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NO PLANALTO
Decisão do STF dificulta defesa do erário
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A imoralidade é mais veloz do que todas as leis
baixadas em seu nome. É assim
desde Moisés, cujo código de leis,
longe de melhorar a natureza do
ser humano, ofereceu-lhe as primeiras dez idéias de perversão.
Na administração pública, as
irregularidades são tão freqüentes que toda tentativa de governo
termina por converter-se num
ato de depravação. Está aí o ex-PT, que não nos deixa mentir.
Em 1992, aprovou-se uma lei
(8.443) para tentar inibir a desenvoltura dos atentados contra
o erário. Trouxe no parágrafo 1º
de seu artigo 55 um estímulo ao
engajamento social.
Estabelece que qualquer brasileiro pode denunciar impropriedades administrativas ao TCU
sem que seu nome seja revelado.
Desde então, 11.600 cidadãos protocolaram representações no Tribunal de Contas da União.
Não são denúncias anônimas.
Estão formalizadas em documentos assinados. Contêm o nome e a qualificação do acusador.
Dados que são mantidos em sigilo para evitar retaliações dos denunciados.
Mais de 50% das denúncias sigilosas revelaram-se verdadeiras.
Resultaram na correção de centenas de malfeitorias. Inspiraram a
aplicação de mais de 4.000 multas a gestores relapsos.
No dia 3 de dezembro de 2003,
o STF decidiu que o mecanismo
da denúncia sigilosa é inconstitucional. O veredicto produz efeitos
nefastos. Brasileiros que confiaram na proteção legal encontram-se ao relento. Aconteceu assim:
1) em novembro de 2001, o advogado Pedro Duarte Neto encaminhou ao TCU denúncia de supostas irregularidades praticadas pela Diretoria de Portos e
Costas da Marinha. Funcionário
da repartição, Duarte Neto pediu
a preservação de sua identidade.
Foi atendido;
2) auditores do TCU puseram
mãos à obra. Atestaram a veracidade do grosso das denúncias.
Giravam em torno de convênio
firmado com uma entidade chamada Femar (Fundação de Estudos do Mar). Envolve gastos superiores a R$ 4 milhões;
3) o convênio deveria contemplar atividades relacionadas ao
"ensino profissional marítimo".
Mas resvalou para a contratação
imprópria de pessoal e de serviços;
4) verificou-se que, à sombra do
convênio, contrataram-se os serviços do escritório de advocacia
de um oficial da reserva da Marinha. A Diretoria de Portos e Costas, porém, possui assessoria jurídica própria. Não poderia, diz o
TCU, servir-se dos préstimos advocatícios de terceiros;
5) contrataram-se também oficiais da reserva da Marinha para
postos de gerência na repartição
auditada. Emitiam recibos de
autônomos, embora trabalhassem como funcionários efetivos;
6) terceirizaram-se atividades
relativas a inspeção e vistoria de
navios. A lei "não autoriza a concessão dessa atividade", diz o
TCU. Deve ser executada por
"oficiais da ativa" da Marinha;
7) despesas com passagens, diárias e hospedagem eram comprovadas mediante emissão de recibos. Não houve a apresentação
de "documentos específicos" que
atestassem a regularidade dos
gastos;
8) parte dos dispêndios era "imprópria". A entidade beneficiária
do convênio recebia indevidamente, por exemplo, valores a título de "taxa de administração".
Tiveram de ser suspensos;
9) o relatório de auditoria do
TCU anota que não foi constatada "má-fé" dos gestores da Diretoria de Portos e Costas. As falhas
teriam decorrido da carência de
pessoal. Uma responsabilidade
do comando da Marinha;
10) em decisão de março de
2002, o plenário do TCU ordenou
ao governo que providenciasse
uma correção de rumos. Várias
impropriedades foram revertidas
ainda no curso das apurações;
11) a despeito dos benefícios
proporcionados pela denúncia, o
vice-almirante Euclides Ducan
Janot de Matos, na época diretor
de Portos e Costas da Marinha,
requisitou ao TCU o nome do denunciante. Considerou-se ofendido em sua honra. Buscaria reparação judicial;
12) o TCU negou-se a dedurar
Pedro Duarte Neto. A denúncia,
disse, fora "legítima". O oficial
Janot de Matos havia sido investigado "na condição de responsável pela gestão de recursos públicos, e não como pessoa física";
13) inconformado, o vice-almirante recorreu ao STF. E o Supremo ordenou, em dezembro de
2003, que fosse quebrado o sigilo
do denunciante. Considerou inconstitucional o artigo da lei que
lhe assegurava o anonimato;
14) em ofício endereçado ao
STF, o TCU pediu a suspensão
dos efeitos da decisão. Uma tolice. Certas ou erradas, sentenças
terminativas do Supremo não
comportam recursos;
15) o TCU informou no texto ao
Supremo que "a declaração de
inconstitucionalidade deixou à
própria sorte os mais de 11 mil denunciantes" que confiaram na lei
do sigilo. "A segurança física e jurídica desses colaboradores do
Estado não deve ser esquecida.
Nas cidades interioranas, denunciantes ficam à mercê das mais
diversas formas de coação e de
truculência";
16) em 9 de fevereiro de 2004, o
TCU viu-se forçado a expedir certidão pública na qual informa o
nome, o CPF e o RG de Pedro
Duarte. Um dia depois, endereçou ao denunciante carta alertando que seu nome fora entregue ao vice-almirante Janot de
Matos;
17) inspirados no precedente,
dirigentes do TRE de Sergipe solicitaram ao TCU o nome do funcionário que denunciou a prática
de nepotismo naquele tribunal.
Uma denúncia que, como no caso da Marinha, também restou
comprovada.
A decisão do STF golpeou de
morte um mecanismo que, a despeito das imperfeições, auxiliava
na proteção ao erário. Foi mais
uma derrota da lei na corrida
contra as perversões administrativas.
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