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RESENHA
Luz sobre o patrimônio
CLAUDIO WEBER ABRAMO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há poucos dias a Folha publicou reportagem a respeito
da evolução patrimonial de deputados estaduais do Estado.
Revela-se que, em média, os
próceres paulistas enriqueceram 40% entre 2002 e 2006.
Como se trata de uma média,
isso significa que, se de um lado alguns não enriqueceram
nada, outros viram multiplicado seu patrimônio em proporções épicas.
Alguns desses deputados estaduais mantêm atividades extraparlamentares que talvez justifiquem tamanho progresso. Os restantes, porém, não
contam com semelhante reforço. Trabalham só na Assembléia Legislativa, o que permite especular que esse deve ser o
melhor emprego do mundo.
Quão melhor o leitor de "Políticos do Brasil", de Fernando
Rodrigues, poderá avaliar por
si só. Rodrigues promove uma
longa jornada através do universo patrimonial dos políticos
eleitos nas eleições de 1998 e de 2002.
O livro é um verdadeiro tour
de force, uma realização por todos os títulos extraordinária
pelo volume de dados processados, pelos cuidados metodológicos que cercaram a sua confecção e pela abundância
de informações analíticas extraídas dessa massa. Repleta de
tabelas com dados agregados e comparativos sobre o patrimônio declarado de políticos federais e estaduais, a obra lança
uma luz inédita sobre esse aspecto fundamental da vida pública dos políticos.
No total, são examinadas declarações de patrimônio de
1.780 indivíduos eleitos em
1998 e 1.790 eleitos em 2002.
Incluem-se presidentes da República e seus vices, senadores
e seus suplentes, deputados federais, deputados distritais,
governadores e vices e deputados estaduais. Dos eleitos em
1998, 976 foram reconduzidos
na eleição seguinte (e, portanto, compõem também o total
de 1.790 referente a 2002).
Os dados disponíveis não
permitiram analisar a evolução
patrimonial de todos esses 976
políticos. Conforme Rodrigues
reporta, há integridade de dados para 548 deles. É sobre estes que o jornalista se debruçou com especial atenção, disso resultando informações
preciosas.
Rodrigues realiza agrupamentos e cruzamentos (como
por Estados e por partidos), focaliza grupos especiais (como
os milionários), os que "se esquecem" de declarar patrimônio, analisa a "classe média"
política (parlamentares com
patrimônio declarado de até
R$ 500 mil) e muito mais.
O livro não é só feito de tabelas e de suas interpretações.
Rodrigues desenha também
um panorama original das instituições brasileiras e de alguns
de seus piores vícios. Os leitores de sua coluna na Folha sabem que Fernando Rodrigues
vê no Brasil um país não apenas atrasado, mas que gosta do
atraso. Este livro mostra bastante por que ele pensa assim.
Fernando Rodrigues tem sido uma das principais lideranças brasileiras, diria mesmo a
principal, na cobrança de uma
regulamentação que obrigue
os órgãos públicos de todos os
níveis a disponibilizar ao público informação de que são
detentores.
Ele é o idealizador e impulsionador do Fórum de Direito
de Acesso a Informações Públicas, que reúne diversas entidades (entre as quais a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e a Transparência Brasil) em torno dessa
reivindicação comum.
Sua experiência como repórter mostrou-lhe que, em condições normais, os agentes do Estado não fornecem informação senão quando pressionados muito de perto, e muitas vezes apenas por ordem judicial. As dificuldades, por vezes
francamente surrealistas, que
Rodrigues enfrentou para coletar os dados apresentados
em "Políticos do Brasil" estão
exemplificadas no primeiro capítulo do livro.
Se um repórter famoso, de
um dos principais veículos de
comunicação do país, enfrenta
o que ele descreve, imagine-se
um cidadão comum.
A resistência oferecida pelos
agentes políticos e administrativos brasileiros na prestação
de informação sobre o que fazem choca-se com dois dispositivos constitucionais: o art.
5º, inciso 33, que garante a
qualquer pessoa acesso a informação detida pelo Estado; e o
art. 37, que especifica a publicidade entre um dos deveres basilares do agente estatal.
No entanto, como sabemos
todos os brasileiros, em nosso
país há leis que "grudam" e leis
que não "grudam". Neste caso,
a Constituição não "grudou", o
que motiva a reivindicação por
uma lei que regulamente o
acesso a informação pública.
É claro que leis, por si sós,
nada significam se não forem
acompanhadas de rotinas administrativas destinadas a
cumpri-las. Aqui entram em
cena as disparidades brasileiras. Uma das mais gritantes,
embora muito pouco explicitada pela imprensa, é a que afeta
o desenvolvimento das esferas
federal, estadual e municipal.
Por mais inadequada que seja a disposição dos órgãos públicos federais dos três Poderes em franquear acesso aos
dados que detêm, Brasília está
quilômetros à frente dos Estados. E o abismo que separa Estados de municípios mede-se por anos-luz.
O trabalho de Fernando Rodrigues, mesmo com todas as
dificuldades que ele relata, não
seria sequer imaginável num
país que não obrigasse os políticos a depositar num órgão
público central informações
sobre seu patrimônio.
Quanto mais informação o
Estado disponibilizar, mais
Fernandos Rodrigues a utilizarão para explicar ao público o
que o Estado faz em seu nome.
CLAUDIO WEBER ABRAMO é diretor-executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção
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