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CELSO PINTO
O precedente do Equador
O Equador anunciou oficialmente uma moratória, por 30
dias, num pagamento de juros e
a reestruturação de sua dívida
em títulos da dívida (os "bradies"). É um fato da maior importância, que pode ter consequências de longo prazo para o
Brasil e os países emergentes,
mas não pelas razões que parecem mais óbvias.
O efeito direto, por "contágio", da iniciativa do Equador
será irrelevante. Os juros não
pagos serão de US$ 96 milhões,
a dívida em "bradies" soma
US$ 6 bilhões, o PIB total do
Equador é estimado em US$
12,8 bilhões, menos do que 3%
do PIB brasileiro.
O fato era esperado pelo mercado há algum tempo. Ontem,
depois de formalizado o anúncio, não houve qualquer impacto sobre os preços dos "bradies"
brasileiros.
A decisão do Equador é importante por outra razão. É o
primeiro caso em que o governo
americano e o FMI estão dando
um apoio tácito a um país
emergente para incluir, numa
renegociação da dívida, também a dívida em títulos com
credores privados.
Nesse sentido, é um enorme
precedente. Até agora, havia a
noção de que dívidas de países
emergentes em bônus não podiam ser renegociadas: são títulos ao portador, espalhados entre milhares de investidores ao
redor do mundo.
Quando os países latino-americanos quebraram, nos anos
80, era uma dívida formada por
empréstimos de bancos privados e que foi renegociada com
esses bancos. O Brasil, por
exemplo, jamais deixou de pagar em dia, nos anos 80, a parcela (pequena, é verdade) da dívida que tinha em bônus.
Desde então, o mercado internacional mudou completamente. Os bancos cortaram ao mínimo os empréstimos para países
emergentes, enquanto crescia
enormemente a dívida em títulos, comprada por investidores.
Uma renegociação desta nova
dívida seria difícil, porque não
daria para sentar na mesa com
milhares de investidores. Mesmo que se chegasse a um acerto
com apoio da maioria, seria difícil impedir que algum investidor buscasse o seu na Justiça (o
problema do "free rider").
Aí vieram as quebras, nos
anos 90, do México e da Ásia,
seguidas por pacotes salvadores
com recursos públicos, via FMI e
G-7. Quem tinha bônus se safou,
graças ao uso, indireto, do dinheiro público.
Na quebra da Rússia, já havia
uma forte reação contrária da
opinião pública dos países ricos.
Quando os russos deram o calote em alguns títulos (não nos eurobônus), alguns entenderam
ter havido uma concordância
tácita do FMI.
No último ano e meio, a questão vem sendo explicitamente
discutida no FMI, no âmbito da
chamada "nova arquitetura financeira internacional". Já
existem na mesa várias propostas para obrigar o setor privado
a dividir o ônus, em caso de
quebra de países emergentes.
Entre elas, mudar as regras dos
bônus para viabilizar reestruturações (por apoio de 80% dos
detentores, ou por delegação
deste poder aos bancos que fizeram a colocação).
Os bancos privados têm reagido contra. O IIF, instituto dos
bancos privados, tem insistido
que qualquer passo nessa direção levará a uma retração na
emissão de títulos para países
emergentes e a um aumento no
custo.
No primeiro semestre, imaginava-se que o primeiro teste viria com o Paquistão. O Clube de
Paris tentou forçar o Paquistão
a obter dos investidores em seus
eurobônus concessões idênticas
às que ele faria em relação à sua
dívida oficial. Não teve êxito.
O Equador virou o primeiro
caso, o que faz sentido. Os Estados Unidos são os principais defensores dessa idéia, portanto é
razoável que o teste aconteça
em seu "quintal" latino-americano. Anteontem, foi revelada
uma carta em que o presidente
Clinton promete apoiar a reestruturação da dívida oficial do
Equador no Clube de Paris
(US$ 2,2 bilhões), desde que as
negociações com o FMI tenham
êxito. E o FMI apóia a reestruturação dos "bradies" do Equador com os investidores privados.
Ninguém, é claro, está chamando isso tudo de moratória,
pois não ficaria bem. O Equador, na próxima semana, vai
oferecer um novo papel que poderá ser trocado pelos velhos
"bradies", desde que o investidor aceite alguma perda. Ainda
não está claro como será garantido que o acerto "voluntário"
seja amplamente aceito.
Existem várias dúvidas, mas a
mensagem está dada. Qualquer
país emergente que quebrar,
daqui para a frente, e buscar
ajuda no G-7 e no FMI, provavelmente terá que se acertar
também com investidores em
bônus privados.
De um lado, é muito justo que
a conta seja repartida com o setor privado. De outro, contudo,
isso deve significar uma reavaliação do risco de investir em
países emergentes. Ou seja, a
tendência é haver mais cautela,
menos dinheiro e a um custo
maior.
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