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JANIO DE FREITAS
O país doente
Um dos mais graves e, apesar
disso, menos referidos problemas
brasileiros é a dubiedade da chamada Justiça, ou Poder Judiciário, em relação ao governo federal.
Tudo se passa como se os juízes
de primeira instância e os tribunais em nível regional fossem os
aplicadores da lei, ainda que com
as falhas de praxe, mas às altas
instâncias situadas em Brasília,
sobretudo o Supremo Tribunal
Federal, coubesse proteger o presidente da República e o governo,
e não a Constituição, dos recursos em defesa de direitos ou da
legitimidade institucional.
A semana deixou mais dois casos nos anais da comunhão entre
o STF e o governo. Um, consumado, foi o exame do conflito entre
a alteração constitucional que
introduziu a reeleição e, logo em
seguida, um trecho que permaneceu intocado. Tal como ficaram
as coisas, o presidente, os governadores e os prefeitos que busquem a reeleição não precisariam deixar os cargos, na desincompatibilização tradicional,
mas teriam que renunciar, seis
meses antes da eleição, se concorressem a cargo diferente do seu.
Mesmo que de vereador.
O absurdo decorre de que o projeto da reeleição mudou o parágrafo da Constituição que proibia reeleições, sem, no entanto,
mexer no parágrafo que obriga a
desincompatibilizar-se. A Constituição ficou, assim, cretinizada
por um contra-senso grosseiro. E,
mesmo entre governantes que
ambicionem reeleger-se e os que
disputem outros cargos, o princípio da igualdade de direitos, básico para qualquer democrata,
foi gravemente negado.
Não na opinião de oito ministros do STF, os quais, contra o
voto solitário de Marco Aurélio
Mello, consideraram que a permanência dos candidatos na posse das máquinas de governo pode
conviver muito bem com o texto
constitucional que o proíbe.
A persistência com que muitos
recorrem ao STF contra atos de
governo, a despeito da finalidade
atribuída a sentenças nos últimos
anos, criou agora um caso que
levaria, em qualquer país com alguma compostura, a escândalo
nacional e consequências drásticas. À maneira do que torna as
leis, a Justiça e a cidadania respeitáveis na França, na Itália, no
Japão, em tantos outros. Aqui,
vai dar no de sempre: em nada.
Em nada para os acusados, porque para as vítimas já deu sofrimento, aos milhares, até morte, e
continuará dando. São as vítimas das ações governamentais
que, no lado administrativo da
Saúde, abandonaram o plano
nacional de erradicação da dengue, e, ainda naquele e também
no lado financeiro do governo,
retiveram durante 97 as verbas
destinadas pelo Orçamento à
emergência da dengue.
O uso político de parte dessa
verba, agora esmiuçado pelo deputado Sérgio Miranda, já seria
bastante para deixar o governo
em situação crítica -não fosse o
Brasil de hoje o que é. Foi, porém,
a retenção injustificada de quase
metade da verba, quando tantas
cidades e Estados se viam atacados pela epidemia cruel e pedindo em vão o seu direito à verba
federal, foi esse desprezo pela necessidade e pelo sofrimento que
levou à apresentação de queixa-crime contra os ministros Pedro Malan, Antonio Kandir e o
tostado Carlos Albuquerque.
Esses ministros e o governo
mesmo só têm um argumento de
defesa: não houve recursos para
cumprir o Orçamento. Ao que se
pode responder que houve e houve muito.
Dos R$ 442.032.855 orçamentários para o combate à dengue, R$
248.371.140 foram distribuídos
politicamente (a carlista Salvador recebeu R$ 7 milhões, enquanto o Estado do Rio inteiro
foi agraciado com R$ 92,5 mil).
Os R$ 193.661.715 são o vasto restante atingido pela tal falta de
recursos.
Mas o próprio governo proporcionou, a meio da semana, a notícia de que o novo ministro da
Saúde contará, de imediato, com
R$ 350 milhões ainda disponíveis
de orçamento do seu ministério
no ano passado. Mesmo com o
pleno repasse para a dengue, portanto, ainda sobrariam para este
ano uns R$ 160 milhões. A queixa
por crime de responsabilidade foi
apresentada ao STF e, ainda por
cima, depende de parecer da Procuradoria-Geral da República
para ter andamento. Não é preciso imaginar o seu destino, nestes
tempos tão doentios.
O novo
Agora, que também diz uma
coisa e faz outra, Mário Covas
afinal se tornou um político moderno e peessedebista autêntico.
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