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Afirmação do presidente é feita em resposta a temor de que empresas
européias usem o país apenas para vender produtos de suas matrizes;
"sem expansão de mercado interno não há bem-estar", declara tucano
País não é posto de exportações, diz FHC
do enviado especial ao Rio
O presidente Fernando Henrique Cardoso acabou ontem por
expor, sem o pretender, os dilemas
que envolvem a política econômica, ao dizer que o país não pretende ser apenas "uma plataforma de
exportações".
FHC respondia, em entrevista
coletiva, a uma pergunta de um
jornalista argentino que trazia embutida o receio de que uma nova
abertura do mercado do Sul faça
com que empresas européias prefiram exportar de suas matrizes,
em vez de se instalarem no próprio
Mercosul.
FHC defendeu esse tipo de investimento, como é óbvio, usando até
a seguinte comparação: "A Volkswagen vai vender mais automóveis
aqui do que na Alemanha, como a
Fiat já o faz".
O presidente acha que só um
mercado interno atraente é capaz
de captar capitais externos de forma duradoura. E completou: "Sem
expansão do mercado interno, é
difícil imaginar o bem-estar do povo".
Mas, ao mesmo tempo, FHC cobrou exportações das multinacionais, com um argumento óbvio:
"Precisamos gerar divisas".
É essa a natureza do dilema presente no Brasil de hoje: o país não
tem poupança interna suficiente
para gerar desenvolvimento sustentado. Logo, necessita de uma
injeção de capitais internacionais,
que, no entanto, estão sendo dirigidos à produção para o mercado
interno, e não para "gerar divisas",
como cobra o presidente.
Consequência: saldos comerciais
(ou até déficits, antes da desvalorização do real) insuficientes para
reduzir o enorme buraco externo
representado pelo pagamento de
juros da dívida externa ou pela remessa dos dividendos e lucros obtidos pelas múltis.
Para FHC, esse tipo de dificuldade tem que ser atacado de outra
forma que não seja o direcionamento eventual dos capitais para
transformar o Brasil em "plataforma de exportação".
O Brasil precisa, diz o presidente,
de acesso a financiamento internacional para, por exemplo, exportar
aviões (de alto valor agregado) ou
precisa da eliminação de barreiras
à compra do aço brasileiro (alusão
nada velada às ameaças norte-americanas de aumentar os entraves à siderurgia brasileira).
Já o chanceler (primeiro-ministro) alemão Gerahrd Schroeder,
também presente à entrevista, preferiu responder diretamente à pergunta, sem os volteios de FHC.
Disse que qualquer empresa que
pretenda permanecer por muito
tempo em um dado mercado não
pode se limitar a exportar para ele.
Precisa também se instalar e produzir nesse país.
Uma entrevista coletiva não era,
de todo modo, o âmbito indicado
para resolver dilemas de política
econômica.
Destinava-se apenas ao "ato litúrgico", na definição diplomática
ouvida pela Folha, de anunciar
que Mercosul (mais Chile) e União
Européia haviam decidido iniciar
o processo de negociação "com
vistas à liberalização das trocas comerciais".
A liturgia, de todo modo, cometeu o pecado de fazer com que Jacques Santer (presidente da Comissão Européia) e Luíz González
Macchi (presidente do Paraguai e
presidente de turno do Mercosul)
entrassem calados e saíssem quase
mudos.
Só falaram algo, no fim, atendendo a apelo cortês de FHC.
Mesmo Schroeder interveio apenas porque o presidente brasileiro
lhe pediu que comentasse o que
havia dito até então.
FHC aproveitou de todo modo
para tocar em dois outros pontos:
1) remeteu a já anunciada moeda
única do Mercosul apenas para
quando estiverem dadas plenas
"condições de convergência econômica". Reforçou: "Lançar uma
moeda não é apenas cunhar moedas em qualquer metal";
2) previu que, durante "algum
tempo", o setor bancário brasileiro
estará submetido às regras atuais,
ou seja, fechado, salvo por autorização presidencial, que se dá caso a
caso.
Abrir o setor financeiro do Mercosul é uma das prioridades para a
UE no processo de negociações
ontem lançado.
FHC confirmou que o início efetivo de negociações, inclusive no
que diz respeito ao calendário, fica
para novembro, quando se reúne o
Conselho Consultivo UE-Mercosul, integrado pelos ministros de
Relações Exteriores.
(CLÓVIS ROSSI)
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