São Paulo, sexta, 27 de fevereiro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS
Carnavalesca

Na rabeira do execrável "politicamente correto" inventaram agora o "tecnicamente correto". Surgida no desfile carioca das escolas de samba, é mais uma expressão para designar garfadas inconfessáveis na vontade, ou no gosto, ou na necessidade do povão.
Poderiam ter usado a palavra reforma, que hoje em dia tem o mesmo sentido de garfada no povão. Mas, nesse caso, haveria o inconveniente de que o povão, já conhecido o significado de reforma da Previdência, reforma da Saúde, reforma administrativa e outras que tais, logo perceberia a garfada. E como, às vezes, o povo perde a paciência, preferiram não arriscar.
Então disseram que a Beija-Flor foi reprovada pelo povão e, apesar disso, se tornou campeã porque fez um desfile "tecnicamente correto". Para não recorrer a outros advérbios mais eloquentes, digamos que foram tecnicamente incorretos os que substituíram os jurados menos de um mês antes do desfile e deram a tarefa ao que pareceu uma vasta seleção de cegos e surdos.
Homenagem a Chico Buarque é uma coisa -justa, por todos os motivos merecida e que nem precisava acontecer para provar a reverência nacional que lhe é dedicada. Mas dar nota máxima à "música" que o homenageou, e dar nota inferior à música da Viradouro, é um insulto aos ouvidos em geral.
O samba de escola acabou, é indiscutível. O que usam com o nome de "samba-enredo" há muito tempo são marchas que as baterias tentam disfarçar. É por isso que mesmo o pessoal das favelas desfila só arrastando os pés, com um desengonço em lugar do requebrado e da malemolência, sem sambar. Como qualquer das peruas que pagam para desfilar e das moças que vão exibir o corpo para depois faturar.
Não há indícios de que tenham algum fundamento, por menor que seja, as suspeitas de patifaria no júri. O que houve, com certeza, foi a adequação espontânea do espírito do julgamento com o tempo atual. Sem que desmerecesse a Mangueira, a campeã do povão foi a Viradouro. Mas os tempos são do mais governamental elitismo. Tempos do "tecnicamente correto".



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.