São Paulo, quarta-feira, 27 de setembro de 2006

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Marcos Nobre

Realismo social

O BOLSA-FAMÍLIA foi a mais importante estrela da campanha. Nem o reincidente banditismo partidário dos últimos dez dias conseguiu lhe tirar o brilho. Nenhuma candidatura é contra. Todas querem apenas melhorar o programa. Corresponde a só 0,5% do PIB e tem efeitos imediatos e importantes sobre a vida de quase um quarto da população do país.
Políticas como a do Bolsa-Família dependem de um certo consenso de fundo que se estabeleceu na última década: para diminuir as desigualdades, seria preciso localizar com precisão quem são e onde estão os mais pobres e dirigir políticas públicas e de transferência de renda diretamente a eles. É o que se chama de "focalização". Quanto mais "focalizada" a política, mais eficaz. E mais justa.
O "focalismo" é uma forma aguda de realismo. Parte da idéia de que os mais pobres têm baixa capacidade de organização e de pressão para participar da disputa política por recursos públicos escassos. Essa marginalizaç ão política teria de ser compensada pelo foco de políticas públicas específicas.
Esse realismo "focalista" é irmão gêmeo do crescimento medíocre da última década. É um tipo de política que pode mostrar resultado em um país que não cresce, mas que também pode se revelar ineficaz na diminuição das desigualdades se o país crescer acima das taxas meramente vegetativas atuais. Em um país tão desigual, se não há crescimento, distribuir na base da pirâmide faz uma grande diferença. Mas o país como um todo fica no mesmo lugar. Crescer a taxas significativas exige pensar a distribuição de renda em outros termos, como ampliação efetiva de direitos para os mais pobres. E não apenas como programas sociais de governo.
O problema primordial hoje é sair do lugar, é crescer. Por isso, também os programas sociais têm de ser pensados sob esse foco. É preciso colocar com clareza perguntas como: o Bolsa-Família tem poder de mover economias locais? Quanto e em que medida? Tem capacidade de gerar empregos? Se não tem, é possível fazer com que tenha? Como? Seu impacto é maior ou menor do que outras políticas de redução da desigualdade, como a do aumento do salário mínimo, por exemplo, que é direito e não só política de governo?
O verdadeiro foco tem de ser o crescimento. Sendo um programa exitoso, a ser mantido e ampliado, cabe fazer do Bolsa-Família também um instrumento de internalização do crescimento. Para isso, precisamos de mais estudos e pesquisas. E de debate político. Por mais importante que seja como uma dentre as muitas diretrizes possíveis, não se pode tomar o "focalismo" como fórmula geral a orientar toda e qualquer política social. Porque o realismo transformado em princípio exclusivo da ação política é irmão gêmeo conformismo.


MARCOS NOBRE é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap

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