São Paulo, Terça-feira, 29 de Junho de 1999
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JANIO DE FREITAS

Muito superiores

Um naviozinho da Marinha com o canhão apontado para o Copacabana Palace, Caesar Park ou qualquer outro hotel caro da orla carioca: eis o símbolo perfeito para o conjunto de banquetes, recepções, festas, coquetéis, almoços, jantares e aventuras venturosas e desaventuradas que se realizam no Rio, sob o nome agalegado de Cimeira (para soar melhor a Trás-Os-Montes, pronuncie Chimâira).
Sob o nome à lusitana, a segurança à brasileira. Um, reflexo do Itamaraty tão distante dos poetas e romancistas do Itamaraty de Guimarães Rosa. A outra, reflexo da permanente fidelidade dos militares a si mesmos.
Lá estão os naviozinhos da nossa Armada de Guerra desde antes de chegarem os primeiros turistas da Chimâira, lá estão prontos para combater, com seus bravos canhões, qualquer ameaça a integridade física (da outra, a hospitalidade recomenda não nos ocuparmos) dos nossos visitantes ilustres.
Não é só por falta de assunto mais respeitável na Chimâira que os naviozinhos ocupam aqui o espaço. É uma questão militar relevante, não fosse o país irrelevante. Desde a Eco-92 venho procurando uma explicação, à custa de muitas pesquisas e raciocínio - em vão.
No caso de qualquer tipo de problema onde se hospedem ou estejam as personalidades visitantes, a única coisa que a sempre vigilante Armada não pode fazer é disparar um canhonaço em cima dos nossos visitantes. Ou do hotel que assim cairia sobre os ditos. Que inigualáveis raciocínios levam os planejadores do Exército e os táticos navais a livrar-se, por certo com o justo desprezo, daquela elocubração apenas humana e assestar seus canhões para os hotéis?
Dou testemunho da inutilidade de novos esforços para compreender mais essa realização na arte sempre original do pensamento militar (se não sou injusto, com a ligação simplória de arte e pensamento a militar). E testemunho com base em mais do que os canhões balísticos e os canhões mentais. Fundamento-me em todo o esquema de segurança.
Descrevê-lo seria impossível, nas minúcias da imaginação gerada no Exército. Baste dizer que a onipresença securitória levou à advertência de que os cariocas deveriam ficar em seus bairros residenciais, na segunda e na terça-feira. Imagine então o leitor uma cidade como Nova York, sede da ONU, todos os dias recebendo pencas de personalidades importantes, e bloqueada pela segurança militar a chegada ou passagem de cada autoridade.
Ou imagine Genebra, também hospedeira da ONU, ou Washington, Paris, Londres, Bonn, Berlim, Tel Aviv, em cada uma delas aplicado um esquema de segurança como o criado pelo Exército para visitas políticas ao Brasil. A violência do Rio? Calma, até há pouco Nova York era recordista em violência urbana, e não foi para o Rio que perdeu seu posto; Londres e Tel Aviv são, no mundo, as duas capitais com maior incidência de crimes políticos.
Maravilhoso esquema de segurança. Mais uma vez, provou a superioridade do raciocínio militar e a superioridade do mundo subdesenvolvido sobre o civilizado. Se a Chimâira não prestasse para mais nada, só essa prova estaria justificada. Sem esquecer, é claro, a festança e a gastança à custa dessepovo ricaço que é o brasileiro.


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