São Paulo, domingo, 29 de setembro de 2002

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NO PLANALTO

Futuro do Brasil depende do eleitor indeciso

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os destinos do país encontram-se depositados nas mãos de uma gente que não sabe se toma café com açúcar ou com adoçante. Gente que pode apostar no improvável, dando a vitória a Lula já no primeiro turno. Mas que também pode jogar suas fichas no impensável, escalando Garotinho para o segundo tempo.
De acordo com o Datafolha, os indecisos ainda somam algo como um terço do eleitorado. Há o indeciso clássico. Do tipo que, na dúvida entre o vinho tinto e o branco, vai de água mineral (com ou sem gás? hum...). Ainda não se encantou por nenhum presidenciável.
Há também o indeciso envergonhado. Simula firmeza. Mas muda de candidato como quem troca de camisa (começo pelo botão de cima ou pelo de baixo? hã ...). A um pesquisador, diz que votará em fulano. A outro, assegura que optará por beltrano. Apertado, admite que pode mudar de idéia até o dia da eleição. Na vida de um indeciso, uma semana é uma eternidade.
Indeciso que se preza não abre mão da propaganda eleitoral da TV. Mas suas dúvidas só aumentam. A tia beata de tendência governista viu o Serra prometendo mudanças e bateu três vezes na madeira. O estudante cabeludo descobriu que junto com o Lulinha da paz vem o Quércia. E pensou em cortar os pulsos.
Tem o Ciro, o Garotinho. E o Zé Maria, por que não? Mas eles parecem, hum..., hã ..., tão decididos. Não têm dúvida sobre nada. Decididamente, não falam a língua do indeciso.
O que faz com que o indeciso exercite o seu direito à indecisão é justamente o medo do travesseiro. Quem votou em FHC duas vezes sabe que o Brasil mobilizado pelas certezas eleitorais pode evoluir para o velho Brasil da desilusão. Um país de tirar o sono.
No fundo, o que falta ao indeciso é convencer-se de que o nome do presidente é o que menos importa. O Brasil, convenhamos, tem saída.
Basta que os fatos parem de conspurcar as boas intenções.
Basta parar de confundir contramão com caminho.
Basta que as leis de mercado passem a valer para todos.
Basta implementar um plano capaz de distribuir a renda nacional, salvando os brasileiros pobres, pretos e sem-culote, com o apoio resoluto dos brasileiros ricos, brancos e com pneuzinhos na cintura.
Basta que o arcaico deixe de envenenar o empreendimento nacional.
Basta interromper o conluio que une o Estado ao privilégio.
Basta que os conglomerados industriais e financeiros parem de perguntar o que o país pode fazer por eles e comecem a bater ponto nos guichês do fisco.
Basta obter a colaboração desinteressada dos partidos políticos.
Basta descobrir que não sai coelho de um mato que tem Sarney.
Basta eliminar os vermes que dão ao novo uma aparência de cadáver.
Basta não contaminar o presente com práticas de um passado que mata o futuro.
Basta emudecer o tilintar de verbas e cargos nos corredores do Congresso.
Basta levar à prisão uma penca de ladrões notórios alojados em nichos de um Estado à míngua.
Basta provar que os Poderes formais -Executivo, Legislativo e Judiciário- reúnem forças para derrotar o poder informal do dinheiro.
Basta parar de chamar o cassino com roleta viciada de Bolsa de Valores.
Basta arranhar o quadro produzido pelos artistas do mercado financeiro e revelar o esboço calhorda que se esconde por baixo da pintura surrealista.
Basta parar de confundir muros altos e guaritas armadas com paraísos urbanos.
Basta que a polícia pare de assaltar os nossos meliantes.
Basta demonstrar que Fernandinho Beira-Mar pode ficar atrás das grades de Bangu 1 sem levar um celular à orelha.
Basta começar a desconfiar de Deus, que é brasileiro, e prestar mais atenção no demônio, que é americano e se diverte fundando uma nova religião hegemônica.
Basta instalar nos banheiros do Alvorada espelhos que reflitam a face ridícula sob a maquiagem do narciso.
Basta constatar que Brasília é um cemitério de super-heróis.
Basta desestimular no novo presidente a crença de que governa o governo.
Basta que o eleito, qual Edgar Allan Poe, prefira o diálogo com corvos à conversa fiada com papagaios.
Mesmo que tudo dê errado, ainda restará a saída de emergência. Basta convencer a malta a abandonar a utopia burguesa de querer comer três vezes ao dia.
O indeciso não deve esquecer, de resto, que, na guerra democrática, o voto é a sua única arma. Se a dúvida perdurar até o fatídico 6 de outubro, basta se entregar à roleta eleitoral.
Feche os olhos, leve o dedo às teclas da urna explosiva, reze e dispare um número ao acaso. Antes o equívoco aleatório do que o erro com absoluta certeza. Melhor morrer experimentando do que viver sem arriscar. Será?
 
Do baú da filantropia: o Ministério da Justiça cassou o certificado de utilidade pública federal do ITE (Instituto Toledo de Ensino). Trata-se, conforme revelado aqui, de uma usina de torrefação de verbas assistenciais instalada em Bauru (SP). É o primeiro passo rumo à perda do certificado filantrópico da Previdência, um documento que ainda mantém a escola no maravilhoso mundo da isenção de tributos.



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