São Paulo, Sexta-feira, 27 de Agosto de 1999
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Desemprego e educação são motivos de queixa

Sérgio Lima/Folha Imagem
Jovens abaixam as calças no espelho d'água do Congresso


CYNARA MENEZES
enviada especial a Brasília

Até os vendedores ambulantes tinham palavras de ordem contra o presidente Fernando Henrique Cardoso ontem em Brasília. "Olha a água mineral, Fernando Henrique sem moral", diziam.
As manifestações de descontentamento vinham de todos os lados em um dos poucos atos feitos contra o governo em que os participantes demonstravam, de maneira geral, saber exatamente o porquê de estarem ali.
Mesmo os menos politizados, como o estudante Tadeu Brito, 16, que dizia ter vindo de Belo Horizonte com um grupo de colegas "só para curtir", exibiam insatisfação. "Acho que o governo deveria dar mais verba para a educação", reclamava Tadeu.
O nível de politização do grupo reunido na Esplanada dos Ministérios se evidenciava nas declarações das pessoas mais simples, sem vinculação partidária.
A sem-terra Rosilda Gomes da Silva, 38, votou em FHC para presidente nas duas últimas eleições e se dizia "arrependida". "Toda a minha família votou nele, e são muitos. A maioria está desempregada. O pior do Fernando Henrique é o desemprego, pensei que ele ia fazer alguma coisa, mas até agora nunca fez."
Carmen Maria Vieira, 68, pensionista, tinha as pernas inchadas por ter enfrentado 18 horas de viagem para chegar a Brasília, vinda de São Miguel Paulista. Em Goiânia, o ônibus em que viajava quebrou e foi preciso esperar três horas por ajuda mecânica. Ainda assim, Carmen dizia que tinha valido a pena.
"É uma mixaria o que a gente ganha como pensionista, mas eu não posso reclamar, para mim está bem. Só que a gente tem que pensar nos outros. Minha cunhada, por exemplo, está com dois filhos desempregados", disse.
Nem só o desemprego motivava as queixas dos manifestantes. As estudantes Cláudia Fernandes, 19, Marcela Perencin e Camila Peron, ambas com 18, conseguiram se encaixar nos ônibus fretados pelos sindicatos que vinham de Ribeirão Preto "para fazer volume", segundo disseram, mas tinham opiniões formadas sobre o presidente.
De acordo com elas, falta "pulso" a FHC. "Eu acho que ele é um "joão-bobo"", disse Camila. "Ele precisa se posicionar, se arriscar mais", afirmou Cláudia, cujo pai "é de direita". Para Marcela, o presidente "é muito "pau mandado". Ele fala uma coisa, aí é só o ACM falar outra que ele muda".
Roberto dos Santos, 42, é ex-metalúrgico e hoje trabalha como "faz-tudo" em Londrina (PR) para manter a mulher e quatro filhos -"o que aparece a gente faz", diz. Sua reclamação é contra o capital estrangeiro. "Se a gente viaja pelo Brasil vê que tem muita riqueza, mas somos comandados pelos estrangeiros", opina.
Embora insatisfeitos, muitos manifestantes não mostravam empolgação com os discursos dos políticos de oposição no palanque e, cansados, dormiam na grama seca, sobre as bandeiras plásticas distribuídas pela CUT e pelo PT.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Poços de Caldas (MG), José Alves, 45, dormia sentado. "Eu não estou prestando atenção, mas acho que se não tivesse discurso seria pior. Ajuda a manter a gente acordado."
Havia até "politizados" internacionais. Os italianos Dino Maculan e Graziele Pasin moram há nove meses na periferia de Goiânia, onde colaboram com a Igreja Católica, e opinavam que o governo "piorou muito" desde o ano passado.
"Acho que muita gente, principalmente os políticos, devia ter a experiência de morar na periferia. É impossível saber o que se passa lá vendo de fora. Ontem mesmo faltou água. Muita gente não trabalha e quem trabalha ganha só o salário mínimo", disse Graziele, que foi vereadora na província de Vicenza.
No meio de todo mundo, um grupo e um personagem chamavam especial atenção: cerca de 30 jovens anarquistas, responsáveis pelos tumultos em frente ao Congresso, e o fotógrafo aposentado Antônio Francisco dos Santos, o "Politizador".
Munido de microfone de animador de auditório e com um minialto-falante preso à cintura, o "Politizador" dizia palavras de ordem e chamava para si o êxito da marcha.
"Sou pioneiro nas caminhadas, fui o primeiro a vir a Brasília pelas eleições diretas, em 84. Se tudo isso está acontecendo agora é graças ao meu trabalho", afirmava.


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