São Paulo, quarta-feira, 28 de julho de 2004

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ELIO GASPARI

Meirelles precisa sair do Banco Central

O doutor Henrique Meirelles deve ser retirado da presidência do Banco Central. Deve deixar o cargo porque, graças ao repórter Weiller Diniz, descobriu-se que em 2001 ele não apresentou declaração de Imposto de Renda à Secretaria da Receita Federal, pois morava em Boston, onde presidia um grande banco americano. Nesse mesmo ano, Meirelles adquiriu um mandato de deputado federal pelo PSDB, informando à Justiça Eleitoral que residia em Goiânia. Meirelles explica: domicilio fiscal e domicilio eleitoral são coisas diferentes.
Tudo bem. No ano passado, Carlos Massad, presidente do Banco Central do Chile, teve de renunciar ao mandato porque seu fiel secretário extraía informações de seu computador para encantar uma namorada papeleira. Os mimos valeram US$ 100 milhões para a corretora onde a moça trabalhava. Massad poderia ter argumentado que a honorabilidade de um renomado acadêmico, presidente de Banco Central, é coisa diversa de um jovem secretário desonesto e apaixonado. O mandato do professor ia até 2007, mas tanto ele como o presidente Ricardo Lagos preferiram encerrá-lo.
Em abril, o presidente do Banco Central da Alemanha, Ernst Welteke, viu-se obrigado a renunciar porque no Ano Novo de 2002 aceitou uma boca livre de US$ 9.000 do Dresdner Bank. Acreditar que quatro diárias de um magnífico hotel de Berlim possam influenciar o comportamento do financista mais poderoso da Europa é coisa risível. São realmente coisas diversas. O salário do presidente do Bundesbank vai a US$ 400 mil anuais. Welteke deixou o cargo porque o episódio "afetou a reputação do banco e o exercício de suas responsabilidades".
Meirelles elegeu-se deputado por Goiás morando em Boston. Gastou R$ 887 mil do próprio bolso na campanha e teve 183 mil votos. Se um cidadão pretende representar o povo brasileiro na Câmara dos Deputados, o mínimo que se espera é que pague Imposto de Renda no país onde pretende legislar sobre os tributos dos outros. Boston foi o berço da Revolução Americana, aquela na qual se gritava "nenhuma taxação sem representação". O governo Lula ganhou com Meirelles um caso de representação sem taxação. O PT Federal faz o caminho inverso da infância do capitalismo americano, chega à senilidade vestindo calças curtas.
Pode-se entender que um garçom brasileiro que vive em Boston não declare Imposto de Renda à Receita e mantenha seu domicilio eleitoral em Governador Valadares. Não é esse o caso de Meirelles. Ao contrário do motorista de táxi, suas propriedades no Brasil devem ter produzido alguma renda em 2002. A reportagem de Weiller Diniz informa que há uma sensível discrepância entre o patrimônio que o candidato declarou publicamente ao TRE goiano em 2001 (R$ 45 milhões) e aquele que o banqueiro declarou sigilosamente à Receita em 2002 (R$ 96 milhões).
Meirelles tem um tique intelectual muito comum no andar de cima nacional. Gosta de contrapor as coisas do Brasil aos costumes dos "países civilizados", como se Pindorama ainda não tivesse terminado o seu vestibular civilizatório. Talvez fosse o caso de o doutor Meirelles se perguntar qual país, civilizado ou não, tem um presidente de Banco Central com as suas características domiciliares, tributárias e patrimoniais.


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