São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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ELIO GASPARI


FFHH quer abater em vôo a tunga das anuidades


Pelo menos uma pessoa qualificada para fazê-lo, assegura que, nesta semana, FFHH deverá baixar uma medida provisória regulando os aumentos de anuidades escolares. O ministro da Educação, Paulo Renato Souza, assegura que o governo impedirá que as escolas particulares suspendam a matrícula dos alunos inadimplentes antes do fim do ano letivo. Além disso, fixará os fatores em que as escolas deverão se basear para aumentar as mensalidades.
Com essas providências, o governo acabará com um triste episódio ocorrido no Congresso na noite de terça-feira. Fizeram-no de bobo, num assalto ao bolso da patuléia. O caso é uma aula sobre as mumunhas de Brasília, os poderes da bancada do ensino e a desorientação do governo.
O reajuste das mensalidades escolares era regulado por uma medida provisória assinada por Itamar Franco e reeditada 87 vezes. Ela obrigava as escolas a justificar seus aumentos com base em progressos pedagógicos, aumentos de custos ou piripacos tributários.
Buscando-se uma forma definitiva para essa legislação, resolveu-se transformar a MP em lei. Coube ao deputado Paes Landim (PFL-PI) relatar o projeto. Na tarde de terça-feira, soube-se que a conversão da MP seria incluída na sessão noturna do Congresso. Por volta das 20h30, os líderes partidários receberam o projeto de Landim.
O deputado José Genoino, do PT, discordou de dois dispositivos. Num, estabelecia-se que depois de 60 dias de inadimplência, as escolas poderiam rescindir o contrato da matrícula. Isso significava a expulsão dos alunos que deixassem de pagar duas mensalidades. No outro, podia-se entender que o novo texto permitia às escolas a imposição de aumentos semestrais. Genoino quis negociar. Ameaçava pedir verificação de quórum.
É aí que a história começa a ficar divertida. Verificação de quórum é o nome que se dá à contagem dos congressistas que compareceram ao local de trabalho. Para existir, uma sessão conjunta do Congresso precisa da presença de 52 deputados e nove senadores. Não havia 40 congressistas no plenário. Se o líder petista pedisse a contagem, mataria a sessão. Impediria a votação do texto de Paes Landim, mas levaria junto outros assuntos da pauta. Entre eles, estavam temas que falam ao coração do PT. (A concessão de créditos para o pagamento do 13º salário ao funcionalismo.)
Acertou-se que os aumentos semestrais só valeriam para o ensino superior, em que há períodos letivos de seis meses. Em seguida, subiu-se a tolerância com os inadimplentes para 90 dias. Mudado, o texto de Paes Landim, passou.
Foi todo mundo dormir feliz. Os petistas puderam continuar seu irrelevante debate em torno do compromisso socialista do partido, os donos de colégios ganharam uma arma contra os caloteiros profissionais e a bancada do governo achou que tinha feito seu serviço.
Na manhã seguinte, no Planalto, comparou-se o que o Congresso votara com o texto da velha medida provisória. Descobriu-se que num artigo, em que estavam listados os parâmetros capazes de justificar os aumentos de mensalidades, o texto de Landim incluíra a expressão "entre outros".
