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Marcos Nobre
Realismo social
O BOLSA-FAMÍLIA foi a
mais importante
estrela da campanha. Nem o reincidente
banditismo partidário dos
últimos dez dias conseguiu
lhe tirar o brilho. Nenhuma
candidatura é contra. Todas querem apenas melhorar o programa. Corresponde a só 0,5% do PIB e
tem efeitos imediatos e importantes sobre a vida de
quase um quarto da população do país.
Políticas como a do
Bolsa-Família dependem
de um certo consenso de
fundo que se estabeleceu
na última década: para diminuir as desigualdades,
seria preciso localizar com
precisão quem são e onde
estão os mais pobres e
dirigir políticas públicas e
de transferência de renda
diretamente a eles. É o
que se chama de "focalização". Quanto mais "focalizada" a política, mais eficaz. E mais justa.
O "focalismo" é uma forma aguda de realismo. Parte da idéia de que os mais
pobres têm baixa capacidade de organização e de
pressão para participar da
disputa política por recursos públicos escassos. Essa
marginalizaç ão política teria de ser compensada pelo
foco de políticas públicas
específicas.
Esse realismo "focalista"
é irmão gêmeo do crescimento medíocre da última
década. É um tipo de política que pode mostrar resultado em um país que não
cresce, mas que também
pode se revelar ineficaz na
diminuição das desigualdades se o país crescer
acima das taxas meramente vegetativas atuais. Em
um país tão desigual, se não
há crescimento, distribuir
na base da pirâmide faz
uma grande diferença. Mas
o país como um todo fica
no mesmo lugar. Crescer
a taxas significativas exige
pensar a distribuição de
renda em outros termos,
como ampliação efetiva
de direitos para os mais
pobres. E não apenas como
programas sociais de
governo.
O problema primordial
hoje é sair do lugar, é crescer. Por isso, também os
programas sociais têm de
ser pensados sob esse foco.
É preciso colocar com clareza perguntas como: o
Bolsa-Família tem poder
de mover economias locais? Quanto e em que
medida? Tem capacidade
de gerar empregos? Se não
tem, é possível fazer com
que tenha? Como? Seu
impacto é maior ou menor
do que outras políticas de
redução da desigualdade,
como a do aumento do salário mínimo, por exemplo,
que é direito e não só política de governo?
O verdadeiro foco tem de
ser o crescimento. Sendo
um programa exitoso, a ser
mantido e ampliado, cabe
fazer do Bolsa-Família
também um instrumento
de internalização do crescimento. Para isso, precisamos de mais estudos e pesquisas. E de debate político. Por mais importante
que seja como uma dentre
as muitas diretrizes possíveis, não se pode tomar o
"focalismo" como fórmula
geral a orientar toda e qualquer política social. Porque
o realismo transformado
em princípio exclusivo da
ação política é irmão gêmeo conformismo.
MARCOS NOBRE é professor de filosofia
política da Unicamp e pesquisador do Cebrap
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