São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 2002

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JANIO DE FREITAS

Lula da Silva, presidente

A distinção essencial que a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva traz ao país está, antes e acima de tudo, em um governo com visão humanista. Ao passo que José Serra significaria um governo tecnocrático, ainda que talvez menos rígido, nesse sentido, do que o atual.
É aquela preliminar instintivamente doutrinária que dá razão a Lula quando se proclama, como fez na campanha, depositário da possibilidade de um acordo que congregue empresários, assalariados e funcionalismo. A tarefa é repleta de dificuldades, mas para a concepção tecnocrata de administração pública, com suas prioridades alheias aos problemas sociais, seria impossível.
Como disse Regina Duarte, "ele mudou". Lula teve a percepção de que buscar o que é possível obter pela convergência de interesses de diferentes classes socioeconômicas é, no quadro de forças tão desproporcionais, o mais inteligente dos caminhos. É tanto o que assim pode ser feito em um país todo desarticulado, como o Brasil, que seria uma grande desgraça se alguma das partes inviabilizasse essa oportunidade de transfigurar o país, dando-lhe uma face inteligente e respeitável.
Não é tarefa para o governo Lula, bem entendido. É tarefa para o acordo social, que não se enquadra em um mandato. E o que prenuncia a possibilidade do acordo é o incipiente entendimento de tantos setores em torno da candidatura de Lula. Para nenhum outro candidato seria tão improvável convencer da autenticidade de suas propostas. As objeções da classe dominante a Lula, por preconceito social e por conveniência conservadorista, constituíam a posição mais cristalizada em todo o cenário sociopolítico posterior à ditadura. E, no entanto, já no primeiro turno o empresariado mostrava a quebra da resistência, ao evidenciar mais confiança em Lula do que em Ciro Gomes, um vizinho do PSDB. No segundo turno, as reafirmações de apoio a Serra soaram quase como lamúrias pela necessidade de coerência de classe. A identificação de Lula com o acordo social foi feita, e é uma promessa que deixou de ser só do candidato.
Na primeira metade dos anos 80, a idéia de pacto social, em moda na Europa, foi tema quase monocórdico de um sociólogo que, além de numerosos artigos na Folha e entrevistas em toda parte, chegou a propor-se para a primeira presidência civil com a missão de realizar o acordo. Tardou um pouco, mas a sorte não lhe negou a oportunidade. Não fez um, mas sucessivos acordos. Com o FMI.
Luiz Inácio Lula da Silva herda, então, incontáveis desacordos: entre os recursos governamentais e as carências do país, entre trabalhadores e desemprego, entre a dívida pública e os cofres públicos, entre a cidadania e a criminalidade urbana, entre a velhice e o ganho do aposentado, entre a ida à escola e a educação, em resumo, entre o que o que este país deveria ser e o que é.
O candidato Lula da Silva pediu que tenhamos esperança. Estamos de acordo: vale a pena tê-la. Com a esperança de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva possa justificá-la.


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