|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
1964 - 40 ANOS DO GOLPE - 2004
Documentos revelam ação de Médici e Nixon para barrar esquerda no Uruguai; EUA têm amplo arquivo sobre regime militar
Brasil e EUA evoluíram para "namoro"
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
Um dos últimos documentos liberados pelo governo dos Estados
Unidos sobre o regime militar
brasileiro revela que a participação americana no Brasil não se limitou a monitorar a derrubada
do governo de João Goulart, em
31 de março de 1964.
O envolvimento entre os dois
países evoluiu, nos anos seguintes, para uma relação entre ""namorados".
O termo foi usado pelo presidente militar brasileiro, Emílio
Garrastazu Médici (1969-1974),
durante encontro que teve, em
dezembro de 1971, com o então
assessor da Casa Branca para Assuntos de Segurança Nacional,
Henry Kissinger.
Documentos do National Security Achives (NSA), uma das inúmeras fontes de informação nos
Estados Unidos sobre o regime
militar brasileiro, revelam que
Médici e o presidente americano
Richard Nixon (1969-1974) atuaram em conjunto -com uma
participação menor da Argentina- para evitar a vitória da esquerda no Uruguai em 1971.
Médici vai a Washington
Nixon ficou tão impressionado
com o comprometimento de Médici com os planos hegemônicos
dos Estados Unidos para a América Latina que afirmou ao seu secretário de Estado, William Rogers: ""Gostaria que ele [Médici]
estivesse mandando em todo o
Continente" (leia trecho do diálogo nesta pág.).
A ação de Médici e Nixon para
influenciar a derrota do partido
de esquerda Frente Amplio no
Uruguai culminou com uma visita do presidente brasileiro a Washington entre os dias 7 e 9 de dezembro de 1971, quando os votos
no vizinho brasileiro ainda estavam sendo contados.
Um dia antes de visitar a Casa
Branca, Médici disse a Kissinger
que eventuais desentendimentos
entre Estados Unidos e Brasil deveriam ser considerados como
""briga de namorados", segundo
memorando produzido pelo
Conselho de Segurança Nacional
dos EUA.
Documentos do Departamento
de Estado norte-americano mostram que foi Médici quem colocou o Uruguai na lista de ""Problemas no Hemisfério" que seriam
discutidos com Nixon.
Dias depois, o Uruguai anunciaria a vitória do candidato apoiado
pelos EUA, Juan María Bordaberry, e um distante terceiro lugar
para o Frente Amplio.
Bordaberry deu amplo poder
aos militares, que iniciaram uma
violenta repressão no Uruguai até
que depuseram o próprio presidente, em 1976.
Segundo documentos do NSA,
logo depois, Nixon comentaria
com o então premiê britânico,
Edward Heath: ""O Brasil ajudou a
fraudar a eleição no Uruguai".
História revelada
ONGs, órgãos como o NSA e bibliotecas presidenciais nos EUA,
como a de Lyndon Johnson
(1963-1969) e a de John Fitzgerald
Kennedy (1961-1963), guardam
milhares de documentos sobre o
regime militar no Brasil e sobre a
participação americana na derrubada de João Goulart em 64 -o
que torna mais profícua a pesquisa sobre o período nos Estados
Unidos do que no Brasil.
Um diálogo gravado entre
Lyndon Johnson e seu assessor
George Reedy no dia 30 de março
de 1964 mostra, por exemplo, que
os EUA sabiam com alguma antecedência da ação que derrubaria
Goulart no dia seguinte.
Na gravação, Lyndon Johnson
afirma: ""Se explodir esta noite,
com certeza você ficará sabendo
amanhã de manhã", ao que
Reddy responde: ""Certo. Nesse
caso, precisamos de uma reação
oficial... Mas, se não explodir essa
noite,... acho que precisamos voltar ao planejado".
Segundo o escritor Michael
Beachloss, autor do livro ""Taking
Charge: The Johnson White House Tapes, 1963-64", onde a conversa foi revelada em 1997, Johnson foi avisado pela CIA (o serviço secreto dos EUA) sobre a iminência do golpe.
Com a liberação de uma série de
arquivos e gravações sobre o assunto nos últimos anos, esse pequeno e específico pedaço da história brasileira está à venda hoje
nos EUA por US$ 5.
Texto Anterior: 1964 - 40 anos do golpe - 2004: O movimento militar foi apenas um DKW azul Próximo Texto: Defesa: Russos devem vencer licitação F-X da FAB Índice
|