São Paulo, domingo, 28 de março de 2004

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1964 - 40 ANOS DO GOLPE - 2004

Documentos revelam ação de Médici e Nixon para barrar esquerda no Uruguai; EUA têm amplo arquivo sobre regime militar

Brasil e EUA evoluíram para "namoro"

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

Um dos últimos documentos liberados pelo governo dos Estados Unidos sobre o regime militar brasileiro revela que a participação americana no Brasil não se limitou a monitorar a derrubada do governo de João Goulart, em 31 de março de 1964.
O envolvimento entre os dois países evoluiu, nos anos seguintes, para uma relação entre ""namorados".
O termo foi usado pelo presidente militar brasileiro, Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), durante encontro que teve, em dezembro de 1971, com o então assessor da Casa Branca para Assuntos de Segurança Nacional, Henry Kissinger.
Documentos do National Security Achives (NSA), uma das inúmeras fontes de informação nos Estados Unidos sobre o regime militar brasileiro, revelam que Médici e o presidente americano Richard Nixon (1969-1974) atuaram em conjunto -com uma participação menor da Argentina- para evitar a vitória da esquerda no Uruguai em 1971.

Médici vai a Washington
Nixon ficou tão impressionado com o comprometimento de Médici com os planos hegemônicos dos Estados Unidos para a América Latina que afirmou ao seu secretário de Estado, William Rogers: ""Gostaria que ele [Médici] estivesse mandando em todo o Continente" (leia trecho do diálogo nesta pág.).
A ação de Médici e Nixon para influenciar a derrota do partido de esquerda Frente Amplio no Uruguai culminou com uma visita do presidente brasileiro a Washington entre os dias 7 e 9 de dezembro de 1971, quando os votos no vizinho brasileiro ainda estavam sendo contados.
Um dia antes de visitar a Casa Branca, Médici disse a Kissinger que eventuais desentendimentos entre Estados Unidos e Brasil deveriam ser considerados como ""briga de namorados", segundo memorando produzido pelo Conselho de Segurança Nacional dos EUA.
Documentos do Departamento de Estado norte-americano mostram que foi Médici quem colocou o Uruguai na lista de ""Problemas no Hemisfério" que seriam discutidos com Nixon.
Dias depois, o Uruguai anunciaria a vitória do candidato apoiado pelos EUA, Juan María Bordaberry, e um distante terceiro lugar para o Frente Amplio.
Bordaberry deu amplo poder aos militares, que iniciaram uma violenta repressão no Uruguai até que depuseram o próprio presidente, em 1976.
Segundo documentos do NSA, logo depois, Nixon comentaria com o então premiê britânico, Edward Heath: ""O Brasil ajudou a fraudar a eleição no Uruguai".

História revelada
ONGs, órgãos como o NSA e bibliotecas presidenciais nos EUA, como a de Lyndon Johnson (1963-1969) e a de John Fitzgerald Kennedy (1961-1963), guardam milhares de documentos sobre o regime militar no Brasil e sobre a participação americana na derrubada de João Goulart em 64 -o que torna mais profícua a pesquisa sobre o período nos Estados Unidos do que no Brasil.
Um diálogo gravado entre Lyndon Johnson e seu assessor George Reedy no dia 30 de março de 1964 mostra, por exemplo, que os EUA sabiam com alguma antecedência da ação que derrubaria Goulart no dia seguinte.
Na gravação, Lyndon Johnson afirma: ""Se explodir esta noite, com certeza você ficará sabendo amanhã de manhã", ao que Reddy responde: ""Certo. Nesse caso, precisamos de uma reação oficial... Mas, se não explodir essa noite,... acho que precisamos voltar ao planejado".
Segundo o escritor Michael Beachloss, autor do livro ""Taking Charge: The Johnson White House Tapes, 1963-64", onde a conversa foi revelada em 1997, Johnson foi avisado pela CIA (o serviço secreto dos EUA) sobre a iminência do golpe.
Com a liberação de uma série de arquivos e gravações sobre o assunto nos últimos anos, esse pequeno e específico pedaço da história brasileira está à venda hoje nos EUA por US$ 5.


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