São Paulo, Terça-feira, 29 de Junho de 1999
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Despreparo do país para uma maior liberalização, implícita nas negociações sobre uma área de livre comércio entre UE e Mercosul, é admitido em público por representantes brasileiros nas negociações
Brasil não está preparado para abertura

CLÓVIS ROSSI
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
enviados especiais ao Rio

No mesmo dia em que o Mercosul (mais Chile) lançava formalmente o processo de negociação com a UE (União Européia) para uma futura zona de livre comércio entre os dois blocos, o Brasil reconhecia que não está preparado para a nova onda de liberalização implícita em tal negociação.
O despreparo era admitido em público tanto por Roberto Teixeira da Costa, representante dos empresários brasileiros no Fórum de Negócios Mercosul-UE, como pelo embaixador José Alfredo Graça Lima, principal negociador pelo governo brasileiro.
Teixeira da Costa cobrou uma "mobilização da sociedade civil" para preparar o país para o novo ciclo de negociações.
Graça Lima pregou "um grande esforço de persuasão da sociedade, para entender que a tudo que o país possa ganhar num eventual acordo corresponderão concessões em outras áreas".
Para a diplomacia brasileira, foi até bom que o comunicado final do encontro não mencionasse datas para as negociações. O Brasil, em tese, ganha tempo para se preparar. Foi por isso, aliás, que o chanceler Luiz Felipe Lampreia insistiu tanto em que deveria haver uma data clara para o término das conversações e, por extensão, para o início de nova fase de abertura.
A data, acha Lampreia, serviria como alerta para o público brasileiro sobre a necessidade de preparar-se para enfrentar novo choque liberal, depois do primeiro (governo Collor), que o atual governo considera ter sido "precipitado".
Mas o empresário Teixeira da Costa avisa, desde já, que, com data ou sem ela, "o Brasil tem que tomar consciência de que isso (as novas aberturas) é uma realidade com a qual temos de conviver".
Teixeira da Costa está preocupado não apenas com as negociações UE/Mercosul, mas também com a Alca (Área de Livre Comércio das Américas, que pretende englobar 34 países americanos) e com a Rodada do Milênio, a nova e abrangente ronda de negociações comerciais entre os mais de 140 países da OMC (Organização Mundial do Comércio).
As três discussões têm agendas semelhantes e desaguarão, em algum momento a partir de 2005, em novas aberturas da economia brasileira. "O Mercosul não está preparado", diz Teixeira da Costa.
O apelo à mobilização da sociedade civil feito pelo empresário é consequência direta do contraste que ele sentiu entre a posição de seus colegas europeus e as do empresariado do Sul, nas reuniões do Fórum de Negócios.
"Ficou muito claro que as demandas deles (em termos de abertura) eram muito maiores e mais bem organizadas que as nossas", afirma Teixeira da Costa. "Também ficou evidente que não havia muito espaço para que o Mercosul fizesse concessões adicionais sem que a Europa liberalizasse o setor agro-alimentar", diz.
Traduzindo: o Mercosul tem a ganhar, na negociação com a Europa, apenas na área agro-alimentar, que, como o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso reconheceria depois, oferece bens de baixo valor agregado. De fato, não há comparação entre o valor de um novo programa de computação e o do café, por exemplo.
Ontem, a propósito, Graça Lima contestou o presidente francês, Jacques Chirac, que, na véspera, dissera que o protecionismo francês "é lenda". Para o diplomata brasileiro, a França, como um todo, pode não ser um país protecionista, mas sem dúvida "aplica na área agrícola mecanismos que outros países não usam".
Teixeira da Costa desloca a ênfase apenas da área agrícola, ao dizer que "o Mercosul terá que aumentar a matriz de produtos exportáveis para a Europa", sob pena de continuar com volumoso déficit comercial nas trocas com a UE.
A lista de produtos exportáveis não é o único problema. "Não temos agressividade exportadora suficiente para penetrar nesse mercado", fulmina o coordenador do empresariado brasileiro.
Já Graça Lima aponta outra ordem de dificuldade: o Mercosul não tem uma estrutura idêntica à da UE. O representante brasileiro acha que o bloco deveria criar instituições supranacionais, mas, enquanto isso não for feito, terá que negociar da forma atual, ou seja, representado pelo seu presidente de turno (muda a cada semestre).
Tudo somado, fica reforçada a constatação de que o Brasil terá que apresentar um projeto definido de desenvolvimento para esse conjunto de negociações (UE/ Mercosul, Alca e Rodada do Milênio), de forma a saber o que abrir e o que proteger.


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