São Paulo, sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

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Papel dos EUA afirma que Brasil autorizou seqüestro

Telegrama é indício do envolvimento no desaparecimento de ítalo-argentinos no Rio

Dupla foi presa no Galeão em 1980; documento está no processo italiano sobre ação de brasileiros dentro da Operação Condor

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Um telegrama enviado ao Departamento de Estado dos EUA pela embaixada americana em Buenos Aires em abril de 1980 é um indício do envolvimento de brasileiros no desaparecimento de dois guerrilheiros argentinos no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, em março de 1980. Horacio Campiglia, 31, e Mónica Binstock foram vistos pela última vez, meses depois, numa prisão militar nos arredores da capital argentina.
O documento foi incluído no processo da Justiça italiana que resultou nas ordens de captura internacional emitidas nesta semana contra pelo menos 11 militares e policiais brasileiros. Campiglia era ítalo-argentino.
Liberado pela lei americana de liberdade de informação, o telegrama confidencial foi entregue à Itália pelo ativista Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul e testemunha no processo.
O telegrama narra o encontro de um funcionário da embaixada americana com "membro do serviço de inteligência argentino" que teria falado sob condição "estrita de confidencialidade". A fonte teria relatado a montagem de uma operação, com autorização do Brasil, para prender Campiglia e Mónica quando chegassem ao Rio.
Campiglia, segundo a fonte, era um nome importante ("quarto ou quinto na estrutura") da maior organização guerrilheira da Argentina, os Montoneros, grupo responsável por uma série de atentados, seqüestros e mortes de militares ao longo da ditadura argentina (1976-1983). Segundo a fonte argentina, Campiglia continuava comandando, no México, operações de guerrilha.
"Eles [guerrilheiros] resolveram voltar à Argentina no contexto de uma contra-ofensiva montonera. Queriam reunir todos os montoneros que estavam fora, voltar e derrubar a ditadura", disse Krischke.
Alertados supostamente por agentes infiltrados, os militares argentinos passaram a prender e interrogar os montoneros que tentavam regressar. Muitos foram assassinados.
Nos casos de Campiglia e Mónica, segundo o documento dos EUA, a fonte argentina disse que a inteligência militar "contatou sua contraparte da inteligência militar brasileira para obter a permissão para conduzir uma operação no Rio". Segundo o documento, "os brasileiros garantiram sua permissão e uma equipe especial argentina" foi enviada num avião C130. Os argentinos teriam capturado os dois montoneros e regressado a Buenos Aires no mesmo avião. Os militares argentinos teriam também falsificado a hospedagem dos dois presos num hotel do Rio, para dar a impressão de que eles tinham sumido no Brasil.
A fonte argentina relata que ambos estavam, em abril de 1980, na prisão militar de Campo de Maio, em Buenos Aires.
O relato do telegrama é corroborado em parte por uma testemunha já ouvida pela Justiça italiana. A ex-guerrilheira Silvia Tolchinsky informou ter se encontrado no Campo de Maio com Campiglia e Mónica.
Um ex-preso, Víctor Basterra, também declarou, em processo na Justiça argentina, que avistou Campiglia e Mónica no Campo de Maio "por volta do Natal de 1980". Segundo Jair Krischke, há indícios de que ambos foram assassinados num dos "vôos da morte" -arremessados ao mar de um helicóptero ou avião.


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