São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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TRABALHO INFANTIL
Só em SE cronograma é cumprido
Governo atrasa o dinheiro de bolsas

MARIO CESAR CARVALHO
da Reportagem Local

O governo federal está atrasando o pagamento das bolsas do programa de erradicação do trabalho infantil em 8 dos 9 Estados em que foi implantado. Só em Sergipe o pagamento está em dia. O programa é considerado pelo próprio presidente Fernando Henrique Cardoso como uma das mais bem-sucedidas políticas sociais de sua gestão.
O maior atraso ocorre em Rondônia. As 263 famílias do município de Ariquemes, onde crianças de até 5 anos trabalhavam em uma mina de cassiterita, não receberam os valores de julho, agosto, setembro e outubro.
O programa dá uma bolsa, cujo valor varia de R$ 50 a R$ 12,50, para famílias retirarem seus filhos de até 14 anos do trabalho e colocá-los na escola. Ele custa R$ 82,7 milhões ao ano ao Ministério da Previdência e beneficia 130 mil famílias. O valor corresponde a 8,9% dos gastos do governo com merenda.
Em Pernambuco, Bahia e Mato Grosso do Sul, o atraso é de dois meses -o governo não enviou os recursos de setembro e outubro.
Em Pernambuco, onde está concentrado o maior número de famílias beneficiadas pelo programa (63 mil), os meses de junho, julho e agosto foram pagos de uma vez, no final de outubro.
"A molecada só não voltou para os canaviais porque não há trabalho. Há 100 mil trabalhadores das usinas desempregados", diz Maria Aparecida Pedroza Bezerra, que coordenou o programa de erradicação no Estado.
Na Bahia, onde o programa retirou crianças que trabalhavam com sisal e em pedreiras, a bolsa atinge 30 mil famílias. No Mato Grosso do Sul são beneficiadas 3.220 famílias cujos filhos trabalhavam em carvoarias.

Volta ao trabalho
O atraso nos pagamentos já provoca revezes no programa. Em Ariquemes, município a 360 km de Porto Velho, 15 crianças chegaram a abandonar a escola e voltaram ao garimpo.
"As famílias precisam desse dinheiro. As crianças não trabalham porque acham bonito, mas por necessidade", diz Roseli Cleoni Krueger, presidente da Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil de Ariquemes. Depois, as crianças foram convencidas a voltar à escola.
Amanhã, a organização não-governamental que articulou as parcerias entre a iniciativa privada e os três níveis de governo para erradicar o trabalho infantil em Ariquemes receberá um dos principais prêmios de educação do país -o Prêmio Itaú-Unicef. A ONG foi criada após reportagem da Folha em 1997.
Em Abaetetuba (PA), a 70 km de Belém, a morosidade dos pagamentos fez com que o programa produzisse resultados que tendem a zero.
Lá, a tragédia infantil é o trabalho nas olarias. Dezoito casos de mutilação já foram registrados. Uma garota perdeu os dois braços numa máquina de amassar barro, chamada maromba. Outra teve o couro cabeludo e as orelhas arrancados aos 9 anos.
Em 6 de julho deste ano, três meses depois de os casos terem sido revelados pelo jornal "O Liberal", o ministro Waldeck Ornélas (Previdência) e o governador Almir Gabriel (PSDB) lançaram o programa em Abaetetuba. Parecia que era para valer, mas só na última quarta-feira, com um atraso de três meses, as crianças receberam os meses de agosto e setembro. O valor da bolsa por criança é de R$ 12,50.
O governo federal faz a seguinte propaganda para o valor da bolsa: "R$ 25 para cada dois irmãos".
"Esse valor é ridículo", classifica André Franzini, coordenador da Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil em Abaetetuba, onde a bolsa beneficia 1.109 crianças de 690 famílias. "Quase ninguém abandonou as olarias", conta o coordenador.
Segundo Franzini, o valor de R$ 12,50 foi estabelecido pelo governo federal a partir de um equívoco. R$ 12,50, diz, é o valor mínimo que as crianças ganham nas olarias. O valor médio seria de R$ 25.
Só para sair das ilhas onde funcionam as olarias e receber a bolsa na sede do município, as famílias gastam R$ 5 com transporte e alimentação. Sobram R$ 7,50. Dá para comprar 2 kg de carne (de segunda) e 1 kg de arroz.


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