São Paulo, Sexta-feira, 27 de Agosto de 1999
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JANIO DE FREITAS
O país dos sem-governo

É tão grande que chega a ser ridícula a má-fé de puxar para o número de manifestantes as pretensas respostas à "Marcha". Pendurar-se nesse expediente é só um modo néscio de se mostrar batido. Se 50 mil, 60 mil ou 100 mil se concentraram contra o governo, tanto faz. A marcha não tinha finalidade aritmética, entre as várias que lhe foram atribuídas. Nem os adversários -governantes nos palácios, povo nas ruas- confrontavam-se em um jogo de números, mas no terreno em que se opõem a opressão econômica, de uma parte, e direitos e necessidades vitais, na outra.
Todo o problema brasileiro atual (e futuro, por certo) sintetiza-se neste fato: Fernando Henrique Cardoso e o governo não têm o que dizer, com honestidade, sobre a situação crítica a que levaram o país -e nem está próximo o fim dessa linha corrosiva de não-governo. Foi o mutismo sem saída, de Fernando Henrique e dos governistas, que a marcha forçou a evidenciar-se. Êxito que independe de quantas tenham sido, a mais ou a menos, as dezenas de milhares da "Marcha", no achado perfeito de José Simão, "dos Sem Mil".
A propósito, transcrevo, pela utilidade de sua leitura ou releitura, trechos do insuspeito editorial "A grande frustração", da Folha de ontem, referentes ao mais recente balanço do IBGE:
"A renda per capita caiu, a carga de impostos subiu, a participação dos rendimentos do trabalho na renda do país declinou, o PIB encolheu. (...) A indústria se retraiu. O setor de serviços cresceu, mas só porque nessa conta está a expansão das telecomunicações. Em resumo, os brasileiros estão ficando mais pobres, mas não todos. (Este) é o caso de setores que se beneficiam de apoio estatal explícito (...).
"É evidente que em boa medida essas estatísticas refletem uma crise. (...) O índice da massa real de salários ajuda a entender a insatisfação. O processo de erosão do poder aquisitivo teve início em 96, (...) mas ela prosseguiu. Desde outubro do ano passado, a massa real de salários caiu assombrosos 7,6%."
Nessa realidade opressiva para três quartos da população, fustigados ainda pelo desemprego não mencionado, estão "as origens da impopularidade". Está o Brasil atual, país dos sem-governo.


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