|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PERSONAGENS
Inês Romeu, mesmo solta pela anistia, não recebe pensão
Na prisão, historiadora tentou quatro vezes cometer suicídio
PATRICIA ZORZAN
da Reportagem Local
Presa aos 28 anos em maio de
1971, a historiadora Inês Etienne
Romeu comemora amanhã 20
anos de liberdade depois de
3.034 dias passados na prisão.
Torturada por sua participação na guerrilha armada, tentou
quatro vezes o suicídio para evitar o sofrimento e não falar a respeito de colegas, planos e segredos de sua organização. Teve negado seu pedido de declaração
de anistiada pelo governo Fernando Henrique Cardoso e, por
isso, não recebe pensão.
""Já tinha resolvido que não falaria nada e sabia que eles me
matariam, mas apenas depois de
muito sofrimento. Por isso me
atirei embaixo de um ônibus.
Queria dar minha vida pelo socialismo e isso me deu coragem", conta ela, que durante um
ano dividiu com Carlos Lamarca
e Herbert Eustáquio de Carvalho
a direção da VPR (Vanguarda
Popular Revolucionária).
Nem mesmo os médicos souberam explicar como, mas ela
sobreviveu ao atropelamento.
""Retiraram os pedaços de asfalto
da minha pele."
Encarregada do planejamento
de estratégias, segurança e transporte, teve pelo menos sete ""nomes de guerra", usados como
medida de proteção.
Havia se desligado alguns dias
antes da organização por discordar de decisões de Lamarca
quando foi capturada.
Substituiria um ""companheiro" em um encontro com uma liderança camponesa. Como ele já
havia sido preso e o local do encontro revelado, não houve tempo para reação no momento em
que foi agarrada pelas costas por
um agente comandado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury.
""Na organização, um colega já
sabia sobre a possibilidade de o
camponês ter sido preso. Me
usaram como bucha de canhão.
Dentro da esquerda também há
os éticos e os não-éticos."
Levada do hospital para uma
casa em Petrópolis -conhecida
como a "casa da morte"-, Inês
passaria 96 dias em cárcere privado sob tortura.
Choque elétrico, pau-de-arara
e espancamento foram alguns
dos métodos usados. ""Diziam
que minha morte seria a mais
lenta e cruel possível."
Carregando um revólver calibre 38, Inês participou de ações
como o sequestro de dois embaixadores e do que chama de ""expropriação" de um um carro e
de um banco. ""O dinheiro era
para a revolução."
Aos 57 anos, divorciada, faz segredo sobre o fato de ter matado
alguém. ""Se você está em guerra,
pode matar ou morrer. Não tem
importância dar nomes a quem
puxou o gatilho. Se todos estão
na luta, todos deram o tiro."
Condenada à prisão perpétua
por sua participação no sequestro do embaixador suíço, foi libertada pela Lei da Anistia.
Longe de partidos políticos,
hoje Inês é dona de uma pequena editora e aposta no MST como forma de mobilização.
""Entrar para a política seria explorar dor e sofrimento de cadáveres. Mas ainda sou socialista.
Se tiver de deixar de ser, não sei o
que sou."
Texto Anterior: Memória: Lei da Anistia completa 20 anos hoje Próximo Texto: Jornalista ficou preso em manicômio Índice
|