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LIVRO/RESENHA
Em coletânea, Ciro dilui pistas de seu projeto para o país
GUSTAVO PATÚ
SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE REDAÇÃO
Uma espécie de piada ideológica afirma que, se alguém apregoa
que no mundo de hoje não há
mais diferenças relevantes entre
a esquerda e a direita, pode apostar: é de direita. Em um contraponto hipotético para a piada,
pode-se dizer que, para identificar um político de esquerda, deve-se procurar alguém tentando
definir o que é ser de esquerda no
mundo atual.
O tema tem seu lado bizantino,
mas tende a ser inevitável numa
eleição presidencial em que os
quatro principais pré-candidatos
se declaram representantes da
esquerda ou da centro-esquerda
e criticam, ainda que civilizadamente, o esquerdismo particular
de cada concorrente.
O livro "Um Desafio Chamado
Brasil", coletânea de artigos que
Ciro Gomes (PPS) lança hoje,
ajuda a entender o debate, ao
menos no contexto brasileiro.
Nos textos, publicados de 1995
a 99, Ciro não está propriamente
preocupado com os termos "esquerda" e "direita", mas trata de
demarcar seu território no campo ideológico nacional, do período em que fazia parte do governo
Fernando Henrique Cardoso até
sua ida para a oposição.
Vê FHC como traidor do projeto social-democrata do PSDB
-que deveria promover uma reforma profunda do Estado concentrador de renda, mas acabou
sucumbindo à aliança com as oligarquias regionais, ao medo de
desobedecer à visão neoliberal
do capital financeiro e ao desprezo pelo diálogo com a sociedade.
Ao mesmo tempo, rejeita o radicalismo, o populismo, o corporativismo e a contestação dogmática das privatizações. Diz que
o PT de Luiz Inácio Lula da Silva
se tornou um partido limitado a
dizer "não" ao governo e incapaz
de propostas concretas. "O Brasil
quer oposição. Mas não confia na
oposição que tem", sentencia.
O papel que Ciro reserva à oposição e -e, consequentemente, a
si próprio- é nada menos que:
1) elaborar um "projeto de país",
um "novo paradigma" para as
relações entre Estado e mercado,
um "modelo alternativo" que
possibilite crescimento econômico e distribuição de renda; e 2)
liderar uma mobilização popular
e intelectual que, entusiasmada
com o novo projeto, superaria as
barreiras impostas pelas elites
beneficiárias da situação atual.
Embora essa pregação esteja
diluída em praticamente todos
os 64 artigos reunidos no livro, as
pistas sobre o que tal estratégia
significaria em ações efetivas ainda são poucas.
Está lá, é verdade, a defesa do
aumento da taxa de poupança
nacional, por meio das reformas
dos sistemas de impostos e de
Previdência -ambas, aponta
Ciro, relegadas por FHC- e da
renegociação da dívida pública.
Presume-se que aqui estaria o
eixo principal de um governo Ciro: em português mais claro, organizar as contas do governo para que este deixe de consumir a
maior parte da poupança privada, permitindo direcioná-la ao
setor produtivo. Trata-se de um
objetivo ambicioso e respeitável,
mas não parece o bastante para
caracterizar um "novo paradigma" e, principalmente, para produzir o arrebatamento nacional
sonhado pelo presidenciável.
UM DESAFIO CHAMADO BRASIL.
Autor: Ciro Gomes. Editora: Civilização
Brasileira. Quanto: R$ 28 (304 págs.).
Lançamento: Hoje, às 20h, na livraria
Argumento (rua Dias Ferreira, 417
-Leblon - Rio de Janeiro)
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