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JANIO DE FREITAS
Espetáculo exclusivo
Distraídos por coisas tão corriqueiras como o FMI, negócios de
privatização e outros negócios,
flagrantes gravados e gordas contas no exterior, não prestamos
atenção ao misto de espetáculo e
lições de história que se desenrola
diante de nós -mais uma contribuição social, aliás a maior, do
governo.
Nem estavam acabadas as eleições, o que era o tema dominante
entre os políticos do Congresso,
com extensão volumosa no noticiário dos jornais? Quando constatado que o governador Mário
Covas tinha doença grave e então
por ser ainda dimensionada, qual
foi a preocupação que dominou a
quase totalidade dos comentaristas políticos, durante dias, e invadiu todos os recantos do PSDB?
Esse assunto foi a sucessão de Fernando Henrique Cardoso em
2002.
Ninguém reparou, mas nisso
havia um fato sem precedente histórico por aqui. As intermináveis
conversas políticas e a quantidade incalculável de papel ocupado
com especulações em torno de Covas, Serra, Antonio Carlos Magalhães, e outros menos escaláveis,
aconteciam antes mesmo da posse
de Fernando Henrique.
Seja lá o que isso signifique, não
foi ou não é motivado por um
acirramento da disputa pela Presidência. Sempre houve essa disputa, sem que jamais um presidente eleito estivesse atropelado
por sua sucessão antes até de ser
presidente de fato. E dentro de
suas próprias hostes partidárias e
jornalísticas. Seja lá o que isso signifique, não é pouco. Em relação
ao presente, como se a nova Presidência fosse dada por finda antes
de começar, mas sobretudo em relação aos quatro anos vindouros.
Outro ato do espetáculo. A natureza comercial das relações de
Fernando Henrique com a maioria dos parlamentares tem custado caro, paradoxalmente, à parte
que recebe. O conceito do Congresso foi para o beleléu. O baixíssimo nível intelectual e cívico é
bem tolerado, porque é parte da
decadência cultural que há 30
anos assola o país todo, com voracidade sempre maior. Mas a vileza, caracterizada no compra-e-
vende com a Presidência da República, repugna e revolta.
À parte, porém, as fraquezas
morais dos dois lados desse comércio, há uma de natureza bem
diversa. E que constitui outro fato
a marcar esse período, quando
dele a história se ocupar (por um
brazilianist, claro). É a fraqueza
que leva à necessidade de comprar para obter o apoio, mesmo
que dos componentes da chamada base parlamentar do governo.
Para não ir muito longe, lembremos a formação do ministério
de Tancredo Neves. Houve composições, mas ninguém ouviu ou
leu algum líder partidário fazendo alguma exigência. Nem foi
constatada a existência de um
balcão visitado dia e noite por
pretendentes e representantes de
grupos.
Quando Sarney montou seu ministério, em substituição ao herdado de Tancredo, ficou sob as
pressões do confronto entre o
PMDB de Ulysses e o futuro PFL.
Teve que negociar muito, mas não
se viu a perversão das composições políticas pelo comércio. Collor, por sua vez, não montou um
ministério, mesmo. Montou uma
idiotia com finalidades ministeriosas. Itamar Franco armou seu
ministério com as composições
tradicionais, sem amesquinhar-se
ou aviltar a Presidência. Não cedeu nada que não desejasse consentir.
Com Fernando Henrique, as
montagens dos ministérios têm sido espetáculos de falta de escrúpulos. Uns exigem, outros achacam, outros chantageiam - e um
paga, cede, dá, entrega, deixa tomar. Tudo às escâncaras, em declarações públicas, em entra e sai
de casa comercial. Os ministérios
são montados como as aprovações são obtidas no Congresso.
O que leva a isso, no entanto,
não é só fraqueza moral. A compra é o meio de obtenção quando
falta, para isso, o meio próprio: a
capacidade de liderança, o reconhecimento como comandante
firme e competente, em resumo, a
força política. São as qualidades
que têm explicado Antonio Carlos
Magalhães, Tancredo Neves,
Ulysses Guimarães, Carlos Lacerda, Leonel Brizola, Miguel Arraes,
por exemplo.
Já Fernando Henrique é exemplar em sentido oposto: consideradas aquelas características citadas e os métodos a que precisa recorrer, é o mais fraco de todos os
presidentes. E o mais espantoso é
que conta com um instrumento
que nenhum outro teve fora do regime militar: a força da unanimidade dos meios de comunicação.
Há mais atrações no espetáculo
governamental do que sua sedução real pelo FMI e pela globalização.
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