São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002

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CENÁRIO

Revisão do acordo indicará o que eventual governo do PT poderá fazer em 2003

Negociações com o FMI vão ditar os planos de transição

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Por ironia do destino, o petista Luiz Inácio Lula da Silva, prestes a finalmente conquistar a Presidência da República, definirá seus planos para a transição de governo a partir de uma negociação com o FMI (Fundo Monetário Internacional) dentro de duas ou três semanas.
Nesse prazo, chegará ao país uma missão do Fundo encarregada de revisar o acordo firmado com o governo Fernando Henrique Cardoso e endossado pelo outrora defensor radical do rompimento com o organismo e seu receituário.
Lula precisa desesperadamente dos US$ 24 bilhões oferecidos pelo FMI para a travessia do ano de 2003, que ainda deverá ser marcado pela crise internacional e a escassez de capitais para os países periféricos.
Em troca, terá de se comprometer a não complicar ainda mais a turbulência financeira global, ou seja, honrar o pagamento dos contratos do país e providenciar uma economia anual de pelo menos 3,75% do PIB (Produto Interno Bruto), ou R$ 53 bilhões, para abater a dívida pública.
O "pelo menos" não está no acordo à toa. O Fundo se reserva o direito de exigir sacrifícios maiores caso ache necessário -e é isso mesmo que seus técnicos vêm discutir com os assessores de Lula. A equipe de FHC já anunciou que terá um papel secundário nos entendimentos.
A negociação, que terá de ser concluída até 6 de dezembro, estabelecerá as providências a serem tomadas até a posse de Lula e o que o PT poderá oferecer aos eleitores no início do mandato.

Correr contra o tempo
Do ponto de vista estritamente técnico, será necessário elevar o superávit primário estabelecido no acordo. O valor foi projetado para estabilizar a dívida pública em 59% do PIB, contando com juros em queda, dólar a R$ 3 e crescimento econômico de 3%.
De lá para cá, a dívida passou de 60% do PIB, os juros foram de 18% para 21% ao ano, o dólar passou de R$ 3,70 e o mercado passou a temer recessão no próximo ano. Ainda que os indicadores melhorem, é praticamente impossível voltar ao cenário previsto antes.
Para se encontrar com o FMI em situação menos desfavorável, o comando petista tem poucos dias para, em meio às festas pela vitória eleitoral, acalmar o mercado e produzir expectativas melhores -a queda do dólar na semana passada foi um bom sinal.
O Fundo pode, diante da importância geopolítica do Brasil na América Latina e por compreender as dificuldades de um governo recém-eleito, não ser tão exigente no aperto fiscal. Mas, nesse caso, a condição provável é o compromisso de manter os superávits por um prazo que pode superar um mandato presidencial.
Das condições acertadas com o Fundo dependerá o futuro do Orçamento de 2003, que precisa ser aprovado pelo Congresso ainda neste ano. Se o projeto elaborado pelo governo FHC já previa um ano difícil, o agravamento da crise econômica tende a exigir um ajuste ainda mais dramático.
Com crescimento menor do PIB, a arrecadação pode ficar abaixo dos R$ 328 bilhões previstos. A alta da inflação, consequência da disparada do dólar, eleva as pressões por reajustes do salário mínimo e dos vencimentos dos servidores federais.

Promessas
Algumas das promessas de campanha podem desabar na hora de fazer as contas. É o caso do mínimo, cujo poder de compra Lula prometeu dobrar em quatro anos -o que significa um aumento médio anual de 19%, mais a variação dos preços.
Para começar o processo já no ano que vem, seria preciso conseguir mais de R$ 6,5 bilhões em aumento de receitas ou corte de gastos, ainda assim supondo que o FMI não faça novas exigências nas negociações de novembro.
Da forma como está, o Orçamento só permite um mínimo de R$ 211 em 2003, um reajuste de 5,5% insuficiente até para compensar a alta dos preços. Se ficar apenas nisso, Lula teria de conceder reajustes reais de 26% a partir de 2004 para alcançar sua meta.
Outro desafio é dar início ao principal projeto social de Lula, o Fome Zero, cuja proposta mais ambiciosa é distribuir cupons de alimentação a 44 milhões de pobres e indigentes, ao custo anual de R$ 20 bilhões.
Segundo o economista José Graziano, coordenador do projeto, a intenção é -ou era- atingir 25% da cobertura total no primeiro ano de governo. Os R$ 5 bilhões necessários viriam do remanejamento das verbas sociais hoje existentes.
Sobram ao PT dois meses para rearranjar o orçamento social, que envolve articulação com Estados e municípios, definir o público-alvo, providenciar a confecção dos cupons na Casa da Moeda e credenciar os estabelecimentos autorizados a fornecer alimentos aos beneficiários do Fome Zero.
Por enquanto, a alteração mais provável no Orçamento é impopular: prever receita adicional de R$ 2 bilhões por meio da suspensão da queda de 27,5% para 25% da alíquota mais alta do Imposto de Renda da Pessoa Física.

Reformas
A agenda imediata no Congresso tem ainda duas reformas potencialmente polêmicas, na regulamentação do setor financeiro e no sistema de impostos do país.
Com a primeira, o PT pretende dar autonomia ao Banco Central, concedendo mandatos fixos ao presidente e aos diretores da instituição. O objetivo é acalmar o mercado, que teme pressões políticas do partido sobre a condução das políticas de juros e de câmbio.
A operação tem de ser combinada com uma escolha delicada, a do futuro presidente do BC. Lula terá de definir um nome que inspire confiança e, ao mesmo tempo, possa se entender com os ministros da Fazenda e do Planejamento -que, segundo os petistas têm dado a entender, serão mais próximos do setor produtivo e do pensamento do partido.
Para ressuscitar a reforma tributária, o projeto básico é o aprovado no final de 99 por uma comissão especial da Câmara, que se perdeu na burocracia do Congresso devido à oposição da equipe econômica. A renegociação do texto, porém, terá de envolver os governadores eleitos, prefeitos, empresários de todos os setores e -trata-se de um governo Lula- os trabalhadores.
Como uma reforma constitucional depende da aprovação de três quintos da Câmara e do Senado e a reforma traz consigo o risco de queda na arrecadação, a lógica aponta que nada estará resolvido no curto prazo.


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