São Paulo, Sábado, 28 de Agosto de 1999
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Enfermeira foi torturada em parto

da Reportagem Local

A enfermeira Criméia Alice Schmidt de Almeida, 53, diz que o parto de seu único filho foi usado pelos militares como forma de tortura. O procedimento de corte e posteriormente de costura de um dos músculos da vagina para facilitar a passagem de bebês teria sido feito sem anestesia.
""Antes disso fiquei 27 horas com a bolsa rompida. A criança poderia ter sofrido insuficiência respiratória e morrer."
Criméia fez parte da guerrilha do Araguaia, um grupo de luta armada organizado pelo PC do B na fronteira entre Pará, Maranhão e Goiás. Abandonou o local aos três meses de gravidez.
Presa na casa da irmã, foi confundida com a empregada por duas semanas. ""Fingia que não sabia ler e escrever. Assinava com o polegar. Quando descobriram, apanhamos muito."
Antes da tortura, foi examinada por um médico que recomendou que ela não fosse atingida na barriga e nos órgãos genitais.
""Os interrogatórios são feitos com a gente nua. Fingia que estava vestida. Na hora em que é torturada, você só pensa em morrer. E eles lembram que não é para isso acontecer", conta.
Na tentativa de persuadi-la a falar, os agentes torturaram diante dela a própria irmã. ""É muito mal. Você sabe que não pode falar porque outro apanharia, mas dá angústia. Chegaram a me propor que rodasse a máquina de choque elétrico. Não fiz. É uma espécie de jogo para ver quem resiste mais."
Depois do nascimento de João Carlos, ameaçaram levá-lo para a Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) ou entregá-lo para ser criado por um militar. ""Ficava apavorada."
O pai da criança, André Grabois Ferreira, foi morto durante a campanha do exército contra a guerrilha é está entre os desaparecidos políticos do regime. João Carlos só veio a conhecê-lo adulto, aos 19 anos, durante a abertura dos arquivos do Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), em 1992.
Solta em 19 de abril de 73, Criméia nunca foi presa legalmente. ""Minha prisão foi um sequestro. Diziam que havia sido detida para averiguações, mas fui seguida até 80." Segundo ela, até 1991 há registros no governo sobre suas movimentações.
Militante do PT, ela conta que já votou em Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Mário Covas (PSDB) e Marta Suplicy (PT).
""Sou marxista e ainda acredito na luta de classes. Não me arrependo de nada do que fiz, mas também não perdoei nenhum de meus torturadores. Eles não são dignos de perdão." (PZ)


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