São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2000

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DROGAS
Agência norte-americana afirma que corrupção e falta de vontade política favorecem o crescimento da atividade
EUA temem expansão do tráfico no Brasil

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Uma apostila de 28 páginas utilizada em cursos para policiais brasileiros promovidos pela DEA (Drug Enforcement Administration), a agência federal antidrogas dos Estados Unidos, prevê o aumento do narcotráfico e do consumo de drogas no Brasil.
Órgão do país onde há o maior consumo de drogas ilícitas no mundo, a DEA estima que crescerá o uso do Brasil para lavagem de dinheiro proveniente do narcotráfico devido à ""dificuldade de implementação das leis, corrupção e falta de vontade política e cooperação entre as instituições".
A agência afirma, no texto em português obtido pela Folha, que uma das suas ""responsabilidades" no Brasil é ""estabelecer "fontes confidenciais" para fornecer pistas sobre operações ligadas ao tráfico de drogas". A instituição não descreve como seus informantes operam no país.
O cenário desenhado na apostila da DEA é bem mais sombrio do que aquele normalmente apresentado nas declarações oficiais a respeito do problema.
No ""Relatório sobre estratégia internacional de controle de narcóticos", divulgado em março pelo Departamento de Estado, o Brasil é apresentado como um grande corredor da cocaína que segue para os Estados Unidos e para os países europeus.
Há, porém, diversos elogios a ações do governo brasileiro no combate ao narcotráfico.
O cenário futuro não é nem ""otimista" nem ""pessimista". Destaca-se o ""forte compromisso do Brasil com o combate ao tráfico de drogas".

Documento
No documento do Departamento de Estado, a referência à corrupção é feita nos parágrafos dedicados à CPI (Comissão Parlamentar do Inquérito) do Narcotráfico da Câmara dos Deputados, cujo relatório final deve ser votado na semana que vem. Na apostila, a afirmação sobre corrupção é assumida pela DEA, que vê ""falta de vontade política".
O texto destinado às palestras a policiais federais, civis e militares brasileiros foi produzido pelo escritório da DEA na capital paulista (""São Paulo Residence Office"), com a observação, em inglês: ""Somente para uso oficial".
A página que trata das ""perspectivas do cenário (de) drogas no Brasil" apresenta cinco itens. Ela prevê:
1) ""rápida expansão do tráfico de drogas por todo o Brasil", dada a dificuldade de controlar as fronteiras com países produtores (Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai);
2) aumento da lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico;
3) crescimento do volume de droga enviada ao exterior por causa de ""inspeções deficientes";
4) ampliação, ""em áreas remotas do interior", da instalação de laboratórios de cocaína e áreas de cultivo de maconha;
5) e aumento do consumo doméstico de drogas ilícitas.
O maior temor do governo norte-americano -não enfocado pela DEA- é que a infra-estrutura do narcotráfico da Colômbia, maior produtor mundial de cocaína, se desloque para o Brasil com o Plano Colômbia.
O plano é uma ofensiva multinacional coordenada pelos Estados Unidos -que aportarão US$ 1,3 bilhão- de combate à produção de cocaína e heroína no vizinho brasileiro.

Dificuldades
Na segunda-feira, o diretor do Escritório Nacional de Política de Controle de Drogas dos EUA, Barry McCaffrey, disse num discurso que, mesmo com a entrada em funcionamento do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), o Brasil terá dificuldades porque boa parte da cocaína produzida na Colômbia entra no país por via fluvial e terrestre. O Sivam será composto por uma rede de radares fixos e móveis, interligados por satélites, para controlar o tráfego aéreo na região. Só deve começar a operar em 2001.
A apostila da DEA toca também num dos pontos mais sensíveis da sua atuação no Brasil: a rede de informantes não-oficiais que a agência mantém, embora esse expediente não seja explicitado no acordo de cooperação do Brasil com os Estados Unidos que entrou em vigor em 1997.
De nome enorme -""Acordo de cooperação mútua para a redução da demanda, prevenção do uso indevido e combate à produção e ao tráfico ilícitos de entorpecentes"-, o texto prevê o ""intercâmbio de informações", mas não fala em informantes secretos operando à margem das autoridades nacionais.
Uma das principais tarefas da agência no Brasil é ""estabelecer "fontes confidenciais"" -outra é treinar policiais locais. Não há na apostila dados sobre número de informantes e método de relacionamento com a agência, nem se as informações obtidas por intermédio deles são necessariamente compartilhadas com a Polícia Federal brasileira.
Delegados e agentes da PF de vários Estados afirmam, reservadamente, que muitas das grandes apreensões de cocaína ocorridas nos últimos anos no Brasil se deveram, fundamentalmente, a agentes especiais da DEA municiados com informações de agentes infiltrados em quadrilhas.
Embora a Polícia Federal apresente quase sempre a droga apreendida como obra de investigação exclusivamente sua, muitas vezes a apuração foi realizada unicamente pela DEA.

Ajuda
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, o governo norte-americano fornece anualmente US$ 1,2 milhão ao Brasil para três projetos da Polícia Federal de combate ao narcotráfico e um da Senad (Secretaria Nacional Antidrogas).
Uma das dificuldades da agência norte-americana para avaliar suas previsões será a miséria estatística do Brasil sobre consumo e comércio ilegal de drogas.
O governo federal, a despeito da existência de protocolos com as polícias estaduais com esse objetivo, não sabe nem sequer a quantidade da droga apreendida em 1999 -a soma dos números da Polícia Federal com os das polícias de São Paulo e Rio de Janeiro alcança 11,7 toneladas de cocaína e 99,8 toneladas de maconha.
O Brasil não tem pesquisas que permitam estimar a quantidade de consumidores de drogas, muito menos o impacto que elas têm na economia, saúde, prevenção, repressão, sistema penitenciário, queda de produtividade etc.
Em vários países, levantamentos semelhantes apontaram para uma perda de 3% a 5% da riqueza produzida. A Senad começou uma pesquisa que tentará esboçar um mapa das drogas no país, uma espécie de censo dos usuários e dos reflexos dos entorpecentes na economia do país.


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