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JANIO DE FREITAS
Algumas sobras
A intromissão de uma verdade onde nenhuma fora
prevista, por princípio e por necessidade, destruiu o plano articulado para a permanência de Antonio Palocci no ministério, mas o
que sobrou de inverdades e de
aparências enganosas continua
adulterando os fatos.
Sobre Lula, por exemplo, consta
que só veio a saber do depoimento
de Jorge Mattoso ao voltar de Curitiba a Brasília no fim da tarde
de segunda-feira, e decidiu demitir Palocci. Irritado, teria até emitido um "Palloci, venha cá". Pois
bem, ao embarcar para Curitiba,
ainda na parte da manhã, Lula já
recebera duas informações dadas
pessoalmente por Jorge Mattoso: o
pedido de demissão do presidente
da Caixa, apresentado ali mesmo;
e sua decisão de dizer, ao depor na
Polícia Federal à tarde, que entregara a Palocci o extrato da conta
de Francenildo Costa na Caixa, e
daí em diante só o ministro da Fazenda poderia explicar.
Lula não se decidiu pela saída
de Palocci ao voltar a Brasília.
Disso, por sinal, deixou várias pistas. Uma, no discurso em que,
contrariando a conduta de sempre, não fez nem a mais leve referência ao cenário político, às críticas a seu governo ou à oposição.
Seu abatimento era tão perceptível, que foi mencionado nos relatos imediatos de repórteres de TV
e rádio. E Lula já deixara convocados os ministros do chamado
conselho político, para a reunião
em que, de volta a Brasília, depressa selou formalmente a saída
de Palocci.
Se nem Lula foi surpreendido
pelo depoimento de Jorge Mattoso, Palocci é que não poderia sê-lo.
Mattoso forjou a necessidade de
15 dias para desvendar a quebra
de sigilo do caseiro na Caixa,
criou uma comissão de sindicância para descobrir a autoria de
um ato de que ele mesmo era o
autor, lançou o falso desaparecimento do laptop usado na quebra
do sigilo, faltou à primeira convocação da PF -e depois de tudo isso, ao voltar de breve ida a São
Paulo, estava convencido a dizer
a verdade sobre o seu papel na
trama para desmoralizar Francenildo. A partir desse ponto, e não
de "avaliações de Lula", o episódio mudaria o seu rumo.
O desaparecimento de Palocci
por algumas horas, quando repórteres o viram sair de casa no domingo, teve diferentes explicações,
iguais na sua falsidade. Palloci
conversou por cerca de duas horas
com Jorge Mattoso. Em vão. Não
conseguiu demovê-lo da nova disposição, que implicaria a saída de
ambos do governo e várias outras
conseqüências, inclusive policiais
e judiciais.
É improvável que Palocci não
tenha informado Lula ainda no
domingo. Tanto que Lula quis a
conversa com Mattoso ainda antes de sair para Curitiba na manhã de segunda. Mesmo que só no
domingo ou na segunda Lula tenha sabido a maneira como foi
conhecida a conta de Francenildo, há indicações de que já conhecia os depósitos altos na conta
desde a quinta-feira 16. Alguns
petistas tiveram também a informação, revelando-se ao se gabarem de esperadas reversões da situação em futuro próximo. A senadora Ideli Salvatti, então feliz
com a revelação de depósitos na
conta de Francenildo, chegou a
narrar sua dedução, na sexta-feira, 17, de que Lula já sabia da descoberta. A dedução viera do sorriso, apenas um sorriso, com que
Lula respondeu à referência da senadora à grave revelação, que o
site da "Época" estava fazendo,
dos tais depósitos incriminadores.
(Desmoralizada a incriminação,
a senadora quer outras investigações contra Francenildo: a vingança tem vida própria).
Palloci não precisou escrever às
carreiras a carta de "pedido de demissão" que distribuiu aos jornais, pouco depois de selada no
Planalto a sua saída. Pôde preparar o longo texto desde que, na
véspera, Jorge Mattoso não retrocedeu quanto ao depoimento. O
tempo, porém, não foi bastante
para impedir Palocci de dizer que
não divulgou nem autorizou "nenhuma divulgação sobre informações sigilosas da Caixa". O extrato foi entregue por Jorge Mattoso a Palocci na noite da quinta-feira e, na sexta, estava no site de
uma revista. Na qual trabalha um
parente direto do assessor de comunicação de Palocci, Marcelo
Netto, assessor de Zélia Cardoso
de Mello nos tempos de PC Farias/Collor. É razoável que a Marcelo Netto esteja atribuída a artimanha da entrega à revista e é
certo que o extrato saiu das mãos
Palocci. Mas não faz diferença
uma mentira sua a mais ou a menos.
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