As duas palavras faziam toda a diferença. Imagine-se uma lei que diga: "Os mortos não pagarão Imposto de Renda". Pense-se o que aconteceria se a lei dissesse: "Entre outros, os mortos não pagarão Imposto de Renda". Pelo menos dois negociadores da bancada do governo não perceberam (nem foram avisados) que havia um coelho na cartola.
Até o fim da tarde de quarta-feira, FFHH cogitou vetar toda a lei, baixando uma nova. Tinha até quinta-feira para decidir o que faria e resolveu vetar os três artigos contaminados pelo "entre outros". Parecia ter resolvido o problema.
Nada disso. Ao suprimir um dos artigos, sumiu com os parâmetros para a justificativa dos aumentos. Disso resultava que as novas mensalidades deveriam "ter como base" a anuidade anterior. Era um pudim de palavras. Duas pessoas podem ter o seu salário fixado com "base" nos rendimentos que a Disney paga a Michael Eisner, seu principal executivo. Uma, numa "base" paritária, ficará com os US$ 500 milhões que ele embolsa anualmente. A outra, com uma relação "bilionesimal" ficará com 5 centavos. Ambas partiram da mesma base.
Por ter sancionado o pudim, de duas uma: ou FFHH congelou as mensalidades, ou as liberou. Como não quis fazer uma coisa nem outra, pois pretendia apenas expurgar o piolho do "entre outros", acabou fazendo nada.
Interpretando o artigo que permitia a quebra do contrato ao fim de 90 dias de inadimplência, o ministro da Educação chegou a informar: "O texto anterior levava ao abuso. A medida provisória aprovada dá margem para dizer ao aluno que ou ele paga ou sai da escola".
Na tarde de quinta-feira, os sábios da ekipekonômica acharam que um pedaço do problema poderia ser resolvido baixando um decreto que obrigasse as escolas a respeitar os parâmetros da MP original. Se fizessem isso, as escolas, com todo direito, iriam à Justiça argumentando que o decreto não podia sobrepujar a lei. Disso resultaria uma monumental confusão, logo na hora em que as escolas fixam as anuidades do próximo ano letivo.
À noitinha, estava tomada a decisão de baixar uma nova MP, dando o dito por não dito, proibindo os aumentos semestrais, restabelecendo os parâmetros e, de acordo com o ministro Paulo Renato: "Impedindo que os alunos possam ser expulsos das escolas por inadimplência, antes do fim do ano letivo".
A idéia segundo a qual um estudante possa ser expulso de um colégio depois de 90 dias de inadimplência é uma monstruosidade jurídica. Assim como um inquilino, ele pode ser despejado, mas quem haverá de determinar isso será a Justiça, não o dono da escola. Como lembra o deputado Miro Teixeira, "ninguém tem o direito de exercer as próprias razões".
Governos impopulares (por terem feito lambanças memoráveis) levam à crença de que a oposição é sempre o melhor remédio. Talvez seja, mas é necessário deixar claro que a catástrofe votada pelo Congresso na terça-feira teve o endosso da bancada do PT e do PPS. Além disso, não se ouviu deles uma só reclamação durante as 48 horas que antecederam a decisão do Planalto de virar a mesa nos próximos dias. Num assunto do tamanho das mensalidades escolares, as bancadas da oposição e do governo foram vinho de má pipa.


