São Paulo, domingo, 27 de dezembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RETROSPECTIVA
Presidente tucano tem base de apoio heterogênea
Perfil de conciliador é marca de FHC em seu primeiro mandato

do Conselho Editorial


A deputada Maria da Conceição Tavares (PT-RJ) costuma lembrar que, desde os tempos já algo remotos em que era apenas acadêmico, Fernando Henrique Cardoso sempre tentou a síntese entre posições que, não raro, eram absolutamente antagônicas.
O acadêmico virou político, o político virou presidente, mas o conciliador continua encarnado e dominante em FHC. Talvez tenha sido exatamente essa a mais forte marca de seu primeiro mandato.
O presidente gastou seu tempo tentando conciliar as posições de sua heterogênea base de apoio parlamentar.
O próprio FHC, ao falar do futuro, confirma indiretamente que esse foi o seu grande trabalho durante o primeiro período de governo.
"Não vou gastar meu tempo em convencer as pessoas; espero que elas já estejam convencidas", disse, na quarta-feira, ao anunciar o novo-velho ministério, em alusão à saliva gasta com seus aliados.
É verdade que a expressão "gastar tempo" nem sempre figura no vocabulário do presidente, mesmo em seu trabalho de síntese entre posições inconciliáveis. Para ele, "numa democracia complexa como a brasileira, não se avança sem que se juntem as forças, sem que haja um sistema de alianças, às vezes até contraditório, mas que tenha uma resultante".
O problema é saber se, primeiro, houve de fato avanços e, segundo, qual a resultante de seus esforços de conciliação.
A primeira questão receberá diferentes respostas conforme o gosto de cada qual, mas, de todo modo, o fato de FHC ter recebido um segundo mandato permite inferir que uma maioria, ainda que relativa, acha que houve, sim, avanços.
Já a segunda questão tem resposta negativa no próprio governo, ao menos quando de suas discussões internas mais íntimas.
Em 95, um encontro de intelectuais tucanos chegava concluiu não que não havia um rumo no governo, mas que a sociedade não tinha certeza de qual era a direção seguida. Nada ocorreu, de lá para cá, a permitir uma reavaliação.
FHC tentou ser conciliador também na economia -ou foi obrigado a isso. O presidente tomou posse dez dias depois do colapso do peso mexicano de dezembro de 1994, no primeiro sinal de que a instabilidade financeira planetária havia chegado para ficar.
O governo viu-se obrigado a segurar a economia, para evitar que o consumo excessivo estourasse as contas externas e tornasse o real vulnerável.
Daí em diante, FHC foi forçado, pelos acontecimentos externos, a tentar a conciliação entre a necessidade de atrair capitais externos e, com eles, financiar as contas internacionais do país e a necessidade de empurrar o crescimento econômico interno que esbarrava justamente no limitado teto dado pela debilidade externa sempre que a economia se aquecia.
Nesse capítulo, a conciliação revelou-se francamente impossível. A balança comercial (diferença entre exportações e importações) pulou de um superávit de US$ 10,5 bilhões em 94 para um déficit de US$ 6 bilhões este ano.
A conta corrente (o conjunto das transações com o exterior) saiu de um déficit modesto em 94 (US$ 1,7 bilhão) para US$ 34 bilhões em 98.
Nem por isso o país está crescendo ao ritmo minimamente necessário para evitar que o desemprego aumente. Ao contrário: o próprio governo admite que, no primeiro ano da segunda gestão FHC, a economia brasileira sofrerá uma contração de 1% (ou seja, produzirá 1% menos em bens e serviços do que o fez em 98, um ano já fraco).
FHC pode jurar que, na política, seu primeiro mandato encerrou a fase de conciliação. Mas não pode fazer idêntica promessa em relação à economia, até porque não controla todas as variáveis.
(CLÓVIS ROSSI)


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.