São Paulo, Terça-feira, 29 de Junho de 1999
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Afirmação do presidente é feita em resposta a temor de que empresas européias usem o país apenas para vender produtos de suas matrizes; "sem expansão de mercado interno não há bem-estar", declara tucano
País não é posto de exportações, diz FHC

do enviado especial ao Rio


O presidente Fernando Henrique Cardoso acabou ontem por expor, sem o pretender, os dilemas que envolvem a política econômica, ao dizer que o país não pretende ser apenas "uma plataforma de exportações".
FHC respondia, em entrevista coletiva, a uma pergunta de um jornalista argentino que trazia embutida o receio de que uma nova abertura do mercado do Sul faça com que empresas européias prefiram exportar de suas matrizes, em vez de se instalarem no próprio Mercosul.
FHC defendeu esse tipo de investimento, como é óbvio, usando até a seguinte comparação: "A Volkswagen vai vender mais automóveis aqui do que na Alemanha, como a Fiat já o faz".
O presidente acha que só um mercado interno atraente é capaz de captar capitais externos de forma duradoura. E completou: "Sem expansão do mercado interno, é difícil imaginar o bem-estar do povo".
Mas, ao mesmo tempo, FHC cobrou exportações das multinacionais, com um argumento óbvio: "Precisamos gerar divisas".
É essa a natureza do dilema presente no Brasil de hoje: o país não tem poupança interna suficiente para gerar desenvolvimento sustentado. Logo, necessita de uma injeção de capitais internacionais, que, no entanto, estão sendo dirigidos à produção para o mercado interno, e não para "gerar divisas", como cobra o presidente.
Consequência: saldos comerciais (ou até déficits, antes da desvalorização do real) insuficientes para reduzir o enorme buraco externo representado pelo pagamento de juros da dívida externa ou pela remessa dos dividendos e lucros obtidos pelas múltis.
Para FHC, esse tipo de dificuldade tem que ser atacado de outra forma que não seja o direcionamento eventual dos capitais para transformar o Brasil em "plataforma de exportação".
O Brasil precisa, diz o presidente, de acesso a financiamento internacional para, por exemplo, exportar aviões (de alto valor agregado) ou precisa da eliminação de barreiras à compra do aço brasileiro (alusão nada velada às ameaças norte-americanas de aumentar os entraves à siderurgia brasileira).
Já o chanceler (primeiro-ministro) alemão Gerahrd Schroeder, também presente à entrevista, preferiu responder diretamente à pergunta, sem os volteios de FHC.
Disse que qualquer empresa que pretenda permanecer por muito tempo em um dado mercado não pode se limitar a exportar para ele. Precisa também se instalar e produzir nesse país.
Uma entrevista coletiva não era, de todo modo, o âmbito indicado para resolver dilemas de política econômica.
Destinava-se apenas ao "ato litúrgico", na definição diplomática ouvida pela Folha, de anunciar que Mercosul (mais Chile) e União Européia haviam decidido iniciar o processo de negociação "com vistas à liberalização das trocas comerciais".
A liturgia, de todo modo, cometeu o pecado de fazer com que Jacques Santer (presidente da Comissão Européia) e Luíz González Macchi (presidente do Paraguai e presidente de turno do Mercosul) entrassem calados e saíssem quase mudos.
Só falaram algo, no fim, atendendo a apelo cortês de FHC.
Mesmo Schroeder interveio apenas porque o presidente brasileiro lhe pediu que comentasse o que havia dito até então.
FHC aproveitou de todo modo para tocar em dois outros pontos:
1) remeteu a já anunciada moeda única do Mercosul apenas para quando estiverem dadas plenas "condições de convergência econômica". Reforçou: "Lançar uma moeda não é apenas cunhar moedas em qualquer metal";
2) previu que, durante "algum tempo", o setor bancário brasileiro estará submetido às regras atuais, ou seja, fechado, salvo por autorização presidencial, que se dá caso a caso.
Abrir o setor financeiro do Mercosul é uma das prioridades para a UE no processo de negociações ontem lançado.
FHC confirmou que o início efetivo de negociações, inclusive no que diz respeito ao calendário, fica para novembro, quando se reúne o Conselho Consultivo UE-Mercosul, integrado pelos ministros de Relações Exteriores.
(CLÓVIS ROSSI)


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