras da ortodoxia econômica, expresso na "Carta ao Povo Brasileiro", divulgada em junho.

Pressões
Segundo o cientista político mineiro, o melhor caminho que Lula tem para "se garantir entre essas pressões que vai sofrer" é o do prometido pacto social, que Ranulfo considera viável.
"O Lula vai ser submetido a intensas pressões. É um teste para a capacidade do que ele vai ter de fazer, aquilo que ele anunciou: um pacto. A sorte do governo Lula está na sua capacidade de fazer uma grande concertação."
Renato Lessa concorda que a saída para um governo Lula, pressionado pelas demandas sociais reprimidas, é ir além da negociação política e parlamentar.
"Não basta ter uma base política de sustentação parlamentar. É preciso ter uma base social de sustentação. Essa base tem de ser a definição de cenários, espaços nos quais os vários interesses vão ter de negociar", diz.
Para o pesquisador do Iuperj, o "drama social" será "tão real para a agenda do próximo governo quanto foram, para a agenda deste governo que está terminando, os compromissos internacionais e a preservação dos arranjos financeiros".
Lessa diz que a constituição de um pacto representará uma mudança na tradição brasileira de aversão ao conflito: "Ou eu estou em conflito com você, ou igual a você". Com o PT, afirma, o modelo é de "confronto e negociação".
Outra novidade antevista por ele é a institucionalização da pressão. "Isso vai exigir dos movimentos sociais uma demanda mais qualificada politicamente."
Sobre o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), especificamente, ambos consideram pouco ameaçadora sua pressão anunciada. João Pedro Stédile, um dos principais líderes do movimento, disse recentemente que, se o PT não responder às demandas sociais, "pode virar um [Fernando] De la Rúa [ex-presidente argentino que renunciou após pressão popular, em dezembro de 2001]".
Segundo Ranulfo, o movimento social teria mais a perder com pressões ao governo que o mercado financeiro. "Stédile e todo movimento social sabe que Lula é um aliado, muito mais que Fernando Henrique Cardoso, e sabe que tem a perder se desestabilizarem um governo Lula. Não vão achar nada mais à esquerda", afirma.
Lessa diz que "o MST tem que ser colocado nos seus devidos termos". "O problema brasileiro hoje é urbano. O peso real que o MST tem é muito pequeno."



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