São Paulo, Sábado, 28 de Agosto de 1999
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PERSONAGENS
Inês Romeu, mesmo solta pela anistia, não recebe pensão
Na prisão, historiadora tentou quatro vezes cometer suicídio

PATRICIA ZORZAN
da Reportagem Local

Presa aos 28 anos em maio de 1971, a historiadora Inês Etienne Romeu comemora amanhã 20 anos de liberdade depois de 3.034 dias passados na prisão.
Torturada por sua participação na guerrilha armada, tentou quatro vezes o suicídio para evitar o sofrimento e não falar a respeito de colegas, planos e segredos de sua organização. Teve negado seu pedido de declaração de anistiada pelo governo Fernando Henrique Cardoso e, por isso, não recebe pensão.
""Já tinha resolvido que não falaria nada e sabia que eles me matariam, mas apenas depois de muito sofrimento. Por isso me atirei embaixo de um ônibus. Queria dar minha vida pelo socialismo e isso me deu coragem", conta ela, que durante um ano dividiu com Carlos Lamarca e Herbert Eustáquio de Carvalho a direção da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária).
Nem mesmo os médicos souberam explicar como, mas ela sobreviveu ao atropelamento. ""Retiraram os pedaços de asfalto da minha pele."
Encarregada do planejamento de estratégias, segurança e transporte, teve pelo menos sete ""nomes de guerra", usados como medida de proteção.
Havia se desligado alguns dias antes da organização por discordar de decisões de Lamarca quando foi capturada.
Substituiria um ""companheiro" em um encontro com uma liderança camponesa. Como ele já havia sido preso e o local do encontro revelado, não houve tempo para reação no momento em que foi agarrada pelas costas por um agente comandado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury.
""Na organização, um colega já sabia sobre a possibilidade de o camponês ter sido preso. Me usaram como bucha de canhão. Dentro da esquerda também há os éticos e os não-éticos."
Levada do hospital para uma casa em Petrópolis -conhecida como a "casa da morte"-, Inês passaria 96 dias em cárcere privado sob tortura.
Choque elétrico, pau-de-arara e espancamento foram alguns dos métodos usados. ""Diziam que minha morte seria a mais lenta e cruel possível."
Carregando um revólver calibre 38, Inês participou de ações como o sequestro de dois embaixadores e do que chama de ""expropriação" de um um carro e de um banco. ""O dinheiro era para a revolução."
Aos 57 anos, divorciada, faz segredo sobre o fato de ter matado alguém. ""Se você está em guerra, pode matar ou morrer. Não tem importância dar nomes a quem puxou o gatilho. Se todos estão na luta, todos deram o tiro."
Condenada à prisão perpétua por sua participação no sequestro do embaixador suíço, foi libertada pela Lei da Anistia.
Longe de partidos políticos, hoje Inês é dona de uma pequena editora e aposta no MST como forma de mobilização.
""Entrar para a política seria explorar dor e sofrimento de cadáveres. Mas ainda sou socialista. Se tiver de deixar de ser, não sei o que sou."


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