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ANÁLISE
Marketing e pés no chão
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
No rádio costumam dizer
que "o pleito decorreu em
clima de absoluta normalidade".
A frase foi ficando estranha com o
tempo. Sugere que deveríamos esperar excessos, pancadaria, tumulto; coisas desse tipo não acontecem há décadas. Mesmo assim,
é difícil imaginar eleição presidencial com tão poucos sobressaltos.
Não só porque seu resultado
não teria como trazer surpresas,
mas também porque, de algum
modo, a vitória de Lula já veio
impregnada daqueles calmantes
e sedativos que o presidente Fernando Henrique vinha receitando ao mercado financeiro.
Algumas advertências conservadoras parecem singularmente
deslocadas neste momento. "O
candidato não devia ter feito tantas promessas, pois corre o risco
de frustrar o eleitorado": eis uma
frase que não se aplica ao estado
de espírito predominante.
O eleitor pode ser enganado de
inúmeras maneiras, mas certamente não acredita mais em promessas mirabolantes; nem as registra. Os próprios candidatos tiveram pouca paciência para fazê-las. A numerologia em torno dos
empregos que Serra ou Lula iriam
criar foi mais uma encheção de
linguiça, numa campanha em
que ninguém se arriscava a polêmicas reais, do que algo que a população considerasse seriamente
como programa de governo.
Nesse sentido, tampouco se pode falar em "messianismo" a propósito da vitória do candidato petista. Ainda que a eleição de Lula
tenha uma forte simbologia
-um operário chegando ao poder é raro em qualquer país, ainda mais no Brasil-, o fato não
vem acompanhado, por enquanto, de nenhuma mística em torno
dos "novos tempos", da idéia de
que nada será como antes etc.
Nesta eleição foi grande a presença do marketing e, ao mesmo
tempo, foi mínima a presença do
espírito utópico. O discurso de Lula frisou mais a idéia da permanência do que da mudança. Insistiu-se mais naquilo que se quer
manter do que naquilo que se
quer mexer.
É por isso, aliás, que esta eleição
ao mesmo tempo significa uma
rejeição cabal ao governo Fernando Henrique e permite uma
transição de governo das mais
pacíficas. A passagem do poder é
experimentada, ou apresentada,
como se as urnas não tivessem
derrotado ninguém. FHC entrega
o cargo a Lula como se tivesse feito o seu sucessor.
Quer-se, evidentemente, o fim
de longos anos de ortodoxia, desemprego e estagnação. Ao mesmo tempo, o fim da "era FHC"
não parece estar sendo vivido como se viveu o fim do regime militar -com a sensação de alívio e
descompressão experimentada
na vitória de Tancredo Neves no
colégio eleitoral.
Quando um regime político
autoritário se esgota, a oposição já está com grande parte
de sua missão cumprida no
momento mesmo em que assume o poder. Mas o tempo
da economia é outro: um modelo econômico pode estar levando o país à ruína, e ainda
assim não ter entrado em colapso total no momento em
que os seus críticos assumem
o poder. Daí vem, por certo, a
prudência do discurso petista; e o eleitorado, por sua vez,
não espera o impossível. É
provável que o país esteja tão
perto do fundo do poço que
todos acabam ficando com o
pé no chão.
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