São Paulo, sábado, 29 de maio de 2004

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ENCONTRO DE GUADALAJARA

Cumprir exigências do mercado não diminuiu, e até agravou, problemas sociais no país e na América Latina, afirma

"Dever de casa" não reduz miséria, diz Lula

PLÍNIO FRAGA
ENVIADO ESPECIAL A GUADALAJARA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil e os outros países da América Latina, apesar de terem "feito o dever de casa" reclamado pelos mercados financeiros globais, tiveram agravadas "as estatísticas da miséria e da desesperança".
Em sua única e curta participação em reunião sobre a "Coesão Social" na 3ª Cúpula América Latina e Caribe-União Européia, Lula queixou-se dos destinos do país. "Com grandes sacrifícios, estamos empreendendo em nosso continente a reestruturação de nossas economias. Estamos saneando nossas finanças públicas. Modernizamos e tornamos mais eficiente a ação governamental. Adotamos a responsabilidade fiscal na gestão pública. Reduzimos as vulnerabilidades que comprometem e limitam o desenvolvimento econômico e social. Preparamo-nos para melhor interagir em uma economia crescentemente mundializada e interdependente", disse, para 19 de seus pares.
"Mas é evidente que não basta fazer o dever de casa. Mais grave: todo o nosso sacrifício não impediu que se mantivessem inalteradas ou, pior, se agravassem as estatísticas da fome, da pobreza, do desemprego, da desesperança. No mundo globalizado, são claros os limites para o que podem fazer nossa vontade e nossos esforços, isoladamente. Esses limites são ainda mais claros para os países mais vulneráveis dentre nós."
O presidente brasileiro afirmou que a pobreza, a desigualdade e a exclusão geram instabilidade política e contribuem diretamente para o aumento da insegurança. Para Lula, estão em risco "a governabilidade democrática, a paz e a segurança internacionais".
O presidente disse que é preciso "mais do que vontade" para combater a desigualdade social e apelou para a necessidade de criação de "meios e instrumentos" para corrigi-las no mundo globalizado.
"O desenvolvimento econômico é condição necessária, mas não suficiente. A cooperação internacional tem papel importante a desempenhar nesse desafio", disse.
O presidente definiu a fome como "a mais poderosa arma de destruição em massa". "Mata 24 mil pessoas por dia, extingue a vida de 11 crianças por minuto. Atinge quase um quarto da humanidade. Reduz drasticamente a capacidade de produzir dos mais velhos. Compromete seriamente as possibilidades de aprendizagem", declarou.
Lula defendeu a discussão de meios de financiamento de fundos internacionais contra a pobreza. Terminou sua intervenção convidando os chefes de Estado e de governo a participar de encontro para discutir o combate a pobreza no dia 20 de setembro, na véspera da Assembléia Geral da ONU, em Nova York.
É uma ação dos governos do Brasil, França e Chile, que ganhou a adesão do governo espanhol.

Agenda menor
Sob a alegação de cansaço devido à viagem à China, nesta semana, Lula desistiu de participar do encerramento da cúpula e do jantar oferecido a chefes de Estado e de governo por Vicente Fox (México). O presidente cortou seis horas de atividades de sua agenda e embarcou, no começo da noite de ontem, de volta ao Brasil.
Após cinco reuniões relativas à cúpula e de dez encontros bilaterais com chefes de Estado e de governo, Lula seria um dos convidados a falar na entrevista de encerramento, mas desistiu. O encontro mais importante foi com o primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero.
Foi um café da manhã, que durou cerca de meia hora, antes da abertura oficial da cúpula. Lula propôs ao socialista espanhol que Madri seja a sede permanente dos encontros dos líderes da União Européia e do Mercosul. Citou a importância de empresas espanholas participarem de licitações na área de energia no país.
Ouviu a aceitação de Zapatero ao seu convite para que visite o Brasil. Em contrapartida, recebeu a promessa de apoio na disputa pela redução de barreiras alfandegárias a produtos agrícolas brasileiros na União Européia.
"O primeiro-ministro prometeu a Lula, por quem tem admiração pessoal e política, a interceder em especial com os colegas franceses", disse o porta-voz espanhol, Fernando Javier Valenzuela.
Ainda pela manhã, o presidente se reuniu com o colega francês, Jacques Chirac. Na pauta, os esforços para a viabilização de um fundo mundial no combate à fome e a avaliação mútua sobre a situação no Haiti.
As tropas francesas estão deixando o país caribenho, e as brasileiras assumirão o comando da força de paz das Nações Unidas na semana que vem. Lula ainda manteve reuniões em separado com o chanceler alemão, Gerhard Schröder, e com os presidentes Vicente Fox, Aleksander Kwasniewski (Polônia), Carlos Mesa (Bolívia), Ferenc Mádi (Hungria), Nicanor Duarte (Paraguai) e Oscar Berger (Guatemala).
Marisa Letícia, mulher de Lula, não aceitou o convite da organização da cúpula de seguir com um grupo de primeiras-damas ontem para Tequila, cidade turística a 120 quilômetros de Guadalajara, terra da bebida símbolo do México. Segundo sua assessoria, ela também estava cansada devido à viagem à China e apenas participou da foto oficial das primeiras-damas.
O presidente havia passado a noite de anteontem em jantar com os ministros Celso Amorim (Relações Exteriores) e Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) e com Marco Aurélio Garcia (assessor especial para assuntos internacionais). Lula já havia reduzido de dois para um dia sua presença na cúpula de Guadalajara.


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