São Paulo, domingo, 28 de março de 2004

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CAMPO MINADO

Sem-terra lembram massacre de Eldorado do Carajás, em 96

MST dá início em 2 Estados a onda de invasões pelo país

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Trabalhadores sem terra de Avaré (interior de São Paulo) seguem em ônibus para invadir a fazenda do empresário Ricardo Mansur


LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A AVARÉ (SP)

Cento e cinqüenta sem-terra invadiram ontem a fazenda São Gonçalo, na cidade de Avaré (a 260 km de São Paulo). O MST também entrou em uma propriedade em Ribeirão Preto e em outras três fazendas em Pernambuco (leia texto abaixo), iniciando nova onda de invasões pelo país.
A ação, que se estenderá até o dia 17 de abril, foi anunciada para lembrar o massacre de Eldorado do Carajás, em 1996, quando 19 sem-terra foram mortos em confronto com a Polícia Militar.
A fazenda São Gonçalo pertence ao empresário Ricardo Mansur, ex-dono do Mappin, da Mesbla e do banco Crefisul, entre outros empreendimentos.
Moradores da periferia de Avaré, os sem-terra chegaram à fazenda às 5h -a Folha acompanhou a invasão. Desembarcaram silenciosamente dos quatro ônibus, cinco caminhões e 15 automóveis que os levaram até a propriedade. Na escuridão, homens, mulheres, crianças e até uma jovem mãe de 14 anos, com um bebê de nove dias no colo, esgueiravam-se pela propriedade, enquanto uma comissão de frente do MST, composta por cinco homens e um facão, dirigiu-se à casa do administrador da fazenda, Adilson Bonifácio de Oliveira, 30.
Dez minutos depois, o militante Marcelo Netto Rodrigues, 30, retornou: "Vamos descer, pessoal! Já sabem que esta fazenda está sob o controle do MST".
A invasão começou a ser preparada há quatro meses, quando desembarcaram em Avaré quatro militantes vindos de outros assentamentos. Vinham se juntar a Marcelo Netto e a Marcelo Antonio Grego, 34, que se mudaram para a cidade há dois anos com o propósito de iniciar a doutrinação da população pobre. Nos quatro meses, os ativistas bateram de porta em porta, explicando o que é o MST e convidando os moradores a comparecer às reuniões preparatórias da invasão.

Destino incerto
"Terra Prometida", "Terra sem Males" ou terra, apenas, sem adjetivos. A promessa do MST aos pobres exige deles uma confiança cega. Um exemplo: até o momento em que os ônibus transpuseram a porteira da São Gonçalo, nenhum dos sem-terra sabia qual era seu destino. Questão de segurança. O vazamento dessa informação colocaria de sobreaviso o fazendeiro e seus capatazes. Os homens nos ônibus especulavam sobre o alvo: "E se for fazenda de areia?", perguntava um deles. O medo era que a aventura desembocasse em terras inférteis.
Se a polícia resolvesse aparecer perguntando para onde se dirigia aquele comboio, a resposta-padrão seria: "Estamos indo em excursão para Ribeirão Preto". E a polícia apareceu. E perguntou. Também pudera. O comboio era mais do que suspeito. Caminhões de mudança numa excursão? E a frota bizarra de automóveis fora de linha? Tinha um Ford Belina, Chevrolet Caravan, Volkswagen Brasília, Variants, Opalas. Todos cheio de gente, fogareiros, alimentos para muitos dias. O militante do MST conhecido por Barney deu a resposta-padrão, os PMs ouviram e, céticos, disseram que torciam para que os sem-terra fossem felizes na sua nova vida.

Alvo fácil
As terras de Mansur foram escolhidas como alvo por sua situação anômala: o dono deve R$ 200 milhões à União. A dívida total supera a casa de R$ 1,2 bilhão. Em razão da dívida, a Justiça decretou a indisponibilidade dos bens de Mansur. A fazenda, no entanto, foi passada para o nome das duas filhas do empresário. A São Gonçalo emprega nove funcionários, todos ganhando R$ 250. Nenhum tem registro em carteira.
Na sexta-feira, os militantes do MST percorreram toda a periferia de Avaré. Iam atrás dos 750 cidadãos que haviam comparecido a pelo menos uma das cinco reuniões preparatórias e que haviam se inscrito para fazer a invasão. Foram muitas defecções. Cerca de 600 desistências de última hora, coisa explicável pela natureza desta invasão: diferentemente de outros acampamentos que têm por base populações sem-teto, este seria feito com trabalhadores muito pobres, a maioria desempregada, mas que moram em casas, conseguem trabalhos temporários em fazendas da região, têm filhos na escola. Por maior que seja a penúria, é difícil largar tudo para se aventurar num acampamento que pode acabar em bangue-bangue com os seguranças das fazendas. Muitos têm medo.
Os 150 renitentes começaram sua jornada às 17h de sexta-feira, quando entregaram enxadas, pás, cestas básicas, roupas, fogões, colchões e o plástico preto que lhes servirá de teto enquanto durar o acampamento aos caminhões de mudança contratados pelo MST.
Após a invasão, os integrantes do MST organizavam a primeira assembléia. Didáticos, explicavam para os acampados que o correto é levantar o braço esquerdo, e que não vale se confundir, enquanto se grita a plenos pulmões: "MST, a luta é pra valer!". "Vamos repetir três vezes: ocupar, resistir, produzir!"
A Folha não encontrou Mansur ontem. Deixou um recado no telefone do advogado Fábio Coutinho Kurtz, que o representou em uma ação, mas não teve resposta.



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