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DROGAS
Agência norte-americana afirma que corrupção e falta de vontade política favorecem o crescimento da atividade
EUA temem expansão do tráfico no Brasil
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Uma apostila de 28 páginas utilizada em cursos para policiais
brasileiros promovidos pela DEA
(Drug Enforcement Administration), a agência federal antidrogas
dos Estados Unidos, prevê o aumento do narcotráfico e do consumo de drogas no Brasil.
Órgão do país onde há o maior
consumo de drogas ilícitas no
mundo, a DEA estima que crescerá o uso do Brasil para lavagem de
dinheiro proveniente do narcotráfico devido à ""dificuldade de
implementação das leis, corrupção e falta de vontade política e
cooperação entre as instituições".
A agência afirma, no texto em
português obtido pela Folha, que
uma das suas ""responsabilidades" no Brasil é ""estabelecer "fontes confidenciais" para fornecer
pistas sobre operações ligadas ao
tráfico de drogas". A instituição
não descreve como seus informantes operam no país.
O cenário desenhado na apostila da DEA é bem mais sombrio do
que aquele normalmente apresentado nas declarações oficiais a
respeito do problema.
No ""Relatório sobre estratégia
internacional de controle de narcóticos", divulgado em março pelo Departamento de Estado, o
Brasil é apresentado como um
grande corredor da cocaína que
segue para os Estados Unidos e
para os países europeus.
Há, porém, diversos elogios a
ações do governo brasileiro no
combate ao narcotráfico.
O cenário futuro não é nem
""otimista" nem ""pessimista".
Destaca-se o ""forte compromisso
do Brasil com o combate ao tráfico de drogas".
Documento
No documento do Departamento de Estado, a referência à
corrupção é feita nos parágrafos
dedicados à CPI (Comissão Parlamentar do Inquérito) do Narcotráfico da Câmara dos Deputados,
cujo relatório final deve ser votado na semana que vem. Na apostila, a afirmação sobre corrupção
é assumida pela DEA, que vê ""falta de vontade política".
O texto destinado às palestras a
policiais federais, civis e militares
brasileiros foi produzido pelo escritório da DEA na capital paulista (""São Paulo Residence Office"),
com a observação, em inglês: ""Somente para uso oficial".
A página que trata das ""perspectivas do cenário (de) drogas
no Brasil" apresenta cinco itens.
Ela prevê:
1) ""rápida expansão do tráfico
de drogas por todo o Brasil", dada
a dificuldade de controlar as fronteiras com países produtores (Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai);
2) aumento da lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico;
3) crescimento do volume de
droga enviada ao exterior por
causa de ""inspeções deficientes";
4) ampliação, ""em áreas remotas do interior", da instalação de
laboratórios de cocaína e áreas de
cultivo de maconha;
5) e aumento do consumo doméstico de drogas ilícitas.
O maior temor do governo norte-americano -não enfocado pela DEA- é que a infra-estrutura
do narcotráfico da Colômbia,
maior produtor mundial de cocaína, se desloque para o Brasil
com o Plano Colômbia.
O plano é uma ofensiva multinacional coordenada pelos Estados Unidos -que aportarão US$
1,3 bilhão- de combate à produção de cocaína e heroína no vizinho brasileiro.
Dificuldades
Na segunda-feira, o diretor do
Escritório Nacional de Política de
Controle de Drogas dos EUA,
Barry McCaffrey, disse num discurso que, mesmo com a entrada
em funcionamento do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia),
o Brasil terá dificuldades porque
boa parte da cocaína produzida
na Colômbia entra no país por via
fluvial e terrestre. O Sivam será
composto por uma rede de radares fixos e móveis, interligados
por satélites, para controlar o tráfego aéreo na região. Só deve começar a operar em 2001.
A apostila da DEA toca também
num dos pontos mais sensíveis da
sua atuação no Brasil: a rede de informantes não-oficiais que a
agência mantém, embora esse expediente não seja explicitado no
acordo de cooperação do Brasil
com os Estados Unidos que entrou em vigor em 1997.
De nome enorme -""Acordo
de cooperação mútua para a redução da demanda, prevenção do
uso indevido e combate à produção e ao tráfico ilícitos de entorpecentes"-, o texto prevê o ""intercâmbio de informações", mas
não fala em informantes secretos
operando à margem das autoridades nacionais.
Uma das principais tarefas da
agência no Brasil é ""estabelecer
"fontes confidenciais"" -outra é
treinar policiais locais. Não há na
apostila dados sobre número de
informantes e método de relacionamento com a agência, nem se
as informações obtidas por intermédio deles são necessariamente
compartilhadas com a Polícia Federal brasileira.
Delegados e agentes da PF de
vários Estados afirmam, reservadamente, que muitas das grandes
apreensões de cocaína ocorridas
nos últimos anos no Brasil se deveram, fundamentalmente, a
agentes especiais da DEA municiados com informações de agentes infiltrados em quadrilhas.
Embora a Polícia Federal apresente quase sempre a droga
apreendida como obra de investigação exclusivamente sua, muitas
vezes a apuração foi realizada unicamente pela DEA.
Ajuda
De acordo com o Ministério das
Relações Exteriores, o governo
norte-americano fornece anualmente US$ 1,2 milhão ao Brasil
para três projetos da Polícia Federal de combate ao narcotráfico e
um da Senad (Secretaria Nacional
Antidrogas).
Uma das dificuldades da agência norte-americana para avaliar
suas previsões será a miséria estatística do Brasil sobre consumo e
comércio ilegal de drogas.
O governo federal, a despeito da
existência de protocolos com as
polícias estaduais com esse objetivo, não sabe nem sequer a quantidade da droga apreendida em
1999 -a soma dos números da
Polícia Federal com os das polícias de São Paulo e Rio de Janeiro
alcança 11,7 toneladas de cocaína
e 99,8 toneladas de maconha.
O Brasil não tem pesquisas que
permitam estimar a quantidade
de consumidores de drogas, muito menos o impacto que elas têm
na economia, saúde, prevenção,
repressão, sistema penitenciário,
queda de produtividade etc.
Em vários países, levantamentos semelhantes apontaram para
uma perda de 3% a 5% da riqueza
produzida. A Senad começou
uma pesquisa que tentará esboçar
um mapa das drogas no país, uma
espécie de censo dos usuários e
dos reflexos dos entorpecentes na
economia do país.
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