São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PESQUISA
Resultado contraria tese de que camada social estaria voltando à escola gratuita; "Quem pode evita", diz pesquisador

Classe média foge de serviço público em SP

ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As classes média e média alta fugiram dos serviços públicos de educação e saúde na região metropolitana de São Paulo durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Os dados foram revelados por uma pesquisa inédita publicada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de autoria do professor de economia da Universidade de Brasília Carlos Alberto Ramos.
Entre 1994 e 1998, caiu de 28,06% para 18,49% o percentual da faixa mais rica dos estudantes que frequenta a escola pública dos ensinos fundamental e médio (até o final do segundo grau), mostra o estudo feito com base em estatísticas da Fundação Seade.
O fenômeno foi observado entre os 10% mais ricos da população, que ganhavam em média R$ 2.011,28 por mês, segundo dados do IBGE do ano passado. Os resultados do estudo do professor desbancam a tese, pelo menos para a região metropolitana de São Paulo, de que a classe média estaria voltando para a rede pública de escolas.

"Quem pode evita"
"A tendência é muito clara: quem pode pagar o ensino privado ou o seguro saúde evita usar o sistema público", disse o pesquisador à Folha. Para Ramos, a fuga do serviço público pode ser explicada pela queda de qualidade do atendimento nos postos de saúde e nas escolas do governo.
"Obviamente, a resposta tem de estar associada a um problema de qualidade, visto que o serviço público é gratuito", responde Ramos, após se perguntar, no seu relatório, por que quem frequenta o serviço gratuito são as crianças e adolescentes mais pobres.
O que mais surpreendeu os especialistas consultados pela Folha é que, mesmo entre as camadas mais pobres, a frequência nas escolas privadas aumentou entre 1994 e 1998.
Entre os 10% mais pobres, o uso da rede pública caiu de 99,15%, em 1994, para 98,12%, em 1998. Para representantes do governo, esse comportamento é muito improvável.
"É complicada essa tendência, pois sabemos que esse período foi marcado por um empobrecimento da classe média", diz Geraldo Biasoto, secretário de Gestão e Investimento do Ministério da Saúde e professor de economia da Unicamp.

Saúde
Com relação ao uso da saúde pública, o comportamento é um pouco diferente. No topo da pirâmide, ou seja, entre os mais ricos, houve um aumento generalizado do uso de serviços médicos privados. Entre os mais pobres, aumentou o uso da rede pública.
Em 1994, 84,03% dos 10% mais ricos usaram apenas a rede privada para se tratar. Quatro anos depois, esse percentual subiu para 96,54%.
"Como em educação, os dados referentes aos gastos em saúde indicam uma verdadeira fuga do sistema público no anos 90, podendo ser a manifestação de uma queda na qualidade", conclui o responsável pela pesquisa.
A principal preocupação de Ramos é sobre o impacto desse comportamento no futuro. "A perda de qualidade e a migração podem gerar um círculo vicioso", diz ele. Na sua opinião, os setores mais abastados teriam mais condições de cobrar a melhoria da qualidade dos serviços públicos.
Uma das questões mais polêmicas sobre a tendência apontada pelo pesquisador é que nesse período o custo da educação e da saúde foi um dos que mais subiram em São Paulo. Mesmo com o preço mais alto, a maioria da população de classe média e alta preferiu pagar pelo o atendimento.

Inflação
Segundo o IPC (Índice de Preço ao Consumidor) da região metropolitana de São Paulo, entre julho de 1994 e julho de 1998, a inflação foi de quase 58%. O custo da educação, no entanto, subiu 122%, e o da saúde, 93,5%.
No caso da educação, dos dez estratos de renda em que Ramos dividiu a sociedade, em apenas três houve aumento do uso da rede pública. Esses podem ser os casos em que a família teve de tirar o filho do ensino pago por questões financeiras.
O quarto, sétimo e oitavo grupos sociais são os que aumentaram o uso da rede pública de ensino. Essas camadas ganham respectivamente uma renda mensal média de R$ 299,60, R$ 444,60 e R$ 536,60. Na divisão feita por Ramos, o primeiro estrato é o mais pobre, e o décimo, o mais rico.
"Os dados são instigantes e precisam ser analisados com mais profundidade", afirmou o diretor de Estudos Sociais do Ipea, Ricardo Paes de Barros.
Para ele, no entanto, é errado inferir que o comportamento se deu por uma queda de qualidade do serviço público.
De acordo com Paes de Barros, há outras hipóteses que podem ser levantadas para explicar o fenômeno. "A qualidade do serviço público, por exemplo, pode ter até aumentado. Só que a qualidade do serviço privado melhorou muito mais", declarou o diretor do Ipea.
"Não se pode negar, no entanto, que o serviço privado só existe se for melhor ou tiver um marketing muito bom. Ninguém vai pagar uma escola se pode frequentar uma tão boa de graça", disse Paes de Barros.


Texto Anterior: Romeiros param e agradecem final de percurso
Próximo Texto: Órgãos do governo discordam de conclusões de pesquisa do Ipea
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.