São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2008

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JANIO DE FREITAS

Os milhões que não saem do bolso


A investigação das despesas cobertas por cartão de crédito precisa ir muito além do exame de autenticidade

A INVESTIGAÇÃO do uso de cartões de crédito funcionais pelos ministros e pelo vastíssimo dispositivo da Presidência da República não é a primeira decidida, nesse sentido, pela Procuradoria Geral da República, mas traz duas novidades. De uma parte, reflete e comprova o total desinteresse do governo, em especial o da Presidência, por reprimir o uso abusado de dinheiro público nos seus altos níveis; de outra, promete as conseqüências a que não chegaram as iniciativas anteriores.
No começo do ano passado, o Tribunal de Contas da União concluiu auditoria, pedida pela Procuradoria da República, no uso de cartões crédito proporcionados a funcionários da Presidência, para despesas de serviço nos anos de 2003 a 2005. O relatório do ministro Ubiratan Aguiar ofereceu constatação clara: na parte examinada das despesas, 28% das notas fiscais e outros alegados comprovantes estavam adulterados. Os valores foram aumentados até em mais de dez vezes. Órgão de assessoramento para a obrigação do Congresso de fiscalizar os gastos governamentais, o tribunal aprovou recomendações que a Presidência prometeu adotar. Mas promessa com duas ressalvas.
A primeira, como uma forma de aplauso para a improbidade, considerando que o relatório era positivo para a Presidência por concluir, a despeito das adulterações furtantes, que os serviços foram reais. A outra, de que o conjunto das despesas com cartões da Presidência não poderia ser detalhado para exame, por incluir gastos sigilosos da Abin, a Agência Brasileira de Inteligência, quer dizer, de informação.
Passado quase um ano das recomendações que seriam adotadas, pequeno trecho do repórter Lucas Ferraz, na Folha da última quarta-feira, resume o resultado: além de serviços e em viagens feitas ou incomprovadas, os cartões de crédito do governo "foram usados em 2007 para pagar despesas em loja de instrumentos musicais, veterinária, óticas, choperias, joalherias em free shop". Os dados a respeito foram colhidos no site da própria Controladoria Geral da União. Em tempo: a despesa em "free shop" de aeroporto foi da ministra Matilde Ribeiro, da Igualdade Racial (o que, vê-se, não inclui aspectos financeiros), que só usou o cartão governamental em outubro passado "por engano", e só ressarciu o Tesouro neste janeiro, quando "o engano" foi verificado, "por esquecimento". Cerca de 95% das despesas do seu ministério com cartão foram feitas pela própria Matilde Ribeiro, recordista de tais gastos no chamado primeiro escalão.
Outro resultado -o monetário- da maneira como o governo cumpriu as recomendações do TCU: de 2006 para 2007, o gasto governamental com cartões de crédito subiu de R$ 33 milhões para R$ 75,6 milhões. A Abin vem em socorro outra vez: foram seus gastos sigilosos com o Pan, diz a Presidência, que provocaram o aumento do total. Impossível. O aumento foi de 129%, muito além do que a Abin poderia gastar a pretexto do Pan, no qual não pressentiu nem a vaia com que os cariocas retribuíram a Lula os quatro anos de cofres fechados para o Estado do Rio e sua capital.
Desvincular os gastos da Abin é a providência óbvia e necessária. O que não se justifica é que os gastos ditos sigilosos de um setor prejudiquem o conhecimento público dos gastos da Presidência. Mas, com ou sem Abin, a investigação das despesas cobertas por cartão de crédito precisa ir muito além do exame de autenticidade, ou não, de notas fiscais, como foi a auditoria do TCU. Tanto mais que os cartões de crédito não são o único recurso posto à disposição dos servidores autorizados a gastos: mais de R$ 100 milhões em dinheiro somaram-se ao gasto com cartões. É muito dinheiro à vontade do freguês.


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