São Paulo, Sexta-feira, 27 de Agosto de 1999
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CELSO PINTO
O precedente do Equador

O Equador anunciou oficialmente uma moratória, por 30 dias, num pagamento de juros e a reestruturação de sua dívida em títulos da dívida (os "bradies"). É um fato da maior importância, que pode ter consequências de longo prazo para o Brasil e os países emergentes, mas não pelas razões que parecem mais óbvias.
O efeito direto, por "contágio", da iniciativa do Equador será irrelevante. Os juros não pagos serão de US$ 96 milhões, a dívida em "bradies" soma US$ 6 bilhões, o PIB total do Equador é estimado em US$ 12,8 bilhões, menos do que 3% do PIB brasileiro.
O fato era esperado pelo mercado há algum tempo. Ontem, depois de formalizado o anúncio, não houve qualquer impacto sobre os preços dos "bradies" brasileiros.
A decisão do Equador é importante por outra razão. É o primeiro caso em que o governo americano e o FMI estão dando um apoio tácito a um país emergente para incluir, numa renegociação da dívida, também a dívida em títulos com credores privados.
Nesse sentido, é um enorme precedente. Até agora, havia a noção de que dívidas de países emergentes em bônus não podiam ser renegociadas: são títulos ao portador, espalhados entre milhares de investidores ao redor do mundo.
Quando os países latino-americanos quebraram, nos anos 80, era uma dívida formada por empréstimos de bancos privados e que foi renegociada com esses bancos. O Brasil, por exemplo, jamais deixou de pagar em dia, nos anos 80, a parcela (pequena, é verdade) da dívida que tinha em bônus.
Desde então, o mercado internacional mudou completamente. Os bancos cortaram ao mínimo os empréstimos para países emergentes, enquanto crescia enormemente a dívida em títulos, comprada por investidores.
Uma renegociação desta nova dívida seria difícil, porque não daria para sentar na mesa com milhares de investidores. Mesmo que se chegasse a um acerto com apoio da maioria, seria difícil impedir que algum investidor buscasse o seu na Justiça (o problema do "free rider").
Aí vieram as quebras, nos anos 90, do México e da Ásia, seguidas por pacotes salvadores com recursos públicos, via FMI e G-7. Quem tinha bônus se safou, graças ao uso, indireto, do dinheiro público.
Na quebra da Rússia, já havia uma forte reação contrária da opinião pública dos países ricos. Quando os russos deram o calote em alguns títulos (não nos eurobônus), alguns entenderam ter havido uma concordância tácita do FMI.
No último ano e meio, a questão vem sendo explicitamente discutida no FMI, no âmbito da chamada "nova arquitetura financeira internacional". Já existem na mesa várias propostas para obrigar o setor privado a dividir o ônus, em caso de quebra de países emergentes. Entre elas, mudar as regras dos bônus para viabilizar reestruturações (por apoio de 80% dos detentores, ou por delegação deste poder aos bancos que fizeram a colocação).
Os bancos privados têm reagido contra. O IIF, instituto dos bancos privados, tem insistido que qualquer passo nessa direção levará a uma retração na emissão de títulos para países emergentes e a um aumento no custo.
No primeiro semestre, imaginava-se que o primeiro teste viria com o Paquistão. O Clube de Paris tentou forçar o Paquistão a obter dos investidores em seus eurobônus concessões idênticas às que ele faria em relação à sua dívida oficial. Não teve êxito.
O Equador virou o primeiro caso, o que faz sentido. Os Estados Unidos são os principais defensores dessa idéia, portanto é razoável que o teste aconteça em seu "quintal" latino-americano. Anteontem, foi revelada uma carta em que o presidente Clinton promete apoiar a reestruturação da dívida oficial do Equador no Clube de Paris (US$ 2,2 bilhões), desde que as negociações com o FMI tenham êxito. E o FMI apóia a reestruturação dos "bradies" do Equador com os investidores privados.
Ninguém, é claro, está chamando isso tudo de moratória, pois não ficaria bem. O Equador, na próxima semana, vai oferecer um novo papel que poderá ser trocado pelos velhos "bradies", desde que o investidor aceite alguma perda. Ainda não está claro como será garantido que o acerto "voluntário" seja amplamente aceito.
Existem várias dúvidas, mas a mensagem está dada. Qualquer país emergente que quebrar, daqui para a frente, e buscar ajuda no G-7 e no FMI, provavelmente terá que se acertar também com investidores em bônus privados.
De um lado, é muito justo que a conta seja repartida com o setor privado. De outro, contudo, isso deve significar uma reavaliação do risco de investir em países emergentes. Ou seja, a tendência é haver mais cautela, menos dinheiro e a um custo maior.


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