São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 2008

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JANIO DE FREITAS

Muito pelo contrário


Os números foram revelados pela Justiça Eleitoral com presteza; seus significados demoram a mostrar-se todos

A RELAÇÃO dos números eleitorais com a política é muito apropriada ao que aproxima uma e outra: é tão pouco confiável quanto os eleitos costumam ser.
Por isso, as interpretações imediatas dos resultados eleitorais são admiráveis, mais por nossa capacidade de encher espaço impresso e tempo de transmissão, além da conversa à toa. As certezas claras da aritmética escondem, com freqüência, as dubiedades traiçoeiras da política.
O caso do Rio é um bom exemplo, entre muitos disponíveis. Lula e Sérgio Cabral saíram vencedores contra a impertinência surpreendente da "onda Gabeira". Saíram? Por uma pequena diferença aritmética entre dois números graúdos, sim. Empenhados política e mesmo pessoalmente na busca de tal vitória, porém, estavam ninguém menos do que o presidente recordista em apoio popular e o governador em boa situação, ambos no uso de todas as suas possibilidades de influência na disputa. Ainda assim, sua vitória foi por apenas 1,6% dos votos válidos, ou 55 mil em 4,57 milhões. E mais de 27% do eleitorado carioca, quase um terço, nem ao menos quiseram participar da escolha. Onde foram vencedores na aritmética, Lula e Cabral não o foram em termos políticos.
Fernando Gabeira, sem máquinas partidárias a impulsioná-lo, ganhou politicamente ao ser derrotado numericamente. Se eleito, suas dificuldades políticas e administrativas seriam agravadas, pode-se presumir que até a inviabilização, pela tendência a deixá-lo isolado, enquanto os governos estadual e federal continuariam de braços dados. Vencido no alto da onda, Gabeira tem, na cidade sem lideranças, a oportunidade de um papel de ponta, cujo êxito depende só dele. Sua maioria nos números o levaria a uma vitória duvidosa; em termos políticos, só ganhou.
O caso de São Paulo é um bom exemplo em relação a Lula. Dos 9 municípios onde se empenhou em pessoa, seus candidatos venceram em 5. A vitória em São Bernardo, onde os votos no petista Luiz Marinho constam como os mais dispendiosos do Estado, é dada como consagradora para Lula. Que valor político tem? Podemos somá-la a todas as demais do PT nos dois turnos em São Paulo, e nem por isso se atenuará o desastre de Lula na única vitória paulista que lhe importava politicamente -a de Marta Suplicy.
No caso paulistano, convém lembrar que a importância de vencer levou Lula a usar, por largo tempo, até a estrutura institucional do governo. Nada, senão a promoção de Marta Suplicy com fins eleitorais, levou à sua nomeação para ministra do Turismo. Uso de meios e recursos financeiros do governo que tiveram, aliás, um caso gritante para derrotar o candidato do PT, com ele o governador petista ligado a Lula, e tornar ACM Neto integrante dos vitoriosos. Palavras do reeleito João Henrique em Salvador: "A participação do ministro Geddel foi fundamental. No momento em que mudei para o PMDB [de Geddel], a gente pôde receber de Brasília as verbas necessárias para os grandes investimentos em Salvador". As verbas saíram do Ministério da Integração, entregue a Geddel.
O total de prefeituras conquistadas pelos partidos é outra artimanha da aritmética. O sucesso do PMDB em tal soma é uma vitória, sim. Em termos políticos, no entanto, o que importa não é o número de prefeituras conquistadas, são as conquistas das que têm ou podem alcançar certa expressão política e eleitoral.
Os números foram revelados pela Justiça Eleitoral com presteza exemplar. Seus significados ainda demoram a mostrar-se todos.


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