São Paulo, domingo, 28 de abril de 2002

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ELEIÇÃO ENGESSADA

TSE ignorou diferenças entre Estados, diz cientista político

Poderes regionais afrontam verticalização das alianças

PAULO PEIXOTO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE

A decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de verticalizar as coligações, que teve o alegado propósito de fortalecer nacionalmente os partidos, gerou uma celeuma. Do PT ao PFL, todos têm dificuldades para formar alianças para a disputa presidencial. Os "vilões" seriam os Estados.
O pré-candidato do PSDB, José Serra, enfrenta dificuldades para indicar o vice da sua chapa, que deve ser do PMDB. O PFL, após a derrocada de Roseana Sarney (MA), continua sem rumo claro. O PT de Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas, corre o risco de ficar sozinho no pleito. Tudo por causa dos Estados.
O TSE, ao só admitir coligações nos Estados entre partidos já coligados nacionalmente ou que, no plano federal, tenham se esquivado de fazer alianças, expôs a força do regionalismo político que, para cientistas sociais ouvidos pela Agência Folha, sempre existiu.
A força dos Estados "se torna mais evidente diante da patetice que o TSE fez. Isso é uma Federação. O país é heterogêneo. Os Estados têm realidades que são diversas. Na verdade, isso sempre foi parte importante do jogo de composições, com resultados no plano nacional." A colocação é do cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), para quem a coalizão pressupõe "um jogo complexo de acomodação entre interesses partidários diversos [no plano nacional] e, de maneira destacada, interesses regionais diversos".
Maria Hermínia Tavares de Almeida, cientista política da Universidade de São Paulo, disse que as composições eleitorais e as coalizões de governo sempre foram pautadas pelos interesses partidários e regionais no período democrático de 1946 a 1964 e a partir da redemocratização, em 1985.
"A única coisa que tornou mais complicado é que antes [da verticalização] havia mais flexibilidade para fazer essa composição, na medida em que a aliança nacional não precisava coincidir ponto por ponto com a aliança nos Estados. Mas as composições estaduais são importantes, sempre foram levadas em conta na composição do governo, distribuição dos ministérios, distribuição dos cargos."

Prioridade aos Estados
Mas, no cenário atual, as composições regionais têm evidenciado que, antes da aliança nacional de seus partidos, os políticos estão preocupados com a influência que exercem nas suas bases.
Por isso o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB), depois de trabalhar meses para ser vice de Serra, jogou a toalha. Temendo que fosse implodida a estrutura de sustentação política no seu Estado, da qual faz parte PMDB-PFL-PSDB, Jarbas preferiu ficar em Pernambuco. Deve se candidatar à reeleição.
Para completar o drama, a cúpula do PMDB enfrenta agora a resistência dos diretórios regionais, que querem que as pendengas locais sejam solucionadas antes de o vice de Serra ser indicado.
"A questão do vice deve ser consequência dos problemas estaduais". disse o senador Renan Calheiros, líder do PMDB no Senado, que tenta evitar o fim da aliança PMDB-PSDB-PSB em Alagoas.
O problema alagoano estaria solucionado caso não houvesse a verticalização. Se o PMDB apoiar Serra, o PSB em Alagoas não poderia fazer parte da aliança regional, já que o partido tem pré-candidato a presidente (Anthony Garotinho). Mas a solidez dessa aliança opõe o PMDB de Alagoas à cúpula nacional do partido
O filósofo e ex-presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), José Arthur Giannotti, disse não acreditar que seja verdadeira a colocação de que o político pensa primeiro na própria sobrevivência.
"Não creio. As questões regionais são sempre inconstantes. Agora, elas assumem uma importância maior na medida em que se esgota a hegemonia que o governo do Fernando Henrique Cardoso tinha articulado do centro para a direita." Segundo Giannotti, "como isso terminou, nós temos agora todo um processo de reorganização de uma nova hegemonia, que a meu ver nasce no centro. Hoje tem uma efervescência de partidos e problemas mais particulares. Então temos essa bagunça que está acontecendo". Sem a pauta que guiava os partidos que compunham a hegemonia construída pelo governo FHC, a desorientação atinge os Estados.
Por essa lógica, se o PFL estivesse afinado com o PSDB e Serra, algumas dificuldades regionais poderiam ser contidas pelo PMDB, por exemplo, que poderia se ver ameaçado de perder espaço na aliança. Seria imposto um freio aos Estados. Além disso, a aliança construída por FHC era guiada por alguma regra ou princípio.
Mas a realidade é outra. O PFL rompeu com o governo e está sem rumo. Admite apoiar o PSDB desde que Serra não seja o candidato, conforme disse na quinta o presidente do partido, Jorge Bornhausen (SC), baseado numa consulta aos deputados pefelistas. Como o PSDB não cede, a tendência é liberar os diretórios regionais.


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