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EUA esquecem "anexação" e ressaltam cooperação de Lula
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Em demonstração de boa vontade, o governo norte-americano
prefere esquecer que Luiz Inácio
Lula da Silva, o candidato do PT
virtualmente eleito presidente, falou em "anexação" do Brasil pelos
Estados Unidos como consequência do processo de negociação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
A ênfase norte-americana está
posta em outra declaração de Lula, a de que vai, sim, continuar engajado na negociação, ainda que,
nela, queira defender firmemente
os interesses brasileiros.
"Todos os 34 países farão a mesma coisa", não deixou de ironizar
um alto funcionário do comércio
exterior norte-americano, em teleconferência ontem de manhã,
na qual a regra era não citar o nome. É uma alusão ao número de
países que comporão a Alca (toda
a América, exceto Cuba).
O funcionário lembrou que, a
partir de 1º de novembro, Brasil e
EUA assumem a presidência conjunta do processo negociador.
"É uma ótima oportunidade para que o Brasil exerça sua liderança", afirmou, em mensagem cifrada, mas óbvia: se Lula não quer a
"anexação" do Brasil, a maneira
de evitá-la não é sair da negociação, mas aproveitar a co-presidência para direcioná-la no rumo
pretendido pelo novo governo.
Co-presidência
Quem preside uma negociação
tem sempre a possibilidade de encaminhá-la de acordo com seus
interesses. No caso da Alca, Brasil
e EUA têm tido, em geral, posições conflitantes, exatamente pela
defesa de seus interesses específicos. Como serão co-presidentes
até o fim da negociação, em 2005,
o potencial de conflito aumenta.
Tanto aumenta que, na entrevista de ontem, o funcionário deixou claro: as conversas com autoridades brasileiras em torno da
co-presidência têm sido muito
cautelosas, para não tratar de temas de "sensibilidade política".
Por isso, o que está sendo discutido é muito mais a logística da
co-presidência ("como vamos
nos comunicar um com o outro",
por exemplo, diz o entrevistado).
Parece óbvio que a sensibilidade
política, do lado brasileiro, aumentará em um eventual governo
Lula, o que tornará a presidência
conjunta um exercício ainda mais
complexo.
De todo modo, o funcionário
ouvido ontem não deu maior importância ao fato de que o novo
governo brasileiro terá apenas 45
dias, desde a posse, para apresentar a oferta inicial de abertura do
seu mercado (o prazo é 15 de fevereiro de 2003).
"Trata-se de um cronograma
decidido por todos os países e para o qual os trabalhos preparatórios já estão adiantados (em cada
país)", afirmou.
A Antártida
O funcionário aproveitou para
fazer uma segunda ironia, ao comentar a declaração de Robert
Zoellick, chefe do USTr (United
States Trade Representative, uma
espécie de ministério do comércio
exterior dos EUA), de que o Brasil
teria que escolher entre a Alca e a
Antártida. "Posso assegurar que
não é verdadeira a informação de
que os Estados Unidos pretendem incluir a Antártida na Alca",
brincou.
A frase de Zoellick, reproduzida
pela Folha na terça-feira da semana passada, provocou irada reação de Lula, que chamou o funcionário de "sub do sub do sub"
(na verdade, o posto de Zoellick
tem status de ministro).
Ontem, o representante dos
EUA disse que o ruído provocado
por ambas as declarações não estava prejudicando o ambiente para a reunião ministerial da Alca
marcada para dia 1º próximo em
Quito, capital equatoriana -reuniões ministeriais são a máxima
instância do processo negociador.
De todo modo, o funcionário
deixou claro que a liberalização
do setor agrícola continua sendo
o nó central no processo.
Os EUA fizeram uma proposta
que o governo brasileiro admite
ser "ambiciosa" na área agrícola,
mas ela vale só para a negociação
global, no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio).
A proposta agrícola norte-americana para a Alca ainda está em
elaboração, mas o alto funcionário já adiantou que os EUA "não
vão se desarmar unilateralmente
em face dos subsídios europeus".
Posto de outra forma: só se todos os países que protegem suas
agriculturas (o que inclui, além
dos europeus, o Japão e a Coréia
do Sul) reduzirem seu arsenal, os
Estados Unidos o farão também
no âmbito da Alca.
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