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JANIO DE FREITAS
Muito superiores
Um naviozinho da Marinha
com o canhão apontado para o
Copacabana Palace, Caesar
Park ou qualquer outro hotel
caro da orla carioca: eis o símbolo perfeito para o conjunto
de banquetes, recepções, festas, coquetéis, almoços, jantares e aventuras venturosas e
desaventuradas que se realizam no Rio, sob o nome agalegado de Cimeira (para soar
melhor a Trás-Os-Montes,
pronuncie Chimâira).
Sob o nome à lusitana, a segurança à brasileira. Um, reflexo do Itamaraty tão distante dos poetas e romancistas do
Itamaraty de Guimarães Rosa.
A outra, reflexo da permanente fidelidade dos militares a si
mesmos.
Lá estão os naviozinhos da
nossa Armada de Guerra desde antes de chegarem os primeiros turistas da Chimâira,
lá estão prontos para combater, com seus bravos canhões,
qualquer ameaça a integridade física (da outra, a hospitalidade recomenda não nos ocuparmos) dos nossos visitantes
ilustres.
Não é só por falta de assunto
mais respeitável na Chimâira
que os naviozinhos ocupam
aqui o espaço. É uma questão
militar relevante, não fosse o
país irrelevante. Desde a Eco-92 venho procurando uma explicação, à custa de muitas
pesquisas e raciocínio - em
vão.
No caso de qualquer tipo de
problema onde se hospedem
ou estejam as personalidades
visitantes, a única coisa que a
sempre vigilante Armada não
pode fazer é disparar um canhonaço em cima dos nossos
visitantes. Ou do hotel que assim cairia sobre os ditos. Que
inigualáveis raciocínios levam
os planejadores do Exército e
os táticos navais a livrar-se,
por certo com o justo desprezo,
daquela elocubração apenas
humana e assestar seus canhões para os hotéis?
Dou testemunho da inutilidade de novos esforços para
compreender mais essa realização na arte sempre original
do pensamento militar (se não
sou injusto, com a ligação simplória de arte e pensamento a
militar). E testemunho com
base em mais do que os canhões balísticos e os canhões
mentais. Fundamento-me em
todo o esquema de segurança.
Descrevê-lo seria impossível,
nas minúcias da imaginação
gerada no Exército. Baste dizer que a onipresença securitória levou à advertência de que
os cariocas deveriam ficar em
seus bairros residenciais, na
segunda e na terça-feira. Imagine então o leitor uma cidade
como Nova York, sede da
ONU, todos os dias recebendo
pencas de personalidades importantes, e bloqueada pela segurança militar a chegada ou
passagem de cada autoridade.
Ou imagine Genebra, também hospedeira da ONU, ou
Washington, Paris, Londres,
Bonn, Berlim, Tel Aviv, em cada uma delas aplicado um esquema de segurança como o
criado pelo Exército para visitas políticas ao Brasil. A violência do Rio? Calma, até há
pouco Nova York era recordista em violência urbana, e não
foi para o Rio que perdeu seu
posto; Londres e Tel Aviv são,
no mundo, as duas capitais
com maior incidência de crimes políticos.
Maravilhoso esquema de segurança. Mais uma vez, provou a superioridade do raciocínio militar e a superioridade
do mundo subdesenvolvido sobre o civilizado. Se a Chimâira
não prestasse para mais nada,
só essa prova estaria justificada. Sem esquecer, é claro, a festança e a gastança à custa dessepovo ricaço que é o brasileiro.
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