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PESQUISA
Resultado contraria tese de que camada social estaria voltando à escola gratuita; "Quem pode evita", diz pesquisador
Classe média foge de serviço público em SP
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
As classes média e média alta fugiram dos serviços públicos de
educação e saúde na região metropolitana de São Paulo durante
o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Os dados foram revelados por
uma pesquisa inédita publicada
pelo Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada), de autoria
do professor de economia da Universidade de Brasília Carlos Alberto Ramos.
Entre 1994 e 1998, caiu de
28,06% para 18,49% o percentual
da faixa mais rica dos estudantes
que frequenta a escola pública dos
ensinos fundamental e médio (até
o final do segundo grau), mostra
o estudo feito com base em estatísticas da Fundação Seade.
O fenômeno foi observado entre os 10% mais ricos da população, que ganhavam em média R$
2.011,28 por mês, segundo dados
do IBGE do ano passado. Os resultados do estudo do professor
desbancam a tese, pelo menos para a região metropolitana de São
Paulo, de que a classe média estaria voltando para a rede pública
de escolas.
"Quem pode evita"
"A tendência é muito clara:
quem pode pagar o ensino privado ou o seguro saúde evita usar o
sistema público", disse o pesquisador à Folha. Para Ramos, a fuga
do serviço público pode ser explicada pela queda de qualidade do
atendimento nos postos de saúde
e nas escolas do governo.
"Obviamente, a resposta tem de
estar associada a um problema de
qualidade, visto que o serviço público é gratuito", responde Ramos, após se perguntar, no seu relatório, por que quem frequenta o
serviço gratuito são as crianças e
adolescentes mais pobres.
O que mais surpreendeu os especialistas consultados pela Folha
é que, mesmo entre as camadas
mais pobres, a frequência nas escolas privadas aumentou entre
1994 e 1998.
Entre os 10% mais pobres, o uso
da rede pública caiu de 99,15%,
em 1994, para 98,12%, em 1998.
Para representantes do governo,
esse comportamento é muito improvável.
"É complicada essa tendência,
pois sabemos que esse período foi
marcado por um empobrecimento da classe média", diz Geraldo
Biasoto, secretário de Gestão e Investimento do Ministério da Saúde e professor de economia da
Unicamp.
Saúde
Com relação ao uso da saúde
pública, o comportamento é um
pouco diferente. No topo da pirâmide, ou seja, entre os mais ricos,
houve um aumento generalizado
do uso de serviços médicos privados. Entre os mais pobres, aumentou o uso da rede pública.
Em 1994, 84,03% dos 10% mais
ricos usaram apenas a rede privada para se tratar. Quatro anos depois, esse percentual subiu para
96,54%.
"Como em educação, os dados
referentes aos gastos em saúde indicam uma verdadeira fuga do
sistema público no anos 90, podendo ser a manifestação de uma
queda na qualidade", conclui o
responsável pela pesquisa.
A principal preocupação de Ramos é sobre o impacto desse comportamento no futuro. "A perda
de qualidade e a migração podem
gerar um círculo vicioso", diz ele.
Na sua opinião, os setores mais
abastados teriam mais condições
de cobrar a melhoria da qualidade
dos serviços públicos.
Uma das questões mais polêmicas sobre a tendência apontada
pelo pesquisador é que nesse período o custo da educação e da
saúde foi um dos que mais subiram em São Paulo. Mesmo com o
preço mais alto, a maioria da população de classe média e alta preferiu pagar pelo o atendimento.
Inflação
Segundo o IPC (Índice de Preço
ao Consumidor) da região metropolitana de São Paulo, entre julho
de 1994 e julho de 1998, a inflação
foi de quase 58%. O custo da educação, no entanto, subiu 122%, e o
da saúde, 93,5%.
No caso da educação, dos dez
estratos de renda em que Ramos
dividiu a sociedade, em apenas
três houve aumento do uso da rede pública. Esses podem ser os casos em que a família teve de tirar o
filho do ensino pago por questões
financeiras.
O quarto, sétimo e oitavo grupos sociais são os que aumentaram o uso da rede pública de ensino. Essas camadas ganham respectivamente uma renda mensal
média de R$ 299,60, R$ 444,60 e
R$ 536,60. Na divisão feita por Ramos, o primeiro estrato é o mais
pobre, e o décimo, o mais rico.
"Os dados são instigantes e precisam ser analisados com mais
profundidade", afirmou o diretor
de Estudos Sociais do Ipea, Ricardo Paes de Barros.
Para ele, no entanto, é errado inferir que o comportamento se deu
por uma queda de qualidade do
serviço público.
De acordo com Paes de Barros,
há outras hipóteses que podem
ser levantadas para explicar o fenômeno. "A qualidade do serviço
público, por exemplo, pode ter até
aumentado. Só que a qualidade
do serviço privado melhorou
muito mais", declarou o diretor
do Ipea.
"Não se pode negar, no entanto,
que o serviço privado só existe se
for melhor ou tiver um marketing
muito bom. Ninguém vai pagar
uma escola se pode frequentar
uma tão boa de graça", disse Paes
de Barros.
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