São Paulo, quinta-feira, 26 de novembro de 2009

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JANIO DE FREITAS

Clara confusão


Em julgamento de um caso de extradição em 2008, STF entendeu por unanimidade que decisão cabia a presidente


O JULGAMENTO de um caso de extradição no ano passado esclarece e confunde mais a decisão dúplice do Supremo Tribunal Federal, na semana passada, no caso Cesare Battisti -5 a 4 pelo cabimento da extradição e, por 5 a 4 com inversão dos vitoriosos, entrega ao presidente da República da decisão de extraditar ou não.
Primeiro capítulo: o Esclarecimento - Requerida a extradição de Sebastian Andrés Guichard Pauzoca pelo governo do Chile, a ministra Cármen Lúcia foi a relatora do caso e, como tal, depois autora do acórdão que formalizou a decisão do STF. Datados de 12 de junho de 2008, dizem os itens 3 e 4 do resumo das considerações do Tribunal:
"3. O Supremo Tribunal Federal limita-se a analisar a legalidade e a procedência do pedido de extradição (Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 207; Constituição da República, art. 102, Inc. I, alínea g; e Lei 6815/80, art. 83): indeferido o pedido, deixa-se de constituir o título jurídico sem o qual o Presidente da República não pode efetivar a extradição; se deferida, a entrega do súdito ao Estado requerente fica a critério discricionário do Presidente da República.
4. Extradição deferida, nos termos do voto da Relatora."
É objetiva e clara, portanto, a afirmação de que, "se deferida" pelo Supremo, a entrega do extraditando fica sujeita a critério irrestrito ("discricionário") do presidente da República. E segue-se o
"Acórdão -Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, em deferir o pedido de extradição, nos termos do voto da Relatora." Seguem-se a data e Cármen Lúcia (assinatura).
Este documento publicado pelo STF em 22 de agosto de 2008 evidencia, mais do que a precedência de conferir ao presidente da República a decisão de extraditar Cesare Battisti ou não, a sua aprovação por unanimidade dos ministros do Supremo.
A explicação que o ministro Carlos Ayres Britto deu para seus votos -um pelo cabimento da extradição de Battisti, outro pela atribuição de fazê-lo ou não do presidente da República- mostra-se coerente com a precedência, "por unanimidade", no STF.
Segundo capítulo: Mais Confusão - Se unânimes em um caso, quanto ao "critério discricionário" conferido ao presidente da República para extraditar ou não, apenas dependente de que o STF considere o pedido legal e procedente, como se explica que no caso de Battisti a unanimidade se divida em 5 de um lado e 4 de outro? Os pedidos diferem, suas circunstâncias também, mas são as mesmas as atribuições que o STF e a Presidência da República tenham diante de ambos. Quatro ministros deram votos diferentes dos seus no ano passado. Por quê?
A questão do poder determinativo do STF ou do poder discricionário do presidente nem constava do assunto a ser julgado. Ninguém sabe ao certo como ou por que entrou, o que talvez seja a coerência única naquele julgamento. Apesar disso, foi o que incandesceu o debate. Em vão, porém, porque nem aí surgiu algum indício da justificação necessária para o racha da ex-unanimidade.
E para enriquecer a divergência, o ex-presidente do STF e por muitos anos seu integrante com alta respeitabilidade jurídica e pessoal, o professor Carlos Velloso publicou (Folha de ontem, pág. A3) fartas citações legais e constitucionais em apoio à tese de que, "concedida a extradição, será o fato comunicado pelo Ministério das Relações Exteriores à missão diplomática do Estado requerente, que, no prazo de 60 dias, deverá retirar o extraditando do território nacional". Isso, porque "não há na lei uma só palavra que autorize o presidente da República a deixar de cumprir a decisão concessiva da extradição".
Aguardemos que, com ou sem Battisti, a confusão seja extraditada.


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