São Paulo, sexta-feira, 28 de outubro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/A HORA DE DIRCEU

Ex-ministro perde por 13 a 1, mas Eros Grau ordena que parecer de relator seja refeito e relido

STF obriga conselho a votar de novo relatório contra Dirceu

DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


O Conselho de Ética da Câmara desafiou uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) e acabou forçado a anular votação ocorrida ontem que aprovara relatório pedindo a cassação do mandato do deputado José Dirceu (PT-SP).
O conselho havia aprovado no início da tarde, por larga margem de votos (13 a 1), o relatório do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que recomendava a cassação de Dirceu. O ex-ministro, porém, conseguiu neutralizar a derrota quatro horas depois recorrendo ao novamente ao STF.
No final da tarde, em resposta a uma ação dos advogados do petista, o ministro Eros Grau determinou a elaboração de um novo relatório.
Depois de reclamar de interferência do STF no Legislativo, o presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-SP), marcou leitura do novo relatório e nova votação para segunda-feira, mas afirmou que não caberá novo pedido de "vista" pela deputada Ângela Guadagnin (PT-SP), o que pode resultar em nova batalha jurídica. Izar, que havia viajado para São Paulo no início da noite, ainda tentava convocar, por telefone, membros do conselho para uma sessão emergencial hoje.
O presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), admitiu que há o risco de também ser protelada para o final de novembro a votação da cassação de Dirceu no plenário, programada para ocorrer no dia 9.
"Os fatos decorrentes da decisão do Supremo serão analisados pelo Conselho de Ética. As providências adotadas terão implicação no calendário", disse Aldo.
O imbróglio tem origem em uma liminar concedida por Grau a Dirceu na última terça-feira, que considera que uma série de provas utilizadas no relatório que pedia a cassação do ex-ministro foi obtida de forma irregular.
Trata-se da transferência de sigilos bancários e telefônicos pedidos pelo conselho às CPIs dos Correios e do Mensalão, que teria sido feita sem fundamentação jurídica.
Delgado, com respaldo de Izar e da maioria do conselho, decidiu ontem simplesmente retirar do relatório quatro parágrafos do parecer que mencionavam tais informações e fazer a votação.
A defesa protestou. "O Conselho está cometendo uma ilegalidade, desrespeitando uma decisão judicial. Isso é gravíssimo", disse José Luiz Oliveira Lima, advogado de Dirceu.
Às 13h22, minutos antes de a votação no conselho ser consumada, outro advogado de Dirceu, Rodrigo Dall'Acqua, já dava entrada com embargo declaratório (pedido de esclarecimento de uma decisão) a Grau para que ele deixasse mais clara sua decisão: bastava a retirada dos parágrafos ou seria necessário fazer um novo relatório?
Pouco antes das 17h30 veio a resposta: "A não convalidação do relatório, isto é, a continuidade da tramitação da representação sem a produção de novo relatório, como determinado na decisão liminar, comprometerá a validade do procedimento. [...] Em suma: o relatório deve ser refeito", afirmou Grau.
Ao explicar a questão a um grupo de jornalistas, o ministro disse que o processo não pode conter "vícios" e afirmou que o rito de cassação poderá ser anulado, futuramente, "se houver uma ação nesse sentido".
Imediatamente após tomar conhecimento do despacho, Izar marcou sessão para segunda-feira. "O conselho de Ética fez um trabalho dentro das normas. Não houve falhas. Eu estranho", disse.
Delgado protestou contra o que viu como "interferência protelatória" do Supremo no Legislativo. "A decisão será cumprida. Vou ler o relatório, a votação será refeita e vai dar o mesmo placar."
Voz solitária em defesa de Dirceu no conselho, a deputada Ângela Guadagnin tentou fazer um pedido de vista -prazo para análise do texto- da nova versão, argumentando que, por ter sido adaptado, se tratava de um novo relatório. O pedido foi negado por Izar, e, em seguida, referendado pelo demais membros em votação simbólica.
Guadagnin apresentou seu voto em separado, no qual afirmou que "quem condena sem prova falta com a ética". Também acusou o relator de "omitir informações importantíssimas, tomar como verdade acusações irresponsáveis e respaldar seu voto em testemunhos de desafetos".
A sessão do conselho durou três horas e foi marcada por uma série de discursos contra a conduta do ex-chefe da Casa Civil. "A alma política de José Dirceu merece uma temporada no inferno", disse Nelson Trad (PMDB-MS).
Apesar de não citar especificamente a palavra "mensalão", o relatório conclui que Dirceu "tinha poderes para ser o autor intelectual de todo o esquema". Diz também que sua cassação "se impõe como meio de restaurar a dignidade e a credibilidade" da Câmara. (SILVIO NAVARRO, FÁBIO ZANINI E SILVANA DE FREITAS)

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