Risco de vida
Há fortes indícios de que se a ekipekonômica subordinar a manutenção de sua política a uma nova mudança, para cima, dos juros, muda a ekipe, mas não sobem os juros.

Perigo na festa
Está pronto o projeto de lei que acaba com os bingos.
FFHH convenceu-se de que aquilo que poderia ter sido um estímulo ao esporte transformou-se num incentivo ao crime. Diante disso, é provável que o assine.


A melhor obra do collorato foi um livro

Saiu um grande livro. É "Notícias do Planalto - A Imprensa e Fernando Collor", do jornalista Mário Sérgio Conti. O jornalismo brasileiro tinha produzido três grandes peças nas quais os leitores puderam conhecer melhor o funcionamento das vísceras da imprensa. Conti escreveu a quarta grande obra.
O primeiro foi um discurso, feito por Justiniano José da Rocha em maio de 1855. Considerado o maior jornalista de seu tempo e eleito deputado, Justiniano ousara criticar a política do Marquês de Paraná, que presidia o ministério.
Parecia estar falando no Congresso de hoje:
"Quanto mais o governo quer ser tutor do interesse individual, pior o governo é, segundo os princípios da economia política que aprendi".
Paraná, sabendo do que falava, bateu ao seu jeito, duro:
"É tão flagrante a contradição em que o senhor deputado se acha consigo mesmo que, longe de ter eu de justificar o governo perante o senhor deputado, é ele que tem de se justificar da fase tão extraordinária, tão inexplicável que apresenta".
No dia seguinte Justiniano foi à tribuna. Contou que um ministro lhe dera um escravo (valia a mesma coisa que uma casa modesta). Revelou, chorando, que o visconde de Uruguai lhe dera dinheiro e sustentara o jornal que dirigia. O capilé vinha num "papel dobrado e nele alguma notas de 200 mil réis" (Justiniano recebeu o bastante para formar uma pequena fortuna).
Terminou reconhecendo: "Eu era jornalista ministerial".
Essa foi a melhor narrativa a respeito das relações da imprensa com o poder até que o jornalista Samuel Wainer ditou suas ricas memórias ao repórter Augusto Nunes e dele resultou o livro "Minha Razão de Viver". Anos depois, o escritor Fernando Moraes produziu o magnífico "Chatô, Rei do Brasil", com a biografia de Assis Chateaubriand. Nos dois casos, os fatos foram revelados com mais de 20 anos de distância. Assim, uma geração leu o que aconteceu com a anterior.
O talento e a determinação de Mário Sergio Conti deram aos leitores de hoje a sorte de ler uma narrativa do que aconteceu há pouco, entre o final dos anos 80 e o início dos 90. Vai da construção ao desmonte do collorato. Conti trabalhou três anos, entrevistou 141 pessoas e produziu, em 684 páginas, um precioso painel de um pedaço do andar de cima.
Quem o ler, lerá melhor a imprensa.


Golpe a vista
Em agosto do ano que vem haverá eleição no Paraguai para a escolha do novo vice-presidente. É quase certo que saia vitorioso o atual ministro da Defesa, Nelson Argaña, cujo pai ocupava ocupava o cargo quando foi assassinado em março passado.
A morte de Argaña levou à renuncia do presidente Raul Cubas, que foi substituído pelo presidente da Câmara, Luis González Macchi. Seu mandato deveria durar até setembro passado, mas um acordo assegurou-lhe a permanência no poder até 2003.
Feita a eleição, o Paraguai será governado por um presidente cujo mandato resultou de um acordo político, acompanhado por um vice eleito pelo povo.
Ganha um carro roubado quem acertar o dia em que o vice derrubará Macchi.

CURSO MADAME NATASHA DE PIANO E PORTUGUÊS

Madame Natasha tem horror a música. Em geral, ela socorre os acidentados do idioma, concedendo-lhes bolsas de estudo. Desta vez, está zangada com a Golden Cross Seguradora e não lhe oferece coisa alguma.
Natasha não é boba. Ela sabe que a Golden Cross perdeu suas resistências imunológicas quando a moeda se estabilizou e o negócio de tíquetes de refeições deixou de ser atraente. Sabe também que a empresa foi administrada de tal forma que seus diretores tiveram uma vida dourada, enquanto os clientes ficaram com a cruz. Hoje, ela luta pela vida batalhando na unidade de tratamento intensivo das alterações da legislação tributária.
Nas negociações que conduz nessa UTI, que funciona em Brasília, é certo que a Golden Cross expõe seus argumentos com clareza e precisão. Afinal, se não for compreendida, não poderá ser atendida.
Natasha zangou-se porque, quando chega a hora de a Golden Cross se comunicar com os clientes, a quem manda "lâminas de pagamento", escreve o seguinte:
"Observamos que os clientes que completaram 60 (ou mais) anos de idade a partir de setembro/98 e tenham dez anos de participação ininterrupta na Golden Cross terão direito à repactuação, limitada à diluição da aplicação do reajuste anteriormente previsto, em reajustes parciais anuais, com a adoção de percentual fixo que, aplicado a cada ano, permita atingir o reajuste integral no início do último ano da faixa etária considerada. Para aplicação da fórmula de diluição, consideram-se de dez anos as faixas etárias que tenham sido estipuladas sem limite superior".
Madame acredita que a Golden Cross quis informar aos seus clientes que o Ministério da Saúde mandou-a repactuar os contratos com as pessoas que tenham mais de 60 anos. Se eles não entenderem, melhor para a seguradora.
Natasha comoveu-se com o fato de a empresa informar que expede "lâminas de pagamento". Poderia ter dito mensalidade, mas ao recorrer a uma palavra que também se aplica às facas, talvez tenha feito o certo.


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