São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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CRIME ORGANIZADO
Medida adotada por FHC extinguiu a punição a fraudadores que pagarem o que sonegaram
Procuradores apontam brechas na lei

da Agência Folha

"A legislação beneficia os fraudadores fiscais". É isso o que pensam quatro procuradores da República ouvidos pela Agência Folha -Mario Luiz Bonsaglia, de São Paulo, Mário Lúcio Avelar, de Tocantins, Tranvanvan Feitosa, do Piauí, e Delson Lyra Fonseca, de Alagoas.
Eles criticam uma lei assinada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em seu primeiro mandato, a de nº 9.249, de dezembro de 1995, que extinguiu a punição aos fraudadores de notas fiscais que decidam pagar os impostos sonegados à Receita.
Pela lei, alguém que for flagrado utilizando uma nota fria resolve seu problema com a Justiça ao pagar o imposto devido.
O prazo para acertar esse tributo é bastante elástico, pois os autores de fraudes se livram de ação criminal (extinção da imputabilidade) se pagarem o imposto devido antes do acolhimento da denúncia pelo juiz -a investigação após uma denúncia dura, em geral, de três a quatro anos.
A lei de 1995 substituiu a 8.383, de dezembro de 91, promulgada pelo presidente Fernando Collor, que determinava pena de prisão de 2 a 5 anos, além de multa, para quem cometesse irregularidades no uso ou emissão de notas frias.
"Fica difícil inibir esse tipo de ilegalidade, porque o crime de sonegação se sobrepõe ao de falsificação e aos outros que abrangem a emissão de uma nota fria", disse Avelar. "Sem dúvida, é um incentivo às fraudes", diz Bonsaglia.
Para os advogados Ives Gandra Martins, especialista em direito tributário, e José Roberto Batochio, deputado federal (PDT-SP) e ex-presidente da OAB, a mudança na lei beneficiou o Estado. "O que interessa ao governo é receber. Se ele conseguir receber, por que mandar para a prisão aquele que decide pagar suas dívidas?", questiona Martins.
Para o procurador Avelar, porém, o resultado da nova lei é que, como os fraudadores sabem que vão ficar impunes, cometem o mesmo crime repetidas vezes.

Outros motivos
"A única saída, quando sabemos desse tipo de delito, é procurar outros motivos para processar o fraudador, como formação de quadrilha ou falsificação de documentos, o que dificulta o trabalho dos promotores", disse.
Gandra discorda dessa opinião. Ele afirmou que, uma vez que a Receita Federal conhece o fraudador, passa a vigiá-lo, dificultando muito que haja repetições nas irregularidades.
"De forma alguma deixar de prender uma pessoa passa a ser um estímulo ao cometimento de crimes. O pagamento de uma multa, por exemplo, com um valor 10, 100 vezes maior ao da nota fria, já seria uma grande lição", afirmou Batochio.
Com a lei de Collor, afirmou Gandra, houve uma grande queda na arrecadação. "O sujeito que estava devendo não podia pagar o débito porque, senão, ele poderia ir para a cadeia", disse.
"Além do mais, hoje, se a Receita percebe que houve dolo na emissão de uma nota fiscal irregular, a multa pode chegar a 300% do valor do Imposto de Renda. Essa é uma punição condizente com o crime."
O procurador Feitosa, do Piauí, defende a "prisão imediata" dos envolvidos em desvio de dinheiro público e afirma que a falta de rigor da lei propiciou que, com a municipalização dos recursos federais, crescesse a corrupção nas prefeituras.
"A extinção da imputabilidade fomenta a fraude, até porque dá um prazo extra para as empresas pagarem as dívidas sem penalidade criminal", afirmou o procurador Fonseca.
Foi com a lei 8.383, de Collor, que o empresário Paulo César Farias, o PC, acabou tendo decretado seu primeiro pedido de prisão preventiva, após o impeachment.
Em um artigo publicado em janeiro no "Boletim dos Procuradores da República", Bonsaglia cita Al Capone como um exemplo de que, sem a punição prevista em lei à fraude fiscal, não seria possível prender o mafioso. "O Brasil é um país onde Al Capone poderia viver no paraíso."